Como lidar com as perguntas difíceis feitas pelas crianças?
As questões estão relacionadas ao desenvolvimento mental e emocional dos pequenos e a atitude dos pais ao responder é importante
“Por que o céu azul?”, “de onde vêm os bebês?”, “por que a vovó não voltou mais?”. Conforme as crianças vão crescendo, e a vida vai acontecendo, responder às (muitas) perguntas dos pequenos fica cada vez mais complicado.
A boa notícia é que a atitude ao ouvir e responder é muitas vezes mais importante do que a resposta em si. Para tranquilizar os papais e mamães aflitos, conversamos com especialistas em saúde mental dos pequenos e tiramos dúvidas sobre esses questionamentos.
Por que elas perguntam tanto?
Imagine chegar a um lugar e ver tanta coisa nova ao mesmo tempo. Pode ser bastante confuso, não é? Quando não sabemos exatamente como e porque as coisas acontecem e nem nos acostumamos com elas, o normal é perguntar, não?
“Mesmo antes da fala, as crianças demonstram curiosidade com relação às coisas que estão ao seu redor, mas a forma de comunicação é diferente. Como não usam a linguagem verbal, tendem a querer tocar em tudo que veem, levam grande parte dos objetos à boca e estão sempre atentas aos sons e barulhos”, considera a psiquiatra Jaqueline Bifano, especializada em transtornos do neurodesenvolvimento infantil.
Em um primeiro momento o pequeno vai focar muito mais em si mesmo e na diferenciação entre ele e o meio. Isso entendido, começam as dúvidas sobre como tudo isso funciona. “Essas novas descobertas e a vontade de entender o que estão vivendo é que gera tantos questionamentos. As perguntas não acontecem do nada. Elas têm contexto com aquilo que elas veem, ouvem e assistem”, considera a especialista.
A psicóloga e psicanalista Raquel Baldo, especializada em perdas e lutos, relação mãe e filho, relações amorosas e angústias geradas pelo meio, conta que esses questionamento são uma forma de a criança explorar sua existência no mundo e refletem as sensações que elas possuem sobre isso. “São todas relações que elas usarão mais tarde na vida adulta, para viver em sociedade: como se encaixar, como se impor, como obedecer, como argumentar, como questionar as coisas”, descreve a especialista. Ou seja, não