Tudo bem meu filho não voltar agora para a escola? Especialistas respondem
Entenda os prós e os contras de manter os filhos apenas com aulas online enquanto não houver uma vacina contra o Covid-19.
Ao receber pelo app da escola particular em que o filho Caio, de 5 anos, estuda uma pesquisa de intenção de retorno às aulas presenciais durante a pandemia, a bancária Marina Leme não teve dúvida e enviou a opção “NÃO” como resposta no mesmo minuto. Conversando com as mães das outras 14 crianças da sala do pequeno, soube que apenas três haviam indicado que adeririam a uma volta à escola quando protocolos sanitários estivessem em vigor.
Quando a escola reabriu as portas, as intenções se confirmaram na prática: Marina conta que 12 crianças – incluindo seu filho – permanecem nas aulas online, enquanto aquelas três têm aulas presenciais. “Nosso sentimento é medo. Durante as aulas, as crianças vivem com viroses. Como a escola vai conseguir controlar o Covid? É um vírus como qualquer outro desses que elas trazem da escola. Enquanto não tiver vacina, continuamos com as aulas online”, diz.
Ainda é cedo?
A amostragem da turma do Infantil I dessa escola de Campinas (SP) é condizente com números de pesquisas que vêm sendo realizadas em todo o mundo desde meados de maio, quando ficou claro que a pandemia duraria mais do que o imaginado inicialmente. As porcentagens de rejeição ao retorno às salas de aula físicas oscilam sempre entre 70% e 80%. Mesmo com a adoção de protocolos de segurança, essas crianças tendem a continuar nas aulas pela tela do computador até haver vacinação para todos.
A preservação da saúde dos pequenos e dos que vivem com eles – “Muitos têm avós ou pessoas de grupos de risco morando com a família, não dá para arriscar levar o vírus para casa”, pondera Marina – é um motivo mais do que justo para mães e pais se preocuparem. Mas, como em tudo na vida, optar por não voltar à escola presencialmente tem vantagens e desvantagens, mesmo para as crianças que ainda estão na primeira infância (até 6 anos).
Conversamos com o psicólogo e pedagogo Lucas Fonseca, do Grupo Educacional Faveni, e com a psicopedagoga Esther Cristina Pereira, da Escola Atuação, para saber os prós e os contras de permanecer nas aulas online enquanto as escolas colocam em prática a volta gradativa ao presencial.
Acolher os medos, mas não transmiti-los para as crianças
Em primeiro lugar, é imprescindível entender que está tudo bem em sentir medo – afinal, este é um sentimento humano bem comum. “Devemos sempre aceitar, acolher e assumir nossas decisões e responsabilidades. Não querer mandar as crianças para a escola é uma das possibilidades ao exercer o papel de mãe e de pai neste momento”, afirma Lucas.
O pedagogo observa que muitos pais se sentem confusos, embora decididos, porque fazer uma escolha dessa magnitude é algo inédito em nossa geração. O normal, sem pandemia, é simplesmente as crianças irem para a escola, fazerem suas tarefas de casa, terem férias; não há necessidade de nenhuma decisão nessa rotina.
“Por isso, sempre aconselho que os adultos não se julguem. Não existe certo ou errado, existem padrões mais adequados para cada família”, diz.
Ele atenta apenas para o fato de que mães e pais devem manter um canal de comunicação com as crianças e explicar o que está acontecendo: “Elas têm que saber que a escola existe e está no mesmo lugar, mas que neste momento de pandemia a família opta por mantê-las em casa, aprendendo em outro ritmo, no computador ou brincando. E elas precisam sentir segurança, e não medo. No futuro, elas lembrarão da pandemia como o tempo em que mais estiveram em contato com os pais na vida”
A importância da sociabilização na primeira infância
Por outro lado, Esther Cristina salienta a falta que o encontro com os amiguinhos e com os professores faz para as crianças em início de vida escolar.
“Muitos pais se questionam por que levar uma criança de 4 ou 5 anos à escola agora, o que ela vai aprender nestes dois meses. Vamos deixar o pedagógico em segundo plano: é o emocional o foco aqui”, afirma. Ela continua: “A questão da sociabilização é importante nesta idade. É com os colegas que ela aprende a brincar e a dividir, é a escola que dá um espaço delimitador para a disciplina e o saber esperar, o que em casa nem sempre é possível.”
Segundo a psicopedagoga, há relatos de pediatras que indicam que a falta de ir à escola tem causado problemas emocionais que demandam a prescrição de medicamentos. “É importante fazer essa conta: está resguardando agora, mas vai precisar fazer um resgate emocional com ajuda médica depois?”, questiona.
Quer fazer um esforço para voltar à rotina escolar? É possível!
Sentir medo está longe de significar que ele estará presente para sempre em sua vida: medos podem ser superados. Pedimos aos especialistas dicas para quem está em um momento de medo e quer tentar se adaptar, ainda que aos poucos, à nova rotina das escolas. Se é seu caso ou você quer ajudar alguém que esteja passando por isso, confira:
– Não se compare a outras mães ou outros pais: Parte de ser mãe e pai é se posicionar diante de escolhas difíceis, e esta certamente é uma delas. Não faça nada movida ou movido por atitudes de familiares ou amigos; todas as mudanças ocorridas em sua família devem ser motivadas pelos interesses dos integrantes de seu núcleo familiar.
– Entenda que a vida já mudou: Preparar-se para mais esta etapa implica na compreensão de que a vida já mudou. Máscaras de proteção facial já fazem parte da rotina, assim como o álcool em gel. Não nos aproximamos das pessoas nas filas dos supermercados. Nada é como antes de março de 2020. Adaptações das escolas são parte deste movimento, e talvez sejam necessárias por muito tempo.
– Vá à escola (sem as crianças): Talvez parte de seu medo esteja no fato de não ter visto pessoalmente a prática dos protocolos de segurança e higiene. Marque um horário com a direção ou a coordenação, peça para ver (discretamente) a dinâmica das crianças que estão em aulas presenciais. O afago da escola pode acalmar seu coração.
– Prepare seus filhos para um possível retorno: As crianças precisam estar a par quando você considerar a volta às aulas presenciais uma possibilidade. Converse com seus filhos, explique que existe uma chance de outras crianças estarem em outro ritmo, por terem voltado antes, e que não há problema nenhum nisso. O tempo de cada criança deve ser respeitado; isso vale desde o “antigo normal”, e mais ainda agora. E se precisar de uma ajudinha, montamos os pontos principais para nortear esta conversa!