Alienação parental: entenda o que é e como prejudica as crianças
No meio das atitudes maldosas de adultos, os pequenos são os que mais sofrem – e as consequências podem surgir em curto, médio e longo prazo
Quando um casal se separa de forma pouco amistosa ou, mesmo vivendo junto, não se dá muito bem, não é raro que usem os filhos como intermediários do que não está resolvido emocionalmente. “O comportamento padrão inicial desse pai ou dessa mãe é tentar ‘programar’ as crianças para não gostarem mais da outra parte. Este é o princípio da Síndrome da Alienação Parental”, explica a psicóloga clínica Rosa Schneider.
Os passos seguintes, segundo ela, são inventar elementos para que as crianças tenham medo da mãe ou do pai que está “do lado de lá”, promover a transferência do afeto para outra pessoa – uma nova companheira ou um novo companheiro – e até tentar o distanciamento físico entre o pequeno e o outro adulto dessa disputa.
É uma covardia sem tamanho, mais negativa para os filhos do que para os adultos. “As crianças são a parte mais frágil de qualquer relação. Manipular sentimentos e comportamentos dessa maneira tem consequências para o resto da vida”, afirma a psicanalista Cristiane M. Maluf Martin.
Consequências da alienação parental
A partir do momento em que a manipulação começa a ser mais intensa, a criança de alguma forma apresenta reações. Rosa nota, nos casos que atende, que a dúvida e a desorientação são as primeiras a se manifestar. “É difícil, para um ser ainda tão inexperiente, perceber que mentiras estão sendo colocadas em jogo. Como pode o pai ou a mãe que é tão amoroso com ela ser o monstro que está sendo pintado? Além disso, a criança tem tanto o pai quanto a mãe como referências. É complicado quebrar uma referência por causa do que a outra diz sem que haja alguma sequela psicológica.”
E então começam a aparecer os sintomas da Síndrome da Alienação Parental. “Cai a autoestima, aumenta a agressividade ou a tristeza. O rendimento escolar também fica comprometido e a criança pode até entrar em depressão, desenvolver ansiedade e síndrome do pânico”, lista Cristiane. “Tudo por ela não saber como agir diante da tortura psicológica que está sofrendo.”
As especialistas contam que, em médio prazo, na chegada à adolescência, esses filhos correm um risco mais elevado de recorrerem ao álcool e às drogas, em uma tentativa de aliviar a culpa e a dor que sentem pelo mal-estar entre os pais. E, em longo prazo, tendem a ter dificuldades para manter relacionamentos afetivos estáveis e felizes.
A partir de quando uma criança pode ser alienada?
Não existe fórmula matemática no que diz respeito às emoções, mas Rosa e Cristiane consideram a idade entre 4 e 5 anos o ponto inicial para uma criança ser influenciável nas artimanhas da alienação parental. “Antes disso, ela se enxerga como o centro do universo e não assimila nenhum tipo de ‘picuinha’”, diz Rosa.
O que pode ocorrer com os bebês e as crianças mais novinhas, explica Cristiane, é uma transferência de afeto decorrente de distanciamento físico: “A criança tem necessidade de se apoiar em figuras afetivas. Então, se um pai ou uma mãe afasta fisicamente a criança de 2 ou 3 anos do outro, é natural que ela procure alguém para direcionar seus sentimentos. Um novo companheiro ou uma nova companheira ocupa o lugar do pai ou da mãe afastado. É instintivo, não chega a ser uma reação ao que um falou sobre o outro.”
O que diz a lei sobre alienação parental
Para a lei, a questão é bem mais direta. “Qualquer interferência no sentido de afastar a criança ou o adolescente da convivência familiar com pai ou mãe ou de prejudicar sua formação psicológica com base na destruição da imagem ou referência que ela tenha do pai ou da mãe é alienação parental. Aqui estamos falando dos indivíduos de até 18 anos, que têm proteção integral garantida pela Constituição”, explica o juiz de Direito e especialista em Direito Civil Julio Ballerini, professor da ESD (Escola de Direito da Unità Faculdade).
Aos olhos do direito, a alienação parental é dolosa, ou seja, praticada com a intenção de causar danos. Entre as atitudes mais comuns, Julio cita:
- Campanha de desqualificação do pai ou da mãe (plantando a semente da discórdia na criança);
- Criação de empecilhos para o contato com a criança (por exemplo: todo sábado é dia de o pai ficar com o filho, então a mãe o matricula na natação aos sábados, o que diminui o tempo junto dos dois);
- Omissão de informações (não falar sobre ou negar informações sobre notas e comportamento na escola, entre outros);
- Mudança de domicílio da criança sem justificativa e sem comunicação à outra parte;
- Desautorizar o pai ou a mãe com a intenção de desmoralização;
- Criticar a situação financeira do pai ou da mãe (alegando que a criança estaria melhor se mudasse de casa).
“Mas a lei é aberta”, diz o juiz. “Tudo depende das provas de intenção, mesmo que seja algo fora do comum.”
Punições para quem pratica alienação parental
Quando o pai ou a mãe percebe que a criança está sendo vítima de alienação parental e recorre à Justiça para reverter esse quadro, algumas medidas são tomadas. Primeiro, tenta-se fazer um acordo. “Uma advertência simples costuma ser a medida inicial. O juiz chama o alienador e, na presença de um psicólogo, explica por que isso é errado, as consequências que pode ter para o psicológico da criança e para ele, o adulto, em termos legais”, conta Julio.
Caso isso não surta efeito e haja reincidência ou aumento na gravidade da alienação parental, vêm outras consequências. O período de convívio com a criança é revisto, a guarda pode ser invertida e também é aplicada uma multa, que vai para os cofres públicos. Entretanto, o alienador não pode mais ter sua autoridade parental suspensa, ou seja, ele não corre o risco de perder o direito de estar com a criança. Isso foi mudado quando o então presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.340, de 18 de maio de 2022, que alterava a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010. Vale ressaltar, porém, que permanecem ressalvados casos em que há risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança.
Para chegar a esse ponto, é preciso que a parte alienada tenha provas do que está acontecendo. Gravações de conversas sobre a criança – não grampos para captar conversas de terceiros, porque eles são ilegais, mas gravações em que a alienada faça parte da conversa –, e-mails e trocas de mensagens por aplicativos podem entrar na documentação.
Mas Julio pondera que, no melhor dos mundos, isso não deve acontecer. “É extremamente desgastante para a criança ter que falar em juízo sobre o pai ou a mãe que está agindo de forma errada. Os prejuízos psicológicos da judicialização do relacionamento dos pais com os filhos são enormes.”
Na opinião do juiz, e também das psicólogas, o ideal é que os adultos tenham maturidade para lidar com seus sentimentos e deixem os pequenos fora disso. Todos sairão ganhando. Principalmente as crianças.