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Duas ‘mães de UTI’ contam como a prematuridade transformou a vida delas

Daiane e Érika tiveram bebês na pandemia e, num mix de angústia e esperança, encontraram forças com a ajuda de outras mães na mesma situação.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 18 nov 2021, 09h06 - Publicado em 17 nov 2021, 17h42
Colagem de foto de pais com bebês prematuros
 (Fotos: Arquivo pessoal/Bebê.com.br)
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Nascimentos prematuros, ou seja, de bebês que chegam ao mundo antes da 37ª semana de gestação, não são acontecimentos raros. Apenas em 2021, de acordo com os dados mais recentes do Painel de Monitoramento de Nascidos Vivos (DataSUS), cerca de 99.800 crianças nasceram de forma prematura no Brasil, entre janeiro e maio deste ano.

Para chamar atenção ao fato e promover mais informações sobre a pauta, inclusive, é que foi criada a campanha Novembro Roxo, atualmente considerado o Mês da Prematuridade. Junto com ela, em 17 de novembro é celebrado também o Dia Mundial da Prematuridade, que pretende conscientizar a população sobre os partos pré-termos e incentivar o acompanhamento médico desde o início da gravidez, na intenção de evitá-los.

Mas e quando eles acontecem? Quem precisou encarar de frente a prematuridade dos filhos enxerga esta como uma das experiências mais transformadoras de suas vidas. Muitas das ‘mães de UTI’, como são chamadas, relatam dias de bastante incerteza e angústia, mas também apoio e carinho de outras mães e pais nesta situação numa grande corrente de esperança. Quando dá tudo certo, dizem, é indescritível a sensação de finalmente poder ir para casa com o bebezinho saudável no colo.

A seguir, conheça as histórias de Daiane Feitosa e Érika Bonamigo, duas mães de crianças prematuras que, com muita paciência e apoio, enfrentaram a prematuridade e hoje celebram cada pequena conquista de seus filhos.

Só eu sei o que é passar uma noite em claro sem ele”

Daiane Feitosa, 33 anos, mãe do Noah, de 1 ano e 5 meses

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“Descobri a minha gestação em dezembro de 2019, uma gravidez muito esperada e sonhada, já que até aquele momento eu achava que não poderia engravidar. Minha gestação foi uma loucura: como eu sou asmática, entrei em crises desde o primeiro mês, e mal conseguia respirar. Já na reta final, nem andar direito, por conta da falta de ar, era possível.

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Cerca de dois meses antes de o Noah nascer, ele começou a apresentar restrição de crescimento, por conta da asma e por não receber tanto oxigênio. Minha obstetra já tinha previsto que o Noah nasceria prematuro, por causa da restrição de crescimento e também porque eu comecei a perder bastante peso no final da gestação. A minha barriga já não crescia mais tanto, mas, apesar de tudo isso, o Noah estava bem.

Acabei sendo internada no hospital apenas para fazer o acompanhamento dessa restrição, e porque naquele momento eu estava muito ruim da asma. Porém, por causa disso tudo, a médica me informou que eu não sairia de lá enquanto o Noah não nascesse. Enquanto a data não chegava, eu fui tomando injeções de corticoide para prevenir qualquer problema.

Dois dias depois da internação o meu filho entrou em sofrimento fetal, e por isso foi necessário fazer um parto de emergência. A médica me preparou para o que estava por vir, mas só em partes. Eu já tinha ouvido falar sobre crianças que nascem prematuras, mas eu não tinha a menor noção do que era, na prática. A obstetra disse que meu filho teria de ficar ‘um pouquinho’ no hospital, para ganhar peso, e eu fui tranquila para o parto.

Mas foi muito traumático, tanto o nascimento – com 29 semanas – quanto o fato de eu não poder ficar com ele. Vê-lo, 15 minutos depois, só de longe, foi muito complicado.

Eu fiquei desacreditada. Ao mesmo tempo em que estava em choque, já que nunca tinha visto um bebê tão pequeno, com a pele tão avermelhada que parecia que ia rasgar, eu estava emocionada de ver meu filho ali. Ele nasceu com 1,1 kg, estava intubado com dois drenos, foi um turbilhão!

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Mesmo assim, o Noah era muito forte. Ele não teve mais nada além de uma displasia broncopulmonar (distúrbio pulmonar que costuma ocorrer em prematuros), mas precisava chegar aos 2 kg e sair do oxigênio para ter alta. A princípio ele ficou 13 dias intubado, e depois uma semana sem precisar de oxigênio nem nada. Nós achávamos que ele teria de ficar no hospital durante 30, 40 dias, mas esse período se estendeu para três meses. Na verdade, ele ficou 103 dias no hospital, entre muitos altos e baixos, já que acabou ficando muito dependente do oxigênio.

