Cesárea assistida pela mãe: o que é e os riscos apontados por médicos
Entenda por que a prática em que a mãe retira o bebê da própria barriga, no meio da cirurgia, é desencorajada por profissionais da área de obstetrícia
Você deve ter se deparado, nas últimas semanas, com um vídeo de uma cirurgia cesariana em que a mãe ajuda a retirar o bebê da própria barriga. A prática, conhecida como Maternal Assisted Cesarean (MAC) ou “cesárea assistida pela mãe”, em português, tem sido realizada em certos lugares no mundo já há algum tempo, inclusive aqui no Brasil. Voltou a viralizar recentemente, por conta de casos relatados na Austrália. O objetivo, segundo os defensores, é humanizar essa via de nascimento e aumentar o protagonismo da mãe. No entanto, de acordo com profissionais da área, a manobra é totalmente contraindicada, principalmente pelo risco de infecção.
O ginecologista e obstetra Wagner Hernandez, especialista em gestações de alto risco, de São Paulo (SP), conta que, nesse tipo de cesárea, a parturiente se paramenta, como os médicos que vão realizar a operação. Ou seja, usa avental, luvas estéreis, lava e seca as mãos de maneira cirúrgica, sem encostar em mais nada. “Após a sequência de cortes de todas as camadas, depois que o obstetra coloca a mão e tira o bebê ali de dentro, ela entra em contato precoce com o filho e o traz para seu colo”, explica.
O problema está no risco aumentado de infecção. “A cesárea é uma cirurgia como qualquer outra, em que é preciso tomar todos os cuidados em relação ao risco infeccioso, justamente com a prática de antissepsia, que é aquela limpeza completa, com produtos específicos, colocação dos campos cirúrgicos… Quando você faz isso [a manobra em que é permitido que a mãe pegue o bebê], há uma quebra de barreira. É muito difícil imaginar que uma gestante, deitada ali, consiga não encostar em nada e não ter o risco dessa infecção. Por isso, não recomendamos essa prática de maneira nenhuma”, afirma o médico.
Febrasgo se manifesta
Além de Hernandez, vários outros profissionais da área são veemente contra a cesárea assistida pela mãe. Embora o método não seja amplamente utilizado no país, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se adiantou e publicou neste mês uma nota oficial, desencorajando o método.
“Matérias na imprensa vêm chamando atenção a uma prática denominada ‘cesariana assistida pela mãe’, com a sigla MAC, do termo em inglês Maternal Assisted Caesarean Section”, diz o comunicado de posicionamento emitido pela entidade. “Consiste na participação da própria mãe no procedimento cirúrgico, tirando o filho do útero e levando-o até o seu peito. O objetivo seria proporcionar uma experiência mais inclusiva. Contudo, cabe alertar que esse é um procedimento sem evidências significativas de sua segurança. Não encontra amparo em protocolos, recomendações ou estudos bem desenhados”, acrescenta o documento.
A Febrasgo também lista as possíveis complicações da cesariana, que podem aumentar em número e em gravidade, que são:
- Infecções;
- Tempo cirúrgico aumentado;
- Perda de sangue;
- Aumento das incisões;
- Lesões em outros órgãos;
- Atraso na avaliação e assistência neonatal;
- Maior consumo de material e elevação do custo do procedimento.
O órgão ressalta ainda que profissionais que realizam ou mesmo divulgam procedimentos médicos não reconhecidos cientificamente, como é o caso da MAC, podem infringir o código de ética médico. “Em havendo desfechos indesejados, o obstetra não estará protegido pelo Código de Ética Médica”, destaca a nota. A recomendação da Febrasgo é que a manobra não seja feita fora de estudos clínicos aprovados.
A justificativa de humanização
Segundo a enfermeira obstetra e ginecologista Daniella Perissé, CEO da Obstare Lagos, equipe focada em parto domiciliar planejado na Região dos Lagos (RJ), apesar de ser divulgada sob a justificativa de aumentar a participação das mulheres no processo de nascimento, a cesárea assistida pela mãe não tem a ver com a humanização do parto.
“O princípio do parto humanizado é resgatar o protagonismo da mulher no processo de parir, que foi tirado pela hegemonia médica, pela inclusão do homem no cenário do parto e a medicalização de um processo que é fisiológico”, diz ela. “Então, os profissionais cesaristas tentam a todo momento criar ideias mirabolantes para seduzir as mulheres que não têm oportunidade ou não querem conhecer a fisiologia do nascimento e seus benefícios, por meio de artimanhas que embelezam a cesariana como algo lindo, mágico e ‘natural’. Eles pintam a barriga da gestante antes da cirurgia, fazem carimbo de placenta, estimulam terapias naturais, tiram um monte de fotos lindas e vendem uma ‘cesárea humanizada’”, afirma.
Ela lembra também que a cesárea pode ser uma cirurgia importante, mas em situações específicas e não de forma eletiva. “Ela sempre seria a última opção, quando realmente houver uma indicação, uma real necessidade”, ressalta.
E o vínculo?
Diante disso, como a mãe pode participar de forma mais intensa do nascimento, quando ele acontece por via cirúrgica? Muitas vezes, as grávidas se frustram diante da necessidade de uma cesariana, justamente pelo fato de não poderem ter uma atuação tão ativa, como acontece na maioria dos partos vaginais. Há ainda uma preocupação a respeito da conexão imediata com o bebê, nos momentos iniciais fora do útero. Segundo a Febrasgo, é possível adotar práticas mais seguras durante a cesariana, visando o nascimento respeitoso e a melhora do vínculo com a criança.
Para o obstetra Hernandez, a maneira mais eficaz de fazer isso já é muito conhecida, felizmente – pelo menos nas cesáreas que ocorrem sem complicações: passar o bebê diretamente para o colo da mãe. “Apesar disso também fazer com que haja certa quebra no risco infeccioso, é algo muito mais controlado, porque é feito pelo obstetra”, diferencia. “Predispõe um contato pele a pele precoce, que é muito mais interessante, inclusive, do que o contato inicial dessa mulher com uma luva e um avental cirúrgico [a paramentação necessária para tirar o bebê da própria barriga]”, reforça.
O especialista lembra também que esse momento permite que aconteça a golden hour, como é chamada a primeira hora da mãe com o recém-nascido, quando pode ocorrer a primeira mamada da criança. “É uma prática já muito estimulada e que deve ser cada vez mais”, completa.
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