Será que a sua empresa é um lugar que apoia mães? Especialistas respondem
Entender quais os caminhos para um mercado de trabalho mais justo e igualitário para gestantes e mães é o primeiro passo a favor da mudança.
Mulheres mães foram o grupo social mais afetado pelos impactos da pandemia de Covid-19 no Brasil e no mundo. Enquanto algumas delas encontraram soluções temporárias no empreendedorismo, várias acabaram perdendo seus empregos formais, tiveram de lidar com a sobrecarga decorrente de jornadas duplas (quando não triplas) e adaptaram as rotinas ao home office e ensino remoto.
Por outro lado, mães que tiveram a chance de passar mais tempo com os filhos, seja no pós-parto ou por decorrência do ensino à distância, perceberam, também, a necessidade de uma mudança de prioridades no mercado de trabalho: não faz sentido, por exemplo, assinar contrato com empresas que não entendam a necessidade de uma agenda mais flexível para gestantes e mães, ou que não forneçam benefícios e tenham políticas de apoio para esses grupos.
Mas, afinal, quais são essas políticas? Conversamos com as experts Isabella Moreira, pedagoga e psicodramatista, Marina Zirpoli, educadora parental, especialista em neurociência e comportamento, e Thais Sanchez, coordenadora de programas da Fundação Bernard van Leer, para entender, de uma vez por todas, o que faz de uma empresa um lugar que respeita mulheres e mães.
Onde estamos
Na opinião de Thais, o mercado de trabalho como um todo ainda tem um longo caminho para percorrer quando o assunto é a implementação de políticas de apoio a mães e pais. Isso se torna ainda mais marcante, diz ela, quando falamos sobre primeira infância (crianças dos 0 aos 6 anos) e as demandas de seus cuidadores no ambiente de trabalho. Ao mesmo tempo, completa, cada vez mais são valorizadas empresas que contam com essas políticas.
Já Marina diz que, para que a mudança aconteça de fato, é necessário transformar o pensamento um tanto quanto arcaico de que só a mulher é responsável pelos filhos (em relações heterossexuais), de que só ela deve sair do trabalho quando a criança fica doente, por exemplo. “Envolver mais os homens nas questões de parentalidade fará com que as empresas enxerguem esse momento com outros olhos”, resume.
Ao ressaltar que empresas precisam ampliar o olhar e aprender a conviver com a parentalidade vista como fenômeno social, Isabella reforça a importância de entendermos que vivemos em comunidade, ou seja, que somos interdependentes. Logo, “ser uma empresa humanizada, empática, flexível e criativa, com certeza faz com que os colaboradores que ali trabalham aumentem os resultados e a produção. Uma empresa que age culturalmente dessa forma está bem à frente das que ainda demitem mães após o retorno da licença-maternidade”, dispara.
Para onde vamos
Para saber se uma empresa possui políticas de apoio para gestantes e mães, é preciso prestar atenção aos sinais – geralmente bastante claros já em etapas pré-contratação, como entrevistas de emprego.
Marina explica que, se já na entrevista a mulher tiver de responder perguntas como “com quem fica seu filho quando você está trabalhando?”, “você tem disponibilidade para fazer hora extra sendo mãe?” ou qualquer questão que deprecie o currículo apenas pelo fato de a candidata ser mãe, aquela não é uma empresa acolhedora. Já dentro do dia a dia do trabalho, é fundamental perceber como os gestores lidam com o fato de essa mulher precisar sair mais cedo porque, por exemplo, a escola telefonou, ou se a chefia faz diferença entre mulheres mães e homens pais – sinais vermelhos.
Perguntas nessa linha, corrobora Isabella, acabam sendo intimidadoras e, mais ainda, desnecessárias. Isso porque, diz ela, a mãe que se propõe a trabalhar certamente se programou e acionou sua rede de apoio para estar disponível para o trabalho.
“Uma sondagem rápida entre funcionários e o histórico da empresa de demitir mães que retornam da licença-maternidade também é um indicativo de uma empresa que não acolhe mães”, sugere.
