Diferente daquele praticado por crianças maiores ou adolescentes, o bullying na primeira infância – faixa etária que abrange dos 0 aos 6 anos – é sutil, e por isso não deve ser confundido com alguns comportamentos que são naturais nesta fase.
Mesmo que aconteçam situações constrangedoras, diz a terapeuta Wanessa Moreira, ainda estamos falando sobre crianças que não possuem um real entendimento sobre o significado de suas falas. Na primeira infância, fala a profissional, costumam acontecer mais divergências entre meninos e meninas, e em situações que envolvem disputas de brinquedos ou por atenção. Já crianças mais velhas atuam de maneira mais nociva, compreendem o que dizem, mas possuem certa dificuldade em entender as consequências dos próprios atos.
“Crianças pequenas, que ainda não conseguem verbalizar bem o que sentem, demonstram seus desejos através de algumas atitudes vez ou outra não muito positivas, como bater, morder e prejudicar o amiguinho de qualquer outra forma. Isso não é necessariamente bullying: às vezes a criança só precisa de um tempo para comunicar algo que não vai bem com ela mesma”, pontua Gabriela Luxo, psicóloga, mestre e doutora em distúrbios do desenvolvimento.
O que caracteriza o bullying, de acordo com a psicóloga, então, é o chamado quadro de agressão contínua, com características de perseguição entre agressor e vítima. Diferente de problemas isolados entre crianças, o bullying é repetitivo e exige acompanhamento multidisciplinar.
“A gente tem que se preocupar com o termo bullying, porque ele acaba sendo um rótulo e não significa, necessariamente, que uma criança está perseguindo a outra. Tudo varia de caso a caso”, fala a profissional.
O que leva uma criança pequena a fazer bullying com outra?
Diversos são os fatores que podem levar uma criança pequena a praticar bullying com um colega de escola, mas situações relacionadas à imagem corporal, ao aspecto mental e comportamental podem influenciar e aumentar a frequência ainda na primeira infância.
“Estudos mostram que crianças pequenas apresentam maiores níveis de agressão quando são comparadas umas às outras. Isso acontece porque quando uma criança ainda não sabe como desenvolver, por exemplo, uma atividade, mas é comparada com um colega que já sabe, ela terá um aumento nos níveis de estresse por não saber reagir àquela situação – e pode querer agredir o amigo para se defender daquilo que não sabe como lidar”, exemplifica Wanessa.
Wimer Bottura Junior, médico psiquiatra com especialização infantil pela FMUSP, pontua que muito do que faz com que a criança pratique bullying na escola tem a ver com a maneira com a qual ela é tratada ou educada dentro de casa, seja por estar revoltada com algum conflito que ocorre dentro do ambiente doméstico, seja por ter recebido uma educação que relaciona agressividade com defesa própria, seja por ter sido educada de maneira extremamente passiva, que a impede de colocar limites ou entender que vem sendo agredida.
Tanto o agressor quanto a vítima de bullying precisam de um olhar atento, ou seja, que pais e demais responsáveis deem espaço para que elas sejam ouvidas, reforça Gabriela. Inveja, ciúmes, frustrações, questões internas mal resolvidas e a necessidade de ajuda do adulto, sem saber como pedir por esse auxílio, também podem fazer com que a criança se torne mais agressiva dentro do ambiente escolar.
Atenção para os sinais de alerta!
Alguns sinais podem indicar que a criança está sofrendo bullying na escola, embora a hipótese não deva ser considerada sem que a comunicação existente entre pais e a própria instituição funcione como uma via de mão dupla.
Mesmo assim, lista Wanessa, comportamentos que remetem à apatia, tristeza constante, isolamento voluntário por parte da criança, sensibilidade aflorada, de modo que ela passe a se comportar com mais irritabilidade e chore com mais facilidade devem servir de alerta para pais e professores.
“As crianças que sofrem bullying muitas vezes ficam com medo de serem excluídas das brincadeiras na escola, e começam elas mesmas a promover esse isolamento. Para que não sofram com a exclusão, vão se colocando em situações que fazem com que elas se ‘deem por vencidas’, saindo de jogos e disputas e perdendo a coragem de ousar em brincadeiras em grupo”, exemplifica.
