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“Antes meu filho dizia que o pai o abandonou, hoje nem fala mais dele”

O abandono paterno é uma realidade presente no Brasil. Neste relato sincero, a mãe Daniela compartilha como enfrenta a maternidade solo de seu filho Rafi.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 8 mar 2022, 16h58 - Publicado em 2 mar 2022, 14h00
Abandono paterno: mães contam como seguraram a maternidade após terem sido deixadas pelos parceiros
 (Daniela Oliva/Arquivo Pessoal)
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De acordo com uma pesquisa de 2020 realizada pela Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC), mais de 80 mil crianças registradas em cartórios brasileiros naquele ano contava somente com o nome da mãe na certidão de nascimento.

O abandono paterno, infelizmente, não é novidade por aqui e, no Brasil, dados coletados no mesmo ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que cerca de 12 milhões de mulheres que são mães são responsáveis por chefiar os lares, sem apoio dos pais.

A realidade da maternidade solo não é fácil e, muitas vezes, vem acompanhada por conflitos e desafios de toda sorte. É isso que conta Daniela Oliva Roma, mãe de Rafi, de 8 anos. Hoje consciente de que seu relacionamento com o ex-parceiro era tóxico, a relações públicas divide com honestidade, as dificuldades e os aprendizados envolvidos em criar um filho por conta própria.

“Como mãe solo, aprendi que as tomadas de decisões perante a criança são minhas, não há divisão, não tem como ele ir chorar para o pai ou vice-versa. Há um respeito maior quando comparado às famílias tradicionais, nas quais geralmente um sempre faz mais do que o outro, e a criança vai ganhando do lado que pode”, opina ela e completa: “Para outras mães que estejam passando pelo que vivi eu diria que, por mais que tudo esteja sendo difícil, vai dar certo“.

Confira o relato na íntegra: 

Abandono paterno: mães contam como seguraram a maternidade após terem sido deixadas pelos parceiros

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Sozinha na criação do filho, mesmo casada

“Eu não sabia, mas na época em que engravidei eu vivia um relacionamento emocionalmente abusivo, e só fui perceber isso anos mais tarde. Eu não queria mais estar naquela relação, não tinha mais prazer em fazer sexo, e até a minha mãe veio conversar comigo, quando isso aconteceu, dizendo que era uma fase – aquela coisa toda que gente mais velha que curte viver de aparências fala.

O meu filho foi gerado após eu transar durante 30 dias direto com o meu ex ejaculando dentro de mim. Até hoje eu faço terapia para tratar disso. Quando descobri a gravidez fiquei muito feliz, mas ao mesmo tempo ela foi uma fuga para mim, que vivi a gestação intensamente. Fui uma grávida feliz, realizada e disposta a gestar, pois não sabia dos problemas da minha relação na época e, para mim, estava tudo ‘ok’.

O nascimento do Rafi foi incrível, os primeiros meses também, mas quando ele estava para completar 4 meses ele teve bronquiolite, e ficou no hospital por 9 dias, fazendo fisioterapia pulmonar, além do atendimento em casa. Foi tenso, mas sobrevivemos.

Naquela época, meu ex-marido trabalhava como motorista de caminhão e quase não parava em casa. Ele não me deu apoio nenhum durante a internação do bebê, então eu realmente foquei na maternidade, até porque já não sentia mais nenhum tipo de atração por ele.

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Meu filho tinha dois anos e meio quando eu pedi o divórcio, o que aconteceu quando eu descobri inúmeras mentiras que, quem sabe sobre (amigos próximos e familiares), diz que estou perdendo tempo e dinheiro em não transformar a história em livro e dar palestras. Fui paciente, eu mesma consegui um advogado para que tudo pudesse acontecer.

Deixava o pai do Rafi vê-lo com frequência, ele até que era presente, mas sempre usava de saídas e presentes exorbitantes só para postar foto nas redes sociais, pois passava longe de ajudar nos custos do dia a dia da criança”.

O pai sumiu no dia do aniversário do Rafi

“Há quem diga que eu deveria colocá-lo na cadeia, mas cada um sabe sobre sua história e, para mim, quanto menos ele der sinal de vida, melhor para o psicológico e saúde do meu filho. O Rafi, por conta disso, sofre com intestino preso e, até hoje, com 8 anos, tem um quadro que se arrasta por mais de um ano. Às vezes ele acaba evacuando na calça, na cueca e no que estiver vestindo, porque não quer ir ao banheiro. A pediatra dele e a psicóloga acompanham o problema juntas, o que é um desgaste muito grande para mim como mãe solo.