Teoria e prática
O primeiro passo para uma mudança de mentalidade, além da teoria, fala Marina, seria que as empresas compreendessem todo o potencial de uma mãe, e o quanto uma organização ganha ao optar por contratar essa mulher. Ela opina que, no Brasil, as leis trabalhistas nesse sentido não são nada justas, já que apenas quatro meses de licença-maternidade não são capazes de garantir acolhimento.
Para ela, todos os benefícios previstos por lei são mais do que válidos, mas o que mães precisam mesmo é que não sejam desvalorizadas por terem engravidado, mas que seus gestores compreendam que o retorno ao trabalho é possível, desde que ela possa ajustar sua rotina – o que não interfere em nada em sua competência.
Thais parte do mesmo princípio, ao informar que, por mais que a licença-maternidade e paternidade sejam regulamentadas em lei, essas e outras políticas de apoio nas empresas devem fazer parte da cultura de organização da companhia. Entre as medidas estariam a extensão da licença-paternidade, inclusão no Programa Empresas Cidadãs, licença-maternidade justa, auxílio-creche, oferecer salas de amamentação no local de trabalho e flexibilidade de horários, bem como auxílio para crianças com necessidades especiais, auxílio financeiro para despesas jurídicas em caso de adoção e regulamentação do auxílio-enxoval.
Sobre a flexibilidade de horários, ela considera esse um dos pontos principais de um futuro nas empresas mais justo para mães:
“Políticas de cuidado são muito voltadas a mulheres, e é muito importante que sejam estendidas a homens, incluindo licença-paternidade e horários flexíveis. Precisamos quebrar a convenção de que as mães trabalham menos quando, na verdade, elas organizam melhor seus horários. É importante entender, também, que a presença da mãe, pai e cuidadores é fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças e criação de vínculos”, desenvolve.
Isabella expõe, ainda, que embora a lei brasileira coloque a licença-maternidade como algo obrigatório durante 120 dias, a recomendação de amamentação exclusiva no país é de 180 dias – ou seja, a própria legislação é conflituosa quando falamos sobre direitos trabalhistas das mães. O ideal, fala, seria uma licença de, no mínimo, 180 dias, a fim de incentivar, garantir e proteger o direito à amamentação exclusiva, sem prejudicar criança e mãe.
“Um local seguro para uma mulher mãe trabalhar é aquele que a trata como igual em sua proporção, garante o acesso a oportunidades, prepara o ambiente para receber uma lactante e flexibiliza o desenvolvimento das atividades conforme demandas e eventuais acontecimentos que requerem a responsabilidade de uma mãe. Excluir, não flexibilizar ou até mesmo demitir uma mulher pelo fato de ter se tornado mãe é uma prática antiquada e antiética”, conclui.
Benefícios de investir em políticas de apoio a mães
No âmbito corporativo, diz Thais, acolher mães e cuidadoras é algo capaz de gerar valor a negócios, aumentar o engajamento dos colaboradores e fortalecer a cultura organizacional, além de apoiar essa primeira fase da vida, tão importante para o desenvolvimento integral dos futuros cidadãos.
No mais, complementa Marina, a maternidade não deve ser algo que define ou limita mulheres, que precisam ser contratadas pela experiência profissional, currículo e capacidade. “Ninguém faz questionamentos sobre a competência de um homem pai, ninguém pensa se é benéfico ou não contratar um homem pai. Além disso, uma mulher acolhida em sua maternidade tende a aumentar sua produtividade e ter o senso de pertencimento também aumentado, o que traz melhores resultados para a empresa”, enfatiza.
Isabella reforça que mulheres que se tornam mães são dotadas de diversas habilidades e competências, como agilidade, capacidade de trabalhar sob pressão, flexibilidade, criatividade, espírito de liderança, humanização, respeito, carinho e outras multipotencialidades.
“Não gosto muito da palavra acolher, porque fica a sensação de que a empresa está fazendo um favor, uma caridade. Mulheres mães precisam ter o mesmo tratamento dado aos demais funcionários, acesso às mesmas oportunidades de crescimento na empresa e, somado a isso, a flexibilização que sabemos que a maternidade exige. Ter funcionários com tempo para ter qualidade de vida fora do ambiente de trabalho faz com que eles trabalhem motivados, aumentando inclusive sua produtividade”, encerra.