“Espero que meu filho surdo não seja excluído, mas respeitado onde for”
Eduarda Melo viu os planos idealizados para o filho desmoronarem ao saber que ele era surdo. Mas foi só o começo de uma jornada cheia de aprendizado.
Não foi logo após o nascimento do filho, Eduardo Joshua, hoje com cinco anos de idade, que a enfermeira Eduarda Melo soube que ele era surdo. A descoberta levou tempo e só aconteceu quando Dudu, como ela o chama carinhosamente, estava com um ano e sete meses.
Frustrada com a descoberta, a pernambucana a princípio sentiu que os planos e desejos que havia pensado para o seu menino iriam por água abaixo, mas com paciência e conhecimento percebeu que não precisava ser assim. Após estudar muito e trocar com outras mães, tomou a decisão de colocar um implante coclear em Eduardo.
“Meu filho é apaixonado por sons, música e barulho, e isso é muito importante para mim. Dei essa oportunidade a ele, mesmo que no futuro ele me diga que não quer mais ouvir”, diz ela, confiante em sua decisão.
Além disso, Eduarda decidiu dedicar-se ao estudo de Libras, na intenção de entender, de fato, sobre a vivência de seu pequeno, e ampliar ainda mais o conhecimento – próprio e o dele – em diferentes formas de comunicação.
“Tento ensinar de tudo [ao Eduardo] – português, leitura labial, Libras. Quero que ele tenha várias ferramentas e instrumentos para a comunicação, assim ele vai utilizar a forma com a qual se sentir mais à vontade“, explica ela, que hoje conta com uma rede de apoio bastante fortalecida, formada principalmente pela mãe, a tia, a irmã e o pai que, segundo ela, são as pessoas que mais a auxiliam e apoiam nos cuidados com o pequeno.
Em comemoração do Dia Nacional do Surdo, que acontece em 26 de setembro, Eduarda conta aqui sobre sua jornada cheia de descobertas ao lado do filho, e destaca a importância de uma sociedade mais inclusiva não apenas na teoria, mas na prática.
Descoberta e mudanças
“Descobri que meu filho era surdo quando ele tinha um ano e sete meses. Me senti péssima, não sabia o que fazer, era tudo muito desconhecido. Quando soube, não conseguia nem reagir, mas senti que todos os sonhos e vontades que eu tinha para ele estavam desmoronando.
Depois do choque inicial eu fui pesquisar sobre o que poderia ser feito, quais atitudes tomar para ajudá-lo. Foi pesquisando, questionando e procurando por outras mães que cheguei à decisão de colocar um implante coclear no Eduardo.
Neste processo todo, a primeira mudança que senti foi a necessidade de ter uma pessoa que o acompanhasse nas diferentes terapias. Isso porque, depois do implante já instalado, a criança precisa fazer terapia ocupacional, passar com psicóloga, psicopedagoga e fonoaudióloga e fazer musicoterapia para auxiliar em todo o processo de aprendizagem, tanto de ouvir quanto de falar”.
Aprendizado na prática
“A princípio eu não sabia nada, mas fui pesquisar sobre pacientes surdos. Sou enfermeira, então decidi fazer um curso de Libras: comecei com o ‘Básico 1’, fui para o ‘Básico 2’, ‘Intermediário 1’, ‘Intermediário 2’, ‘Avançado’… Fiz pós-graduação em Educação inclusiva com foco na pessoa surda, para justamente aprender quem é, de fato, o indivíduo surdo. Fiz isso para que pudesse entender um pouco sobre o meu filho e, assim, aprender mais e mais e tentar auxiliá-lo em seu processo.
Queria que as pessoas entendessem que o meu filho é igual a todo mundo. Crianças são crianças, só precisam de respeito e de entendimento. Ele é como qualquer outro, não gosto que ninguém saia por aí o diferenciando, como ‘especial’. Sim, ele é especial para mim, como mãe, mas deve ter todos os direitos que qualquer criança tem.
Aqui, falando sobre o meu filho – pois nem toda criança surda é ‘rebelde’, e nem toda criança ouvinte é tranquila-, é preciso paciência. Entender o tempo dele, respeitar, orientar, conversar, escutar e tentar prestar atenção nas atitudes dele, nos olhares. Por mais que o Dudu tenha um implante coclear, o olhar dele fala bastante, entendo muita coisa que ele quer através disso”.
Preconceito e inclusão
“As pessoas, na minha opinião, precisam parar de usar o termo ‘surdo-mudo’, porque raramente existe alguém que é apenas mudo. Existe o surdo, e o surdo só não fala porque não foi ensinado a falar. Eu fico brava quando alguém diz ‘surdo-mudo’, mas também sei que isso se dá porque muita gente não sabe sobre o assunto. Também me incomoda quando alguém diz que ele é ‘deficiente auditivo’: ele é surdo, esta é a característica dele.
Outra coisa complicada são as pessoas que dizem que meu filho ‘precisa aprender português’, que precisa ouvir e falar em vez de aprender Libras. Não gosto disso. Ele vai aprender o que ele quiser, e eu tento ensinar de tudo – português, leitura labial, Libras. Quero que ele tenha várias ferramentas e instrumentos para a comunicação, assim ele vai utilizar a forma com a qual se sentir mais à vontade.
Eu só espero que meu filho não seja excluído socialmente, mas respeitado e reconhecido onde for, tratado com acolhimento. Pode ser que no futuro ele fique sozinho, sem a minha presença para protegê-lo, para cuidar dele – esta é, para mim, a parte mais desafiadora de tudo isso. Tudo o que eu posso fazer por ele tem de ser agora, para que esse sentimento seja amenizado. Meu maior medo é de que zombem dele, brinquem com a cara dele, o humilhem.
Quando eu descobri a surdez do Eduardo, só tinha conhecimento sobre pessoas surdas que não estudaram, não se formaram. Não vou mentir, o meu sonho para o Dudu é que ele se torne um Doutor – não um médico, mas alguém que fez doutorado.
Conheço uma pessoa surda que fez doutorado, e acho isso uma vitória, principalmente em um país tão preconceituoso quanto o nosso. Mesmo que a esposa do presidente diga que fala em Libras, aquilo não significa nada, é preciso inclusão para todo mundo”.
De mãe para mãe
“Meu conselho, para mães que passam pelo mesmo que eu, é ter paciência. Que compreendam e, como diz uma pessoa que conheço, ‘sintam o que o coração quer dizer, façam o que o coração pede’. Nem sempre o que uma outra mãe faz vai ser o melhor para você, principalmente quando você conhece bem o seu filho e se permite viver tudo com ele.
Esta vivência, este conhecimento, este momento só de vocês são muito importantes, tanto para a mãe quanto para o filho. Se a criança contar com a presença do pai, massa, dos irmãos também. Mas que exista esta troca entre a mãe e a criança, não apenas a que é surda, mas a autista, a que tem Síndrome de Down, e todas as outras especificidades.
Permita-se, não coloque o seu filho dentro de uma ‘bolha’. Crianças surdas, como qualquer outra, são inteligentes, espertas, amáveis, amorosas, carinhosas e adoram atenção. Portanto, não coloque mais empecilhos na vida dele, acredite no potencial da criança, porque ela é extremamente fantástica – a cada dia que passa eu acredito mais e mais nisso.
Se você tiver a oportunidade de colocar o implante coclear na sua criança surda, dê a chance de poder ouvir para ela. Se ela não quiser mais, com o passar do tempo, ela pode jogar o aparelho fora, até porque ele não vai servir para mais ninguém. Dei essa oportunidade ao meu filho, que é apaixonado por sons, música, por barulho. Isso é muito importante para mim, mesmo que no futuro ele diga que não quer mais ouvir”.