Era uma vez, uma mãe cansada que ficou ainda mais sobrecarregada por conta da pandemia. Esta é uma história que se repetiu em muitos lares e que mudou a carreira de mulheres no mundo todo. Com o fechamento de escolas e creches logo no início da então quarentena, mães tiverem que repensar como continuariam no mercado de trabalho ao mesmo tempo que precisavam cuidar dos filhos em casa.
Para muitas – por escolha ou por demissão de seus empregos formais, que tirou 7 milhões de mulheres do mercado de trabalho, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) -, a maneira de sustentar seus lares foi o ingresso no empreendedorismo (sendo considerada na pesquisa também mulheres que realizam atividades autônomas, freelancer e vendem produtos ou serviços), mas com o duro embate de que não conseguiriam se dedicar ao novo trabalho tanto quanto gostariam (e precisariam).
A pesquisa “Os desafios das mães empreendedoras na pandemia”, resultado do programa “Ganha-Ganha: Igualdade de gênero significa bons negócios”, da ONU Mulheres, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e União Europeia, é um retrato muito fiel desta realidade feminina.
O levantamento, de autoria de Vivian D`Ávila Abukater, idealizadora das plataformas Maternativa, Compre das Mães e colunista do Bebê, foi realizado entre junho e julho de 2021 e contou com 456 mães e/ou cuidadoras principais de uma criança de até 12 anos.
De acordo com o estudo, 75% destas mulheres têm o empreendedorismo como fonte de renda da família. E se esta informação já é significativa, ela ganha ainda mais relevância quando evidencia-se que, antes da crise econômica ocasionada pela pandemia, 56% das entrevistadas tinham os lucros do próprio negócio como parte da renda. Após a covid-19, este número saltou para 91%.
A dualidade do empreendedorismo materno
Inicialmente, tais dados trazem a sensação de que autonomia foi a grande conquista destas mulheres durante o período pandêmico. Mas, na prática, não foi bem assim que aconteceu. Para além das dificuldades econômicas pessoais e do país, o calcanhar de Aquiles das mães empreendedoras foi a sobrecarga vista dentro de casa, em que não era possível encontrar tempo para o próprio negócio por precisar cuidar dos filhos em tempo integral.
95% se sente sobrecarregada pelo acúmulo de trabalho e responsabilidades e 94% considera que as múltiplas jornadas são um desafio muito pesado
Fonte: Os Desafios das Mães Empreendedoras na Pandemia / ONU Mulheres
“Independente do perfil sociodemográfico, as mães empreendedoras precisaram trocar o tempo dedicado ao negócio por tempo de cuidado com os filhos, a casa e atividades escolares. Para pelo menos 63% das empreendedoras, o aumento da carga de trabalho é o maior desafio enfrentado nesse período, a principal barreira à sua dedicação ao negócio”, relata a pesquisa.
A jornada solitária vivida por mães que possuem negócios
Junto a uma imensa quantidade de tarefas a serem realizadas, esta sobrecarga acontece pelas raízes sociais sexistas que colocam apenas a mulher como responsável pelas crianças. Não por acaso, a pesquisa mostrou que para 92% das mães aumentou muito o tempo dedicado aos cuidados com os filhos. Enquanto que para 85%, este acréscimo foi na rotina de cuidado da casa e para 74%, nas atividades escolares. Já para se dedicar ao próprio negócio, apenas 59% das participantes relataram mudanças significativas.
“A vida familiar passou a antagonizar significativamente mais o sucesso profissional, e nesse contexto, é muito preocupante que o cuidado com os filhos seja visto como causador de prejuízos ao desempenho no negócio“, traz o levantamento. Desta forma, tanto a saúde mental materna quanto o desenvolvimento infantil acabam duramente fragilizados.
Por exemplo, crianças acabaram sendo vítimas de comportamentos mais agressivos dos pais, como xingamentos e agressões físicas. Enquanto que, do outro lado da moeda, transtornos psicológicos também atingiam os cuidadores, como foi o caso de 63% das mães brasileiras terem sofrido com depressão na pandemia, como aponta o estudo ‘Examinando indicadores de comportamento da criança e da parentalidade’, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Sem romantismo: é preciso estudo e políticas públicas
Os resultados da pesquisa são claros e a demanda é urgente: é preciso trabalhar em políticas públicas que diminuam os prejuízos trazidos à estas mulheres na pandemia e promovam a igualdade de gênero no mercado de trabalho. A ideia é viabilizar a longo prazo maneiras de facilitar o caminho para mães terem mais recursos disponíveis quando desejarem abrir o próprio negócio. E respaldo para que consigam seguir em frente e manter suas empresas funcionando.
98% das entrevistadas relatou que gostaria de ter mais tempo para trabalhar, estudar ou fazer cursos e se dedicar mais na divulgação de seus serviços.
Fonte: Os Desafios das Mães Empreendedoras na Pandemia / ONU Mulheres
Um exemplo importante citado no levantamento é a educação financeira destinada às mães, já que é preciso munir estas mulheres de informações para que elas compreendam a importância de investir no próprio negócio e não misturarem as rendas da casa com as da empresa.
Fica bem visível que, o caminho é longo, mas que para um negócio materno poder seguir adiante, é preciso disposição da mulher, claro, mas não apenas: é extremamente necessário que exista uma rede de apoio com os filhos, maior divisão de tarefas dentro da casa e apoio educacional para a microempreendedora. “Uma mulher mãe sem apoio nos trabalhos de cuidado está sujeita a um nível de sobrecarga que a impede de buscar o seu pleno
desenvolvimento e investir em educação e no crescimento dos seus negócios”, pontua o estudo.