A conversa mental de uma mãe arrependida
O arrependimento da maternidade rondou a minha mente nos últimos tempos, e a Tainá 1 e a Tainá 2 entraram em ação para dialogar sobre o assunto
“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” é um verso que tenho repetido muito nos últimos tempos. O trecho da música “Sujeito de Sorte”, de Belchior, que foi lançada no disco Alucinação, em 1976, parece descrever o meu primeiro ano como mãe na temporada 2022/2023. A casca ficou grossa, os aprendizados da maternidade solo têm sido duros mas, às vezes, recompensadores.
Porém, confesso que, até agora, não tenho visto tantas compensações como eu imaginava quando estava grávida e era bombardeada por conteúdos de vida perfeita (aquela vida editada, sabe?). A realidade é que, como escreveu Belchior, “Tenho sangrado demais. Tenho chorado pra cachorro”. “Nossa, mas que dramática, ela!”. Às vezes, sim, às vezes, não. Aliás, essa dualidade acontece dentro da minha cabeça com o que chamo de “Tainá 1” e “Tainá 2”.
No dia a dia, as duas se comportam como os personagens do filme Divertida Mente na sala de controle, apertando enlouquecidamente o botão de direito de fala.
A seguir, você confere um dos papos mais interessantes (na minha opinião, é claro!), que as duas Tainás protagonizaram na minha mente sobre o tema “sou ou não sou uma mãe arrependida?”. Na conversa, elas dialogam sobre as expectativas antes da chegada do Francisco e o que é, de fato, possível dentro da realidade encontrada.
Na sala de controle…
Tainá 1: Nossa, eu me senti muito mal por ter desejado não ser mãe, depois de uma noite em claro, com o meu filho tossindo e acordando todo alegre para conversar.
Tainá 2: Ué, mas é normal se arrepender de algo que você não sabia como seria, não? Te vendiam muitas alegrias, sonhos e realizações como mãe e, indo além, uma certa força extra por ser mãe solo. Mas quantas vezes o seu trabalho foi em dobro? Pode se arrepender, sim!
Tainá 1: Que horror, eu amo meu filho. Ele mudou a minha vida e, quando olho para trás, sou uma outra mulher, profissional, filha e pessoa depois que ele chegou. A gente não pode pensar assim, é muito negativo.
Tainá 2: Você ama seu filho, mas se arrepende da maternidade, pois ela é imposta como um modelo em que você é obrigada a achar que precisa estar 100% do tempo junto do bebê, que tudo é culpa sua, que a aldeia ao seu redor é só papo furado para florear a história. Ou seja, o amor pelo Francisco só está crescendo, mas a mãe solo está caindo em si.
Tainá 1: Ok, sua fala faz sentido. Mas o que podemos fazer considerando que, além de tudo isso, teremos que adicionar ainda mais e mais papeis invisíveis – aqueles sobre os quais falou o tema da redação do Enem 2023, abordando a dupla, tripla, quádrupla jornada de trabalho, que ninguém reconhece como deveria?
Tainá 2: Então, vamos ser realistas? Essa culpa que você sente de deixar o filho no berçário para trabalhar, ou a de querer sair uma noite e achar que está abusando da Dona Laura em seu papel de avó… Tudo isso sempre vai existir. Um mês novo, uma culpa nova. Por isso, a vigilância dos pensamentos e ações precisa ser constante. Eu sei que você se sente triste por dizer que “não pode, por causa do seu filho”, e que sente que sua vida parou após parir.
Tainá 1: Tá lendo a minha mente, é?
Tainá 2: O negócio é deixar a culpa vir e tentar entender os possíveis motivos. Dessa forma, você consegue encontrar algum conforto via pensamento ou via ação. Por exemplo, o berçário tem pessoas que estudaram sobre educação infantil, estão acostumadas com a rotina de cuidados, introdução alimentar, têm paciência para acompanhar todas as explorações…
Tainá 1: Mas não era para eu, a mãe, estar acompanhando essas etapas de crescimento do meu filho? É horrível não vê-lo falando as primeiras sílabas, descobrindo sua existência no mundo.
Tainá 2: A realidade é assim, paciência. Você acha que, sendo mãe solo, correndo atrás de freelas, tentando fazer o caixa fechar, teria paciência para sentar o dia todo para se devotar ao menino? Sua personalidade não é essa e, mesmo que fosse, entende que esse trabalho não deveria ser só seu? Além disso, por que ser tão egoísta e achar que tudo é sobre você?
Tainá 1: Nunca tinha parado para pensar sobre essa questão do egoísmo. De certa forma, o modelo de maternidade solo que temos atualmente deixa a figura materna no papel de única provedora de tudo, né?
Tainá 2: Sim, e nós precisamos estar vigilantes sobre isso. Um dia, por exemplo, seu coração vai apertar com um choro do seu filho ao deixá-lo na escola, mas pensa que ele vai passar um dia muito legal, com o auxílio de profissionais, e você estará correndo atrás de dinheiro para poder pagar por esse e outros momentos benéficos para toda a família. Sua mãe vai ficar com ele quando for preciso e, quando você conseguir, tenta passar mais tempo de qualidade com ele.
Tainá 1: Tá parecendo discurso de coach, hein? Não acha que tá muito motivadora, não?
Tainá 2: Poxa, você sabe que eu sou das reflexões pesadas, mas não deixo meu lado “Pollyanna e o Jogo do Contente”.
Ufa! Viu como o diálogo acontece intensamente por aqui? Ou seja, muito do que eu escrevo nesta coluna vem das conversas entre a Tainá 1 e a Tainá 2, além do que observo ao redor. Vigilância, né?!
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