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Tempo de tela pode ser um momento de qualidade para as crianças?

Embora esse tipo de atividade não deva se sobrepor a outras, em que a criança tem mais interação, existem maneiras de aproveitá-la de forma positiva

Por Da Redação
25 out 2022, 12h10

Tirar as crianças da frente da TV, do tablet ou do celular tem sido um desafio cada vez maior. Um vídeo começa atrás do outro, depois vem mais um e, em seguida, um terceiro, tudo baseado em conteúdos que seu filho já viu antes. Ou seja, são programas que atraem o interesse dele, escolhidos sob medida por um algoritmo para lá de inteligente. Só que todo mundo sabe que deixar as crianças usando telas por um tempo prolongado está associado a vários prejuízos no desenvolvimento e até na saúde – pode ser um fator de risco para a obesidade, por exemplo. No entanto, hoje, não dá para ignorar a presença e até a importância das telas em nossas vidas. Como, então, fazer o equilíbrio e transformar o tempo de tela em um momento de qualidade? 

Uma meta-análise de estudos anteriores que avaliaram os efeitos da relação entre crianças e telas mostrou, recentemente, que essa interação também pode ser positiva, desde que observados alguns cuidados fundamentais. Realizada por uma equipe da Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, a pesquisa apontou uma diferença principal nas crianças que são expostas a telas com impacto positivo: a presença do pai ou da mãe, consumindo aquele conteúdo – que precisa ter qualidade – junto dela.

“Não existe uma interação efetiva com as telas, por mais que o conteúdo ou o jogo seja considerado interativo. Interação implica troca e, para haver troca, é preciso que se leve em conta as expressões, reações, manifestações dos envolvidos. A tela, em si, não oferece essa possibilidade, por mais que alguns desenvolvedores trabalhem nessa direção”, explica a psicóloga Patrícia Grinfeld, idealizadora e sócia-fundadora da Ninguém Cresce Sozinho, plataforma de cuidados em saúde mental, focada em primeira infância e parentalidade. 

Na verdade, nesses casos, não é a tela em si que proporciona os ganhos à criança, mas o fato de ela funcionar como um meio favorecedor para o diálogo, para a brincadeira ou para a investigação, por exemplo. “O pai, a mãe ou o cuidador estar junto da criança é muito mais do que fazer companhia; é estar presente de “corpo e alma”. É se interessar pelo que a criança se interessa, é estar atento ao que o conteúdo ou jogo provoca na criança, é explicar o que se passa nas telas, é estabelecer trocas. A criança precisa que um adulto lhe apresente o mundo e signifique as experiências que ela estabelece com o mundo. Por isso, quanto menor a criança, mais necessária se faz essa presença”, aponta a especialista. 

O efeito desse tipo de experiência para a criança vai ser muito diferente de quando ela fica ali, sozinha, consumindo qualquer conteúdo, enquanto os pais se ocupam de outras tarefas. Mas sabemos, é claro, que isso também acontece. E tudo bem, desde que não seja em excesso. “As telas limitam as experiências na medida em que há certa passividade corporal e predomínio de apenas dois dos sentidos, a visão e a audição. Para que a criança se desenvolva é preciso que haja mais diversidade”, explica Patrícia. Quando seu filho brinca livremente, longe das telas, ele é ativo, usa o corpo e todos os sentidos, precisa resolver conflitos e limites, além de lidar com as frustrações. “Os desafios e soluções que ela encontra são muito mais diversificados e complexos e isso é fundamental para o desenvolvimento”, diz.

Criança no celular
(Love portrait and love the world/Getty Images)

Existe um tempo de tela ideal?

Para que a relação do seu filho com as telas seja mais positiva, outro ponto que não pode ser relevado é a quantidade. Não é porque você escolheu um conteúdo de qualidade e passa parte desse tempo junto, que ele pode passar horas ilimitadas nesse tipo de atividade. De acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), crianças de até 2 anos não devem ser expostas a telas; crianças entre 2 e 5 anos, podem ter, no máximo, uma hora por dia; e, para os pequenos de 6 a 10 anos, o limite recomendado é entre uma e duas horas. 

No entanto, não basta se prender ao relógio. É preciso observar o comportamento do seu filho e a distribuição de atividades dele ao longo do dia. “Avalie o que a criança tem feito além das telas e por quanto tempo”, sugere Patricia. “O tempo de brincar livremente, de estar com outras pessoas ou até mesmo de não fazer nada nunca pode ser menor do que o tempo nas telas”, aponta. 

“A criança que faz um uso excessivo desses recursos digitais começa a perder (ou nem cria) interesse por aquilo que está fora das telas, sejam pessoas ou coisas. Ela se opõe, faz birra, briga quando convocada a realizar outras atividades”, explica a especialista. Há ainda outros impactos no comportamento: a criança fica mais passiva, dependente da ação dos outros, fica mais irritadiça e passa a ter dificuldades com o sono, entre outros. “O único jeito de reverter essa situação é diminuir o uso das telas, oferecendo à criança mais presença humana, interação, troca”, orienta.

Criança usando o tablet com o pai
(monkeybusiness/Envato)

O conteúdo importa, sim!

O que seu filho assiste ou que tipo de games ele joga faz toda a diferença também nos impactos que as telas terão no desenvolvimento, no comportamento ou na saúde dele. É claro que deve haver um filtro de idade, com produtos adequados para cada faixa, mas esse não é, nem de longe, o único filtro. Além de observar a qualidade, Patrícia recomenda que as famílias deem preferência a conteúdos que funcionem como um estímulo para outras atividades, que vão além da tela. “Um jogo de construções, por exemplo, pode servir de inspiração para construções com blocos ou outros materiais. Um conteúdo musical pode trazer inspiração para cantar, dançar ou querer explorar um instrumento musical”, exemplifica. 

E aquela história de que jogos educativos são bons porque favorecem o raciocínio e o desenvolvimento cognitivo? É verdade, sim, mas, como qualquer outra habilidade da infância, esses aprendizados não acontecem de forma isolada. Os pequenos precisam de outros estímulos, obtidos, sobretudo, nas brincadeiras e nas vivências que acontecem offline. “Num jogo de quebra-cabeça virtual, a criança não enfrenta o desafio motor de fazer as peças se encaixarem, pois elas se encaixam a partir do clique e do toque. É o app que encaixa ou não a peça a partir da escolha da criança. No quebra-cabeça físico, além de a criança raciocinar onde a peça se encaixa, tal como no app, ela sente a textura do material e faz uso da motricidade fina, necessária, por exemplo, para amarrar um cadarço e, consequentemente, ter autonomia em relação a se calçar”, explica a psicóloga. 

No mundo de hoje, não dá para encarar as telas como vilãs porque as crianças já nascem em um mundo digital. Mas também não dá para esperar que funcionem como uma solução. Se usadas da maneira certa e com limites, elas podem ser ferramentas coadjuvantes, dentro de um contexto mais amplo, de descobertas e brincadeiras offline.

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