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A pior parte era ir embora do hospital sem o meu filho. Por conta da pandemia, a visita na UTI neonatal era dividida entre 30 minutos pela manhã e 30 minutos à tarde, e sair de lá sem o Noah era uma tortura para mim, sem falar na expectativa de não saber se ele iria melhorar ou não.

“Uma mãe que passa pelo processo de ter o filho na UTI neonatal nunca volta a ser o que ela era antes”

Daiane Feitosa, mãe do Noah
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Nunca imaginei, na minha vida, que teria de enfrentar algo parecido com isso, e nem que eu poderia ser tão forte como eu fui. O meu emocional foi completamente desestabilizado, mas ao mesmo tempo eu estava firme como uma rocha. Conversava com o meu filho, dizia para ele que iria ficar tudo bem, que ele era importante. Por mais que ele não entendesse nada, eu evitava chorar na frente dele, estava sempre sorrindo, sempre fortaleza, mas é uma loucura. 

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Tenho uma rede de apoio gigantesca, faço parte de uma igreja, de uma comunidade, então acabei vendo um movimento muito forte de orações de diferentes pessoas para que o meu filho ficasse bem. Eu tive esse suporte, mas cada um tem um jeito diferente de lidar com a dor, e eu não era uma pessoa que gostava de compartilhar com todo mundo o que eu estava vivendo, até mesmo pelo sentimento de dó que muitas pessoas parecem ter.

O Denis, meu marido e pai do Noah, a minha mãe e meu pai foram as pessoas que mais me apoiaram. Sem ele eu jamais teria conseguido passar por isso, muitas vezes eu tinha a sensação de que o Denis estava me segurando pelo braço para eu não cair.

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Também encontrei apoio em outras mães que estavam no hospital na mesma situação que eu. Fiz grandes amigas lá dentro, éramos em 11 mulheres que se uniram, e isso foi extremamente importante. Com elas, os dias na UTI se tornavam mais leves, já que todas estavam no mesmo barco. A gente conseguia dar risadas, fazer companhia uma para a outra.

No período pós-maternidade, por sequelas da prematuridade, o Noah precisou ser internado mais sete vezes, e quase morreu na última delas. Foi muito difícil, já que até os dez meses ele teve uma internação seguida da outra. Durante essa época eu tive apoio da psicóloga do hospital, o que também foi muito importante.

Tudo foi muito novo na minha experiência com a prematuridade e, por mais que eu buscasse algumas informações na internet, não conhecia ninguém que tivesse tido um bebê prematuro. Para uma mãe que está passando pelo mesmo que eu, eu diria que os dias vão ser terríveis, intensos, mas que tudo vai passar. Parece uma utopia dizer isso enquanto você espera seu filho sair da UTI, mas tenha calma, tenha fé, ore e faça amizades na maternidade, não se isole. Leve essas pessoas para a vida, e seja forte para o seu filho. Passaria por tudo de novo para ter o Noah.

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Ainda ouço comentários sobre o fato de o meu filho ser pequeno para a idade dele, comparando-o com outras crianças, e lidar com isso também é difícil. Meu bebê ainda não anda, por conta das internações o desenvolvimento dele atrasou. Por mais que ele seja muito esperto, existe uma comparação por parte das pessoas. Eu queria era andar com um cartaz colado no meu filho, dizendo ‘respeita a minha história, eu sou prematuro, tenho muito para contar com apenas um ano e cinco meses. Eu sou um bebê diferente’.

O meu filho é uma criança muito alegre, e se as pessoas entendessem mais sobre prematuridade ou sobre o que uma mãe passa, elas respeitariam mais e parariam de fazer esse tipo de comparação.

Depois disso eu aprendi a dar valor a coisas que a gente não costuma prestar muita atenção, aos detalhes. A gente sabe, por exemplo, que a amamentação é difícil, que o bebê chora, passa noites acordado, mas eu sempre agradeci a Deus por isso, nunca reclamei das noites em claro que eu passei por conta do meu filho. Só eu sei o que é passar uma noite em claro sem ele. Eu quero valorizar o nosso tempo juntos, as experiências, as amizades e as coisas simples”.

Érika Bonamigo, 27 anos, designer de interiores e mãe das gêmeas Liz e Clara, de seis meses:

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“Tive uma gestação planejada, demorei cerca de dez meses para conseguir engravidar, mas engravidei naturalmente. Existem outros casos de gêmeos na minha família, então eu e o Pedro, meu marido, já conversávamos sobre isso – que era, inclusive, nosso sonho.

Durante a gestação foi tudo certo, até a 23ª semana, quando eu fui fazer um ultrassom morfológico de rotina. O médico fez o exame e ficou desesperado, falou que eu tinha que voltar para a casa e ficar em repouso, pois ele tinha detectado que o meu colo do útero estava quase totalmente aberto, e que eu poderia ter o parto a qualquer momento.