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Eu não trabalhava fora quando me separei. Tinha um blog de beleza que, para mim, era uma fuga, e eu sempre gostei de socializar. Assim que me divorciei, consegui um emprego em uma loja, pelo qual sou grata até hoje. Foi lá que desenvolvi o que sou, e com a proprietária da loja fazia sessões de hipnoterapia, o que me fez sentir uma espécie de libertação: foram tantos conceitos e formas de vida que me aprisionaram por tantos anos, que só percebi depois.

Meu filho e o pai dele não se veem desde a semana do Dia dos Pais de 2019. O pai dele é muito instável, começou a se envolver com pessoas ‘estranhas’, com drogas, e aparecia para demonstrar interesse e querer se aproximar em troca de favores e empréstimo de dinheiro. Quando comecei a negar, ele sumiu de vez e, pior ainda, no dia do aniversário do meu filho, que ficou arrasado.

Há alguns meses ele voltou a entrar em contato, mas a pediatra e a psicóloga não o liberaram para visitar o Rafi, o que eu concordo: se isso acontecer, ele vai sumir novamente, como já ocorreu, então é melhor ficar longe”.

Abandono paterno: mães contam como seguraram a maternidade após terem sido deixadas pelos parceiros
(Daniela Oliva/Arquivo Pessoal)

Procurar ajuda profissional é fundamental!

“O Rafi sofreu e ainda deve sofrer, há o problema emocional do cocô, mas sinto que existe uma melhora significativa de consciência da parte dele. Antes ele chegava para qualquer pessoa e dizia que o pai o havia abandonado, hoje em dia ele nem fala do pai.

Além do meu filho, eu também faço terapia. Para mim é importante para não surtar muito e, para ele, que é ansioso e tem as outras questões, é importante entender ou tentar compreender como ele aceita as informações, como coloca para fora as emoções, ou não. Nós temos uma liberdade incrível para falar sobre qualquer assunto, mas ele me preocupa um pouco em alguns traços parecidos com o pai. Por isso, conversar com profissionais nunca é demais, é melhor prevenir.

O emocional do meu filho foi e está abalado, mas ele já consegue identificar primo e avô como pais secundários, o que é um caminho mais fácil. Mas o Rafi é superautêntico, para ele é fácil fazer novas amizades, e ele é seguro, porque eu passo essa segurança a ele”.

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Mãe solo, não se anule!

“Sei que isso é comum, mas eu não anulei a minha vida por um filho. Acredito que alguns homens acham que, quando se tem filhos, acabaram para sempre os momentos de lazer, namoro, farras, etc. Eles se distanciam das responsabilidades do dia a dia, da educação, do amor diário, do estresse, das brigas, e depois fica tudo bem.

“O trabalho de formiguinha que a parentalidade exige não é bem visto pela cultura da sociedade destinada aos homens, que querem as coisas prontas, fáceis de modelar e aplicar, que não deem trabalho”.

Daniela Oliva Roma, mãe de Rafi

A mulher carrega nas costas algo que muitas vezes é passado de mãe para filha, como se a maternidade toda, a responsabilidade maior, o cuidado com a casa devessem ficar por conta dela. Mesmo hoje em dia, aos poucos, isso vem tomando rumos e perspectivas diferentes, mas acredito que o conceito é cultural, e atrapalhou muito na formação desses homens.

Abandono paterno: mães contam como seguraram a maternidade após terem sido deixadas pelos parceiros
(Daniela Oliva/Arquivo Pessoal)

Como mãe solo, aprendi que as tomadas de decisões perante a criança são minhas, não há divisão, não tem como a criança ir chorar para o pai fazendo birra ou vice-versa. Há um respeito maior quando comparado a famílias tradicionais, nas quais geralmente um sempre faz mais do que o outro, e a criança vai ganhando do lado que pode.

Para outras mães que estão passando pelo que vivi eu diria que, por mais que tudo esteja sendo difícil, vai dar certo. Evite ouvir conselhos de terceiros, porque se alguém quer o nosso bem eles oferecem auxílio naturalmente, sem cobrar depois e fazer jogos emocionais. Há vários tipos de ‘apoio’ com direcionamento contra a sua vontade quando se está nessa situação, mas apoiar deveria ser aceitar a escolha da mãe.

A mulher que é mãe solo não deve se anular, esquecer da própria vida porque tem um filho sem o pai por perto. Eu saio, trabalho, construí algumas coisas sozinha e tenho muito mais para alcançar. Pago convênio, escola, contas fixas e, se alguém me oferecer algo, eu aceito. Mas já aviso: nada de jogar na cara depois, hein?”.

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