Da virada para o século 21 até o triênio 2013-2015, a vacina contra a poliomielite tinha presença garantida nas cadernetas de vacinação infantil no Brasil. Sua cobertura sempre chegava a 100% ou a algo muito próximo disso. De 2016 em diante, no entanto, essa porcentagem vem caindo, até chegar ao ponto de ficar abaixo dos 70% na média nacional em 2022, apesar de a campanha ter sido estendida duas vezes pelo Ministério da Saúde e ainda mais por secretarias estaduais.
Mas por que a adesão às gotinhas contra a pólio caiu tanto? Conversamos com Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), para entender esse fenômeno e também para saber exatamente quais são os riscos que as crianças e a sociedade correm por causa da falta de vacinação.
Poliomielite ainda existe?
Cunha e Kfouri afirmam que o maior problema em relação à adesão à vacina contra a poliomielite é ela ser considerada, por muitos, uma doença do passado, algo que não existe mais (embora ainda exista – não no Brasil, mas em outros países).
Além disso, fatores como a dificuldade de levar as crianças às UBSs em horário comercial, a eventual falta de vacinas e as fake news dificultam. Mas, como bem coloca Kfouri, “nada disso teria importância se as pessoas tivessem medo da doença, soubessem os males que ela pode causar”.
“Existe a falsa segurança quanto às doenças que nunca foram vistas. O último caso de pólio no Brasil foi em 1989, e tem pais que nem eram nascidos naquele ano. Como a doença não acontece mais no nosso meio, muitos têm a impressão de que não precisam mais vacinar seus filhos”, observa Cunha.
Mas precisam. A poliomielite tipo 1 ainda ocorre no mundo e há sempre o risco de ela “viajar”. Para se ter uma ideia, até setembro de 2020, os dois países em que a doença ainda era endêmica registraram 204 casos: 147 no Paquistão e 57 no Afeganistão, como conta o presidente da SBIm.
O que é poliomielite: transmissão, sintomas e consequências
A poliomielite é uma doença causada pelo poliovírus, que entra no organismo pelas vias aéreas e pela boca (em alimentos e água contaminados) e é eliminado pelas fezes (que causam a contaminação). A transmissão se dá especialmente em ambientes de baixa higiene e saneamento básico inadequado.
Os sintomas da poliomielite são semelhantes aos de uma gripe ou infecção intestinal e suas consequências, devastadoras. Kfouri explica: “A poliomielite causa paralisia aguda e atinge especialmente os membros inferiores, podendo chegar aos braços e até aos músculos respiratórios, deixando sequelas para toda a vida.”
Isso porque as inflamações causadas pelo poliovírus são irreversíveis. Quem tem paralisia infantil costuma perder o domínio dos músculos de uma das pernas ou de um dos braços. Os casos mais graves são os respiratórios, em que a intubação se faz necessária.
Não existe tratamento ou remédio para o vírus da pólio. O que se faz é esperar ele sair do organismo naturalmente e, então, cuidar das sequelas.
“A vacina é segura, eficaz e gratuita. Temos que estimular e valorizar a vacinação, lembrar que ela não é uma proteção apenas para o seu filho, mas para o coletivo – quanto mais pessoas vacinadas, menor o risco de o vírus voltar a circular no Brasil. É um ato de amor e de cidadania”, resume Cunha, da SBIm.
Vírus vacinal: perigoso, mas não no Brasil
Em alguns países que ainda usam na vacina contra a poliomielite o vírus tipo 2 vivo atenuado – na África e na América do Sul –, foram registrados, nos últimos anos, casos de poliomielite justamente do tipo 2. O chamado “vírus vacinal” é tão perigoso quanto raro: 1 caso para cada milhão de habitantes. Mas no Brasil não há motivo para preocupação.
Em nosso país, a imunização gratuita contra a poliomielite é aplicada em cinco doses: três injetáveis (contra os três tipos existentes de poliovírus: 1, 2 e 3), aos 2, 4 e 6 meses de vida, e dois reforços com a famosa gotinha (contra os poliovírus 1 e 3), aos 15 meses e aos 4 anos. Cunha explica que a versão injetável conta com o vírus inativado em todas as doses, enquanto a oral (gotinha) traz o vírus atenuado, ou seja, enfraquecido e que não apresenta praticamente nenhum risco de contaminação vacinal.
Em 2024, vale lembrar, haverá uma alteração nesse esquema. O Governo Federal implementará uma mudança gradual e a gotinha deixará de ser utilizada. Aos 15 meses, o reforço será feito com a versão injetável e a dose tomada aos 4 anos não existirá mais.
Para quem imunizar os filhos na rede privada, é possível optar pela vacina injetável hexavalente, que previne contra a poliomielite e também contra outras cinco doenças (hepatite B, coqueluche, tétano, difteria e doenças causadas pela bactéria Haemophilus influenzae tipo B). Ela deve ser aplicada aos 2, 4 e 6 meses de vida, com reforços entre 15 e 18 meses, e 4 e 5 anos de idade.