Entenda se o seu filho está fazendo birra ou tendo uma crise de ansiedade
Ainda que as crianças tenham respostas emocionais semelhantes nos dois casos, a crise de ansiedade pede cuidado redobrado dos pais para acolhê-las.
Frustração. Este é um sentimento comum que surge quando temos nossas expectativas desiludidas ao ouvirmos uma resposta negativa ou, então, se não conseguimos conquistar o que desejamos. Adultos, aprendemos que o processo demanda resiliência para procurarmos por alternativas e recomeçarmos sempre que necessário. Só que quanto tempo e dedicação foram necessários para que chegássemos a esta conclusão?
Não por acaso, frustar-se ao não conseguir o que deseja e acabar vivendo outras situações negativas emocionalmente podem levar os pequenos a terem reações desafiadoras, como episódios de birra e chegando até mesmo às crises de ansiedade. Entretanto, ainda que as respostas infantis sejam semelhantes diante dos dois quadros, especialistas explicam a importância dos pais reconhecerem as sutilezas que as diferenciam para que seja possível acolher os filhos de maneira positiva.
A ausência de outros recursos para se expressar
Para começar este diálogo sobre a saúde mental das crianças, a psicóloga infantil Thalita Nobre, do Grupo Prontobaby, dá a definição do que é a birra. “É a manifestação de uma insatisfação. Esse desconforto precisa de alguma forma ser dito e, como a criança ainda não está inserida no campo da fala e não tem repertório psíquico de vida, ela vai fazer a birra”, explica.
Estes episódios de choro do pequeno, acompanhados de espernear no chão, se bater ou até mesmo arremessar o que ele está segurando, podem acontecer quando ele deseja algo e acaba não tendo naquele momento ou por alguma demanda fisiológica que não consegue demonstrar de outra forma – como fome, sono e mudanças da temperatura corporal.
A birra é vista principalmente entre o primeiro e terceiro ano de vida infantil, exato intervalo em que a criança ainda não conhece outras maneiras de comunicar suas emoções e também está entendendo os parâmetros estabelecidos pelos pais. “Este período é quando a criança começa a receber limites mais estruturados, “não” e passa a ficar frustrada. A partir de então, ela começa a ver até onde pode ir e o que ela consegue”, completa a psicóloga Daniela de Oliveira, integrante do Programa de Mudança de Hábito e Medicina do Estilo de Vida (Pro-MEV-IPQHC-HCFMUSP).
Depois dessa idade, o desenvolvimento psíquico dos pequenos tende a caminhar para encontrar outras maneiras de expor aos adultos o que almejam e quando estão descontentes com algo. “Eles começam a adquirir habilidades como a de negociar e de questionar para poderem falar de suas insatisfações”, comenta Thalita.
E como diferenciar a birra de uma crise de ansiedade?
Entendido que tais emoções estão relacionadas com algo que a criança desejava, mas não conseguiu, esta é principal diferença entre uma birra e o que conhecemos como crise de ansiedade. “A birra é uma atitude intencional, quase como uma estratégia inconsciente que a criança tem para conseguir algo e, quando ela é atendida ou ignorada, a tendência é que a birra cesse. Diferente da crise de ansiedade, que não é intencional e tem uma proporção de desajuste emocional”, explica a psicóloga infantil.
Isso significa que a crise de ansiedade é uma reação emocional da criança desproporcional a uma situação vivida, em que o principal sentimento envolvido é o medo. Ele acaba acarretando em um choro marcante, que também pode ser acompanhado da vontade de machucar a si mesmo ou ao outro de forma mais agressiva.
Além destas respostas emocionais mais comuns, Daniela também lembra que outros sinais físicos podem ser observados e que, muitas vezes, acabam não sendo associados à ansiedade, mas que fazem a diferença para diagnosticá-la na criança. “Ela pode ter desde dificuldade para dormir até muita fadiga, dor de cabeça, dor de estômago e de barriga”, relata a especialista.
Vale também lembrar que, assim como já esclarecemos em uma matéria sobre como a saúde mental afeta a imunidade das crianças, quadros recorrentes de doenças podem ser indícios de ansiedade, já que a fragilidade emocional faz com que o corpo fique mais suscetível às infecções oportunistas.
Atenção aos gatilhos!
Os motivos que levam ao desenvolvimento de uma crise de ansiedade variam e a psicopedagoga Eliana Cipriano, também psicóloga e criadora do programa “Crescer Juntos”, explica que o primeiro deles é a maneira que os cuidadores da criança lidam com situações adversas do dia a dia para que ela se sinta segura.
“Se eu não conseguir ajudá-la a entender tudo aquilo que acontece na vida, regulando as minhas emoções com aquilo que penso, vou deixá-la vulnerável, isto é, ela pode estar insegura o tempo todo”, detalha a especialista.
Já em relação a outros fatores externos, Thalita cita que episódios de bullying na escola, experiências negativas em casa, como separação dos pais, e excesso de estímulos são os principais responsáveis pelas crises de ansiedade. Inclusive, com a pandemia causada pela covid-19, o uso excessivo de telas tem sido um motivo recorrente para o desenvolvimento do transtorno psicológico.
“Algumas crianças estão desenvolvendo ansiedade porque ficam muito tempo na frente do computador ou do vídeogame, o que faz com que se tenha um excesso de estímulo que elas não dão conta e acabam tendo crises de ansiedade como uma saída para aquele estresse”, explica a especialista.
Acolhimento em primeiro lugar
Ao dimensionar os sintomas dos episódios de ansiedade e o que está causando-os, é importante que os pais acolham os filhos para diminuir ao máximo o sofrimento emocional dos pequenos. O primeiro passo, segundo Daniela, é observar se a criança está tendo uma crise em um lugar seguro. Caso contrário, é importante retirá-la do local e levá-la a um ambiente confortável.
Esse processo inclui também retirar do entorno da família qualquer brinquedo ou outro utensílio que a criança possa vir a usar para se machucar ou acabar reagindo de forma agressiva com os próprios pais. Já para acalmá-la em relação ao choro, lembre-se que não há um manual de instruções e cada filho demandará de um acalanto único que os seus cuidadores são capazes de oferecer – podem ser palavras, abraços e até mesmo tentar desviar a atenção do pequeno para algo que o agrade.
Depois do pico da crise, Thalita também orienta os pais a continuarem próximos dos filhos para respaldá-los após o processo estressante que é ter um episódio de ansiedade e, quem sabe, partir para um diálogo explicando que eles entendem os sentimentos da criança e, mais do que isso, que essas sensações são válidas.
A repetição dos episódios também pede acompanhamento psicológico para auxílio da família. Com ajuda profissional, os responsáveis tendem a aprender os melhores recursos para intervirem de forma positiva durante a crise de ansiedade da criança e ela passa a ter um ambiente seguro para aprender a lidar com o turbilhão de emoções que está sentindo.