Descobri que meu filho vem sofrendo bullying na escola: o que fazer?
O triângulo formado pelos pais, pela criança e pela escola é fundamental para o bem estar de todos os indivíduos envolvidos, diz Gabriela. Desta forma, a primeira coisa a ser feita ao entender que o pequeno está sofrendo bullying no ambiente escolar, portanto, é comunicar a instituição e, se preciso, pedir ajuda para que a escola tome as medidas cabíveis.
É importante, ainda, diz Wanessa, que os pais procurem o colégio como parceiros que estão a fim de resolver o problema do bullying, e não como culpados que merecem qualquer tipo de punição.
“Esta parceria entre pais e instituição é fundamental para proporcionar uma sensação de segurança para a criança, que deve ser amparada e acolhida. Já a escola vai procurar pelos pais da criança que está fazendo bullying, para que ela seja ensinada a encontrar novas maneiras de lidar com o próprio estresse ou dificuldade de compreender o colega, e possa se comunicar de maneira saudável”, acrescenta.
Para Wimer, porém, esta intervenção feita no ambiente escolar deve ocorrer de forma cuidadosa, já que, em certas ocasiões, diz o médico, o adulto induz o pequeno a agir como vítima.
“A criança pode ser capaz de criar uma história reforçada pela família, de que ela é vítima de bullying. Para que isso não aconteça, é preciso que a família trabalhe com a observação, com a escuta, com a percepção, esquecendo a ideia de que o filho está certo e o outro colega está errado. Pais que interferem demais podem criar problemas que a criança não teria se não houvesse esta intervenção exagerada. Não estou sugerindo o oposto disso, que é a negligência, mas sim que haja muita observação e muita escuta”, opina o psiquiatra, que atenta para o fato de que o bullying infantil não ocorre apenas no ambiente escolar, mas também em outros locais de interação infantil constante, como condomínios.
Pais, anotem: a chave é acolhimento!
Após comunicar a escola, é essencial que a criança que é vítima dos ataques possa contar com apoio psicológico, tanto por meio de profissionais quanto dentro do ambiente familiar.
Diálogo, acolhimento e compreensão sobre os limites do pequeno, fala Wanessa, são fundamentais para fortalecer essa criança, que precisa de ajuda e de muito amor.
“Ela não precisa de pais que saiam agredindo outras pessoas para defendê-la, e ela também não precisa ser diminuída por não saber se defender. Ela precisa de acolhimento, precisa aprender a lidar com as frustrações causadas pelas agressões para, assim, ganhar confiança”, resume.
É preciso estimular que a criança desenvolva a habilidade de se defender, corrobora, Wimer – segundo ele, isso não significa que ela precisa ser vingativa ou agressiva, mas sim permite que ela tenha o direito de incomodar, falando com mais gente sobre o que vem acontecendo.
Gabriela, por outro lado, menciona o quanto é importante olhar não apenas para a criança que sofre bullying, mas também para a que pratica, já que ambas estão em sofrimento por motivos diferentes. Para estas, desenhos, quadros organizacionais ou investimento em objetos nos quais os pequenos possam demonstrar as emoções por meio de ilustrações podem ser recursos que vão estimular com que eles falem e se expressem mais e melhor.
Para lidar com o bullying, ajuda profissional
Para que a criança desenvolva a habilidade de lidar e superar a frustração após ter sofrido com o bullying na escola, e possa assim transformar a experiência da agressão em aprendizado capaz de fortalecê-la ao longo da vida, é importante que ela conte com o acompanhamento profissional, seja psicológico ou psiquiátrico. As terapias, inclusive, vão prevenir que o bullying vire trauma na vida adulta, e muitas vezes devem ser realizadas também pelos pais, que passam a ter um panorama menos pessoal e mais racional da situação.
“Estas crianças precisam passar por esses processos de atenção ainda na infância, e é essencial que os pais não ignorem isso achando que é besteira ou ‘coisa de criança’. É importante não negligenciar o que está acontecendo e buscar ajuda, pois estes problemas da infância podem se transformar em algo ainda maior no futuro. Existem recursos e profissionais acessíveis hoje em dia, para que os pais não deixem de buscar o auxílio necessário”, reforça Gabriela.