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Crianças podem se tornar mais seletivas com a comida após a Covid-19

A perda da sensibilidade do olfato nos pequenos é um efeito colateral do coronavírus e pode alterar os hábitos alimentares da criança.

Por Isabelle Aradzenka
5 mar 2022, 10h00

Depois de dois anos de pandemia, alguns efeitos colaterais da Covid-19 ficaram bem conhecidos. Entre os adultos, por exemplo, é difícil não conhecer alguém que tenha passado por uma alteração ou até perda do paladar e do olfato após contrair o vírus.

Este sintoma, chamado de parosmia, é listado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre as sequelas mais comuns da doença. Mas apesar de ser bem perceptível entre o público mais velho, quando atinge as crianças, ele pode se comportar de maneira diferente.

Em fevereiro deste ano, a Universidade de East Anglia (UEA), no Reino Unido, lançou um guia, em conjunto com a organização beneficente Fifth Sense, para alertar os pais de que cada vez mais crianças poderiam estar se tornando “comedores exigentes” em decorrência da parosmia pós-Covid-19.

“Sabemos que cerca de 250.000 adultos no Reino Unido sofreram parosmia como resultado de uma infecção pela Covid. Mas nos últimos meses, nos tornamos cada vez mais conscientes de que ela também está afetando as crianças. Em muitos casos, a condição está dificultando-as de comer e isso é algo que até agora não foi realmente reconhecido pelos profissionais médicos”, destacou o professor da UEA, Carl Philpott, em nota.

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Seu filho não come mais o que antes gostava? Atenção!

A parosmia nada mais é que uma falta de sensibilidade do olfato. Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), explica que este sintoma já é descrito há muito tempo e decorre da danificação de terminações nervosas olfativas do nariz e, portanto, de uma inabilidade do cérebro em sentir cheiros.

“Essa situação acaba levando a uma dificuldade em identificar os aromas e, na grande maioria das vezes, passamos a sentir um odor deturpado e desagradável, como lixo e fezes quando normalmente deveria ser uma flor ou cheiros agradáveis”, comenta Marcelo.

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O sintoma é mais frequente em casos envolvendo o SARS-CoV-2, mas também pode ser fruto de coronavírus sazonais, como a Influenza e o adenovírus, traumatismos cranianos e nasais. No público infantil, entretanto, a parosmia nem sempre será percebida, principalmente quando falamos de crianças menores.

“O que acontece é que não há uma clareza na percepção das crianças quanto a esse sintoma, na maioria das vezes, ele se manifesta realmente com uma diminuição no apetite, uma não aceitação de alimentos, mesmo aqueles que ela tradicionalmente gostava”, acrescenta o pediatra.

É mais difícil da criança comunicar para os pais…

Já imaginou como uma xícara de café seria muito menos atrativa se não houvesse o aroma gostoso do grão ou como seria ruim comer um chocolate que tenha o cheiro de outra coisa? Pois é, o olfato tem grande importância no reconhecimento e escolha de cada alimento.

Maura Neves, otorrinolaringologista pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), nos explica que o sabor do que comemos é formado através de diferentes informações neuronais, como impulsos gustativos, olfatórios e somatossensoriais, ou seja, a textura, temperatura e até a sensação da comida. Por conta disso, a perda ou distorção do olfato pode afetar o padrão alimentar de uma pessoa em qualquer faixa etária.

“Nos casos mais severos, pode haver distorções de vários odores e na maneira em que a pessoa se alimenta. Porém, o mais comum de se acontecer são parosmias mais restritas a alguns aromas e não a todos os cheiros percebidos”, explica Maura.

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Mas quando falamos do caso das crianças, avaliar uma mudança no olfato e no paladar pode ser bastante difícil. Isto porque a habilidade que os pequenos têm de reconhecer os aromas ainda está em desenvolvimento, além de que as queixas dependem do vocabulário e capacidade de comunicação de cada um.

Mas vai passar?

De acordo com Marcelo, o que se sabe é que a parosmia seja mais frequente em adultos e adolescentes e menos nos pequenos. “A princípio, a justificativa para a menor frequência do sintoma nas crianças é por conta dos receptores que estão no nariz, que possuem uma expressão muito menor em crianças pequenas”, explica.

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Além disso, ambos os especialistas pontuam que este sintoma é autolimitado, ou seja, não irá durar por muito tempo. Em geral, ele será resolvido no final do primeiro mês, são poucos os casos que passam disso, podendo chegar até seis meses de duração.

criança comendo
(Eriko Koga/Getty Images)

Para as crianças que têm a parosmia por mais tempo, a saída é a substituição alimentar, a fim de manter a sua dieta balanceada. “Os pais devem encorajar as crianças a experimentar diferentes alimentos com sabores menos fortes, como massas, bananas, queijos suaves ou milkshakes de vitamina. E pode parecer óbvio, mas as crianças podem usar um clipe nasal ou segurar o nariz enquanto comem para ajudá-las a bloquear os sabores”, orienta o professor Philpott, em nota da UEA.

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Outra opção para lidar com a seletividade da criança com parosmia é apostar no treinamento olfatório, que consiste em treinar os cheiros do pequeno expondo-o aos aromas que ele já conhece. Porém, neste caso, tudo irá depender da idade e das habilidades cognitivas da criança. “É necessário conhecer o aroma treinado e realizar o exercício duas vezes ao dia, durante três a seis meses. Por isso, há algumas dificuldades especiais de adesão e controle do tratamento para crianças pequenas”, adverte Maura.

Por fim, para identificar os sintomas, uma das dicas é observar o histórico epidemiológico da família, para entender se teve alguém que apresentou ou não a Covid-19 ou entrou em contato com um infectado. Como em crianças a principal forma de apresentação da parosmia é a recusa alimentar, o mais importante é sempre fazer uma consulta com o pediatra em caso de suspeitas e garantir se não há outro problema relacionado.

Doenças como câncer podem dar diminuição do apetite, mas não vão ter alterações no olfato propriamente. Portanto, é importante investigar se há outras causas possíveis se não a parosmia”, conclui Marcelo.

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