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Crianças seletivas: entenda por que camuflar alimentos não é a saída

Além de enfraquecer o vínculo de confiança com os pais, esconder alimentos dificulta o processo da criança criar uma relação saudável com a comida.

Por Alice Arnoldi
10 dez 2020, 12h38

Entre as vitórias que o primeiro ano de vida do bebê traz, algumas dificuldades também podem ser observadas pelos pais, como as questões alimentares. Se antes o pequeno parecia mais maleável na hora de experimentar novos sabores, a completude dos 12 meses de vida pode acarretar em mais “não” e choros nas refeições.

Este comportamento é chamado de neofobia. “É a fobia por alimentos novos, a qual começa no final do primeiro ano de vida, com picos entre 18 a 24 meses”, explica a pediatra Jéssica Dantas, especializada em gastroenterologia e nutrição pediátrica da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP).

Os motivos que levam as crianças a agirem desta forma estão ligados com a construção de sua autonomia e reconhecimento dos próprios limites. Mas há também a justificativa nutricional.

O ritmo de crescimento diminui depois do primeiro aniversário. Por isso, a criança tende a comer em menos volume e, às vezes, a família interpreta que ela está com menos apetite”, detalha Rachel Francischi, nutricionista da Casa Curumim e da Casa Moara em São Paulo, espaços de atendimento humanizado em saúde materno-infantil.

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Neste longo processo de idas e vindas, alguns pais acabam recorrendo ao que é conhecido como camuflagem de alimentos, isto é, o ato de esconder o que a criança não gosta em pratos que ela prefere. Mas esta decisão pode ser prejudicial tanto no aspecto nutricional infantil quanto comportamental.

Os dois tipos de camuflagem alimentar

Rachel pontua que, quando falamos de disfarçar os alimentos, o primeiro passo é entender que isso não engloba fazer receitas com o que a criança não gosta como um dos ingredientes. Por exemplo, assar um muffin de espinafre não é camuflá-lo ou omitir para o pequeno que ele não está comendo o vegetal.

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“Nesta técnica alimentar, podemos brincar com a criança de adivinhar quais são os componentes daquela receita, fazer o jogo do ingrediente secreto, ou seja, de alguma maneira aguçar a sua curiosidade na preparação“, detalha a especialista.

O problema começa quando os pais cozinham o que os filhos não gostam junto com o que preferem, batem tudo no liquidificador e ofertam para eles como se fosse um único prato. Ou quando, na colherada, os favoritos vêm por cima e o que a criança sempre nega fica por baixo.

Os prejuízos de esconder os alimentos

De acordo com Danielle Andrade (@meunutri), nutricionista infantil e comportamental, optar por esta técnica é acabar enfraquecendo o vínculo de confiança com o filho, já que ao descobri-la, ele acaba se questionando como determinado alimento é bom se foi preciso escondê-lo e no que mais está sendo enganado.

Outra desvantagem do processo é que ele acaba automatizando a alimentação infantil ao focar apenas no alívio dos pais de que, pelo menos, o pequeno consumiu determinados nutrientes. “A impressão que fica é de que é o checklist do nosso dia – dar banho, trocar a fralda, fazer criança comer – foi feito, como se ela não tivesse preferências, gostos e necessidades além das nutricionais”, enfatiza a especialista.

Rachel também esclarece que camuflar os alimentos intencionalmente faz com que a criança não crie bons hábitos alimentares no futuro, como entender a importância de balancear as refeições e o que é estar saciado. Na verdade, o esperado é que aconteça o contrário.

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“A criança não aprende o nome, a cor, as características e as diferentes formas que podemos preparar aquele alimento para ficar gostoso. E é muito comum ela criar aversão a ele”, pontua a nutricionista.

E se a seletividade é apenas uma fase do processo de desenvolvimento da criança, quando os pais tentam solucioná-la com a camuflagem dos alimentos, pode ser que ela realmente se torne um problema.

“Cerca de 25% dos pais queixam-se de alguma dificuldade na alimentação, mas apenas entre 1 a 5% do público infantil têm realmente uma desordem alimentar. Sendo assim, se eu reajo a uma dificuldade alimentar que, na prática, não existe, coagindo a criança a comer, ela pode a partir desse momento criar uma relação bem ruim com a alimentação e passar a ter algum distúrbio de fato”, elucida a pediatra Jéssica.

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Então, o que fazer quando a criança é seletiva?

As três especialistas concordam e explicam que é preciso respirar fundo e lembrar que a alimentação infantil é um processo que demanda paciência. Na hora de apresentar um alimento novo para o filho, pode ser que ele negue-o e siga enfático nesta decisão por diversas vezes. Mas é preciso insistir, variando as formas de como introduzi-lo.

Danielle também lembra que os pais precisam sempre ter em mente que são eles quem determinam a qualidade da comida ofertada à criança, mas é ela quem decide a quantidade para que, aos poucos, reconheça o que é estar saciada. Trocas também não são indicadas.

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“Se o pequeno não comer, não podemos substituir a refeição inteira por outra que ele gosta mais. Porque isso gera um ciclo vicioso de associação mental de que ele não precisa comer porque daqui a pouco ganhará determinados alimentos”, explica a especialista.

Jéssica orienta pais a não usarem aparelhos eletrônicos durante as refeições, para que o pequeno não perca o foco na comida.

Vale também ter em mente que ele aprenderá melhor se tiver exemplos na família. Não adianta insistir que ele coma legumes e verduras se não os verem nos pratos de seus cuidadores.

Mesmo com as dicas colocadas em prática, pode ser que o seu filho ainda apresente seletividade nas refeições. Assim, é essencial que você não se esqueça de levar o tema para a conversa com o pediatra e que um tratamento multifatorial pode ser ainda mais efetivo em casos desafiadores.

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