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Deixa eu te contar

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Este curta tocante mostra três mães que decidiram viver longe dos filhos

Em "The Last Taboo", três mulheres contam como foi abrir mão da custódia dos filhos e sofrerem julgamentos muito pesados da sociedade.

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 2 Maio 2022, 15h09 - Publicado em 30 abr 2022, 14h00

A maternidade é cheia de tabus, bem sabemos, e a maioria deles costuma ser gatilho de culpa nas mulheres, em uma sociedade que ainda hoje, põe todo o peso da criação dos filhos nos ombros das mães. Foi pensando nisso que o documentário “The Last Taboo” decidiu encarar de frente uma das questões que costumam assombrar e levantar automaticamente dedos julgadores para as figuras maternas: o abrir mão de viver com os filhos.

Em um mundo em que mães solo – são 12 milhões apenas no Brasil, segundo dados do IBGE – vivenciam a extenuante realidade de não poderem dividir a parentalidade, o fato do pai poder “escolher” criar os filhos e ser moralmente aceito que ele abra a mão desta responsabilidade não parece chocar a sociedade. Mas e quando é uma mãe que faz esta escolha?

“Um pai que escolhe não viver com os filhos ainda é um pai. Mas, aos olhos de muitos, a mãe que escolhe não viver com suas crianças é um monstro”, pontua a sinopse deste curta documentário, da plataforma de conteúdos originais Topic. Nele, três mulheres relatam de maneira sincera e corajosa, como decidiriam enfrentar o mar de julgamentos ao deixarem a casa e os filhos sob cuidado dos pais das crianças.

Em 17 minutos, os emocionantes relatos dirigidos por Chloe White falam sobre pressão social, sonhos quebrados e mulheres perdidas entre expectativas alheias e o que, de fato, elas queriam pra si. São histórias de descobertas tardias, repletas de um sabor agridoce marcado pela culpa, pela luta de enfrentar os padrões impostos, mas também pelo alívio de se encontrarem no mundo.

“Se eu fosse homem, não estaria aqui dando esta entrevista”

“É a coisa mais normal do mundo que homens façam isso, mas eu ainda não conheço nenhuma mulher que tenha feito”, diz Rebecca Bunting, uma das mães entrevistadas no minidoc (esta que aparece no vídeo abaixo). A história dela começa com um grande amor que a fez mudar de Londres para a Estônia. Por lá, aos 23 anos, ela engravidou e viveu uma fase feliz durante a gestação. “Era incrível, porque meu corpo estava fazendo supostamente o que ele deveria fazer e isso era muito empolgante”, conta ela, para logo acrescentar que esta felicidade evaporou quando o filho nasceu.

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“É estranho para uma mãe com um bebê tão pequeno estar tão miserável e triste. É mais fácil ser o que o mundo espera que você seja, e aparentar que tudo está ótimo, que você só está cansada e sonolenta”

Rebecca Bunting
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Ao escutá-lo chorar, ela se deu conta: “vai ser assim pro resto da minha vida”. O puerpério difícil, combinado com a saudade da família e dos amigos, a amargurava dia após dia. “Quando meu filho tinha algumas semanas, eu senti que precisava fugir, eu só queria ir pra casa, eu me sentia como um pássaro engaiolado. Mas eu sabia que não podia ir embora”, diz ela, confessando ter aceitado que viveria infeliz por um tempo.

A angústia enfim, encontrou uma via para virar rota de fuga quando ela recebeu o convite do casamento do irmão. Ela se despediu prometendo voltar em meses, mas isso não aconteceu. “Eu não achei que teria forças para levar meu filho comigo e criá-lo sozinha, porque eu senti que estava enterrada tão fundo [na tristeza], que tinha perdido minha habilidade e capacidade de fazer as coisas”, diz e completa: “Eu nunca tinha visto isso no mundo, da mãe deixar o filho, mas isso não quer dizer que eu não poderia fazer”.

Ela então entrou no táxi, acenou para o filho de dois anos e foi embora. “Lembro de estar dizendo adeus pra uma situação difícil. Não tinha certeza do que iria acontecer, mas tive uma sensação de ‘agora posso respirar'”, relata, emocionada. Hoje ela vê o filho algumas vezes por ano e diz ter uma relação de muito carinho, repleta de bons momentos juntos. “É uma relação muito diferente se comparada com as outras mães e filhos, mas é muito bonita e cheia de amor”, encerra.

Se você é mãe, talvez seja difícil, escutá-la falar sem um aperto no coração, mas é importante lembrar que a realidade de outra mãe não deve ser comparada com a sua. São situações que demandam mais empatia com a vivência do outro e menos julgamento. Quem somos nós para falar do que ela viveu?

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Expectativas, imperfeições e felicidades individuais

E é exatamente sobre julgamento que fala outra entrevistada, Maria Housdon, mãe de quatro filhos. Assim como Rebecca, ela casou muito apaixonada e tentou, por anos, ocupar o papel pré-estabelecido. “Lembro de procurar nas revistas e nas propagandas como ser uma boa mãe e ter tentado muito caber naquele padrão para ser o que eu achava que era esperado de uma mãe. Mas ao mesmo tempo, eu sentia que tinha toda uma parte de mim, toda uma outra história que não encontrava contexto para ser expressada”, diz.

E o gatilho de sua mudança foi o inesperado adoecimento e falecimento de sua filha Hanna, quando a garotinha tinha apenas quatro anos. Ali, vivenciando a dor do luto, ela viu seu casamento ruir e percebeu que não conseguia mais continuar vivendo da mesma maneira. “Eu tive que tomar a difícil decisão de ser a parte que sai de casa. Na primeira noite, foi incrivelmente doloroso, mas ao mesmo tempo, uma parte de mim estava tão aliviada de que agora outra realidade seria possível”, revela, aos prantos.

“Foi a primeira vez na minha vida que eu tive a oportunidade de entender quem eu era como pessoa, sem ser definida pelo meu casamento e por estar 24 horas, 7 dias por semana com meus filhos”

Maria Housdon
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Segundo Maria, foi tudo menos uma decisão leviana, ainda mais, porque ela sabia que as implicações sociais seriam pesadas. “Eu definitivamente me sinto julgada como mãe. Já me disseram que eu deveria ter sido esterilizada e proibida de ter filhos. Mas eu acho que ficamos tentando manter esta expectativa do que é ser uma mãe ideal, sendo que não tivemos mães assim e tampouco somos. Temos que repensar essa idealização”, finaliza.

Cena do filme the last taboo
Maria, em cena do documentário “The Last Taboo” (@whalebone_films/Instagram)

A terceira e última história é de Nataly Antar, mãe de uma menina de 6 anos e um menino de 4, que vivem com o pai. A história dela é marcada também por muita idealização e por camadas de expectativa social e aprisionamento. Criada pela tia e sem a presença da mãe – “ela não sabia o que fazer comigo”- a garota cresceu muito solitária e pressionada por sua comunidade, onde, segundo ela, era incentivado que a maternidade fosse o ápice da existência feminina.

Nataly não queria ser mãe e sonhava com uma carreira, mas, humilhada e pressionada, acabou se casando por conveniência.”Eu não estava emocionalmente preparada para ter um bebê, mas me forcei a ter o primeiro e logo depois, tive outro”, conta relembrando a infelicidade que sentia ao se ver presa numa vida que não era de longe a que gostaria de ter.

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“Meu cérebro estava derretendo. Eu estava presa com um bebê, enquanto mulheres da minha idade estavam trabalhando, explorando o mundo e viajando. Eu lutava em silêncio, porque nunca contaria para ninguém. Colocava um sorriso no rosto e queria estar perfeita o tempo todo”, diz. “Não é permitido que você diga isso, mas o choro do meu bebê estava me enlouquecendo e eu tinha trocado tantas fraldas que nunca mais queria ver mais nenhuma. Só queria dormir. Não é permitido que a gente expresse outra coisa que não felicidade e euforia na maternidade. Mas perfeição não é sustentável, eventualmente você quebra“.

E ela quebrou. Deixou sua casa e, com muito sacrifício aceitou que seus desejos precisavam ser validados. “Eu não preciso mais ser perfeita. Agora todo mundo vê como minha vida é imperfeita, sou uma mãe sem a custódia dos meus filhos e essa é a maior imperfeição que eu possa ter”, conta emocionada. Ela diz sentir muita falta dos filhos, mas que agora, quando está com eles, está 100% presente. “Eu compartimento a minha mente: tem a ‘mamãe’ e tem esta mulher solteira. Não tem ninguém que possa me dizer que eu não posso fazer algo”.

Não se trata de romantizar o abandono, mas de tentar entender – afinal, também integramos esta sociedade cheia de idealizações que nos atinge em cheio – que existem muitas possibilidades de família, de relacionamentos e de realidades que não sejam apenas seguindo o script social que conhecemos.

Assista na íntegra o curta (em inglês e ainda sem tradução) que já conta com mais de 1 milhão de visualizações:

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