Entenda os sinais da superdotação em crianças pequenas
As altas habilidades podem ser associadas tanto a inteligência escolar quanto criatividade e capacidade de liderança acima das expectativas para idade.
“Atualmente, com quatro anos, o Filippo tornou-se bilíngue sozinho, sem nunca ter ido à escola, e faz as quatro operações matemáticas”. Esta é uma das histórias da mãe Roberta Castro, de 41 anos, sobre o primogênito que está próximo de receber o laudo conclusivo de superdotação, com as habilidades que são os seus pontos fortes – como o raciocínio lógico e a paixão pelo idioma estrangeiro – e as áreas que precisam ser olhadas com cuidado, em um acompanhamento multidisciplinar.
Diferente do que se pensava antigamente, de que a superdotação seria apenas uma pessoa com extrema inteligência, a evolução científica consegue classificar e reconhecer dois tipos de altas habilidades. “A primeira é a escolar, a qual as pessoas popularmente conhecem, com indivíduos que tiram notas muito boas e estão sempre a frente do que é ensinado na sala de aula. A segunda é a superdotação criativo-produtiva, com pessoas que se destacam pela criatividade, produção, por ter um comportamento mais questionador e geralmente muita capacidade de liderança”, explica a neuropediatra Flávia Cristina de Lima, mestre em Neurologia Infantil pela UNIFESP, da clínica Care Materno Infantil.
Assim como aconteceu com Roberta, pais e profissionais tendem a suspeitar e investigar o quadro de superdotação pelo destaque que a criança apresente em áreas específicas. A neuropsicóloga Milena Fernandes Mata, pós-graduada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, cita que crianças com altas habilidades tendem a gostar do que envolve raciocínio lógico e têm uma facilidade verbal mais avançada do que o esperado já a partir do primeiro ano. “Elas possuem uma capacidade superior de manter diálogos, contar histórias e narrar acontecimentos do dia”, exemplifica a especialista.
Junto a isso, como explica o psicólogo clínico e escolar, Damião Silva, especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Altas Habilidades, a superdotação tende a também adiantar o desenvolvimento motor da criança, fazendo com que ela engatinhe ou até mesmo ande antes do tempo esperado.
Por que o diagnóstico da superdotação é necessário
Com estes marcos de desenvolvimento avançados tão latentes, Roberta conversou com a pediatra de Filippo que, por sua vez, recomendou que ele iniciasse um acompanhamento multiprofissional para o diagnóstico da superdotação. Este processo mostra-se necessário para que, assim como aconteceu com a profissional de relações públicas, os pais consigam entender quais são os pontos fortes e os que precisam de mais incentivo no desenvolvimento.
“É importante que se tenha o acompanhamento médico, as entrevistas com os pais para entender questões de neurodesenvolvimento e a avaliação neuropsicológica para medir o coeficiente intelectual da criança e, com ele, entender quais áreas estão mais prejudicadas e precisam de mais atenção“, esclarece Milena.
É também indispensável que uma avaliação pedagógica seja realizada para entender também como está o processo acadêmico infantil, assim os pais junto a escola são capazes de fazerem as adaptações necessárias às demandas do pequeno. Roberta, por exemplo, explicou que seu filho iniciará o ano letivo em uma instituição bilíngue por ser entusiasta do inglês e as atividades em outro idioma engajarem sua atenção.
Os desafios de ter altas habilidades
Conseguir reconhecer os pontos fortes e os que precisam de mais atenção das crianças superdotadas ajuda a fazer com que os percalços enfrentados por elas diminuam. Por exemplo, ainda existe o estigma de que ter altas habilidades significa que o pequeno é um gênio incontestável e isso não é verdade.
“Há um mito na sociedade de que o superdotado não precisa de ajuda ou apoio. Mas temos sempre que lembrar que quem está fora da curva para mais, ou para menos, precisa de suporte”, defende Damião. E para as crianças com altas habilidades, esse reforço precisa acontecer principalmente diante das habilidades sociais.
“Um dos sentimentos mais comuns para crianças que têm um quadro de superdotação ou altas habilidades é o de não pertencimento”, explica a neuropsicóloga. Isso pode fazer com que elas se isolem no momento de realizar atividades escolares e prefiram contato com pessoas mais velhas.
“O Filippo gosta de brincar com outras crianças, mas tem uma preferência maior para as que ele já lida. E um fato curioso é que, normalmente, esses colegas que ele tem mais facilidade para fazer as brincadeiras de raciocínio lógico são mais velhos”, comenta Roberta.
Também é possível que o pequeno superdotado tenha o costume de ser elogiado com frequência, com tendência ao perfeccionismo e viva situações de frustração por isso. “Podem ser crianças também que se sabotam, escondendo as suas reais habilidades, para se inserirem socialmente em um ambiente escolar”, exemplifica Flávia.
Assim, Milena cita que o acompanhamento profissional é importante para que a criança aprenda desde interpretar sinais não verbais, reconhecendo a subjetividade que a cerca, como ser assertiva na sua fala e conseguir flexibilizar seu comportamento diante de situações desafiadoras.
Na escola: acompanhamento atento
Junto com a busca que acontece por parte dos pais, é fundamental que as instituições de ensino estejam preparadas para receberem crianças superdotadas. “Elas devem ser inseridas no programa de educação especial, no qual ele é regido pela lei de diretrizes e bases educacionais. Tem que ser instituído um núcleo que vai atuar individualmente com cada aluno, juntamente com o professor e a família, a fim de desenvolver o maior potencial possível daquela criança”, detalha a neuropediatra.
Só que para isso acontecer, como enfatiza Damião, é importante que tanto educadores quanto profissionais de saúde estejam preparados para fazerem a intermediação correta dos superdotados com o ambiente e seus pares, a fim de que a escola não seja um ambiente desafiador para eles, mas de acolhimento e aprendizado de potentes habilidades sociais.
“São crianças que aprendem de maneira diferente. Elas têm um pensamento divergente dominante, ou seja, aprendem muito rápido e se entendiam com facilidade se as circunstâncias não acontecerem da forma que estão esperando. Só que, mais uma vez, não é algo que elas estão esperando conscientemente, é reflexo de uma forma atípica do funcionamento cerebral”, esclarece o psicólogo.
Para tentar contornar a situação, pais e professores podem recorrer ao pedido de adiantamento do ano letivo, fazendo com que a criança avance a série, só que é necessário atenção ao optar por essa alternativa. “É preciso avaliar porque pode haver um prejuízo socioemocional para a criança, além da sua capacidade cognitiva em que ela tende a estar em outra série, mas precisa de ajustes”, reforça a neuropediatra.