Desde esse dia eu fiquei em repouso absoluto: almoçava deitada, só levantava para ir ao banheiro e voltava a deitar na cama de novo. Isso durou até a 28ª semana, quando as meninas nasceram. Uma semana antes, porém, eu comecei a entrar em trabalho de parto ativo, ou seja, tinha uma contração atrás da outra. A médica aumentou as dosagens dos remédios que eu estava tomando para inibir as contrações e evitar que tivéssemos que ficar no hospital, até porque estávamos no meio da pandemia.

No dia 5 de maio de 2021, eu acordei com a bolsa estourada, já não dava mais para segurar, então fui encaminhada para uma cesárea de emergência. O parto correu bem, as meninas nasceram e eu consegui vê-las ainda na sala de cirurgia – achava que o pior tinha passado, mas a minha batalha principal não tinha nem começado.

Não tinha noção da complexidade que é estar em uma UTI neonatal. No dia seguinte ao parto, eu fui ver as minhas meninas, e tive uma sensação desesperadora, apesar de emocionante. Se muitas vezes nós achamos que não estamos preparadas para a maternidade, o sentimento é ainda mais forte quando você se torna uma ‘mãe de UTI’.

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Aquilo tudo me deixava muito abalada. No hospital onde as meninas ficaram a gente tinha meia hora de visita, por conta da pandemia, e eu e o meu marido, revezávamos. Aquela ideia de que o bebê vai para o colo da mãe após o parto sai imediatamente da sua cabeça, e no lugar dela entra um mundo que a gente nem imaginava que existia. O psicológico fica muito afetado, eu fiquei bem sensível, perdida.

É nesse momento que você encontra outras mães que também estão lá, e são capazes de te dar muito apoio. Eu ouvia delas coisas como ‘olha, eu já estou quase saindo da UTI, e eu também fiquei perdida nos primeiros dias. Você vai se acostumar e, daqui um tempo, vai ser você quem vai dar força para outras mães’. Precisei muito desse apoio durante os primeiros dias, e foi exatamente isso que aconteceu. As mães que se unem são fundamentais.

Não cheguei a buscar ajuda psicológica naquele período, acho que teria sido bom, mas acabei me encontrando naquelas mães – a gente compartilhava muita coisa, eram momentos de trocas de experiências e de compreensão mútua. Procurei voltar ao trabalho bem rápido, porque sou autônoma e queria manter a minha cabeça ocupada, então 15 dias depois do parto eu já estava trabalhando, o que me fez muito bem. Assim eu pensava menos no que estava acontecendo com as meninas. Tem dias que você está bem, mas em outros você olha para qualquer coisa na internet e chora, é um processo muito doloroso.

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A Clara ficou 66 dias na UTI, e a Liz ficou 73. Nesse período a Clara teve, além de anemia, convulsões e parada cardíaca. A Liz teve inúmeras complicações decorrentes de infecções, tomou antibióticos por muito tempo, também teve convulsões. A gente costumava dizer que era ‘um dia de cada vez, e a cada dia uma vitória’.

Lembro de um dia que me marcou muito, no qual o médico me chamou junto com o meu marido, em um horário fora das visitas, e disse que a equipe médica estava fazendo tudo o que podia pelas meninas, mas que o caso delas era grave e não tinha mais nada a ser feito além de confiar e esperar.

Eu sempre tive bastante fé, e nesse dia eu comecei a orar, a falar que a minha vontade era de que elas saíssem dali bem. Saí muito angustiada do hospital, e contava só com as orações que a gente recebia, com a força de relatos positivos de prematuridade, com a fé que eu tinha. No dia seguinte a gente chegou no hospital e elas estavam bem de novo, mas a prematuridade é uma verdadeira montanha-russa de sentimentos.

“A paciência faz parte do processo, mas quando você leva o seu bebê para casa a sensação é única, de que aquele ser que acabou de nascer já é um grande vencedor”

Érika Bonamigo, mãe das gêmeas Liz e Clara

Depois dessa experiência que eu tive com as meninas, muitas mães de prematuros passaram a me seguir nas redes sociais, e é muito bom poder encorajar e dar forças para outras pessoas. Só a gente, que vive isso, consegue explicar a grandeza desse momento.

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Com certeza o nosso olhar sobre o mundo, sobre a maternidade e sobre os nossos filhos muda completamente. A experiência que eu e meu marido tivemos, esse mundo complexo da UTI neonatal, transforma a gente de uma maneira que não dá para explicar.

Para as mães que estão passando por isso, eu diria que, no momento que tudo isso passar é que a vida delas vai começar de fato, e vai ser muito mais prazeroso: tudo o que ela viver com o bebezinho vai ser ainda mais valorizado do que se ele tivesse nascido normalmente, cada conquista, cada segundo, cada troca de fralda. É muito mágica esta nova visão da maternidade. Não tem preço e vale para o resto da vida”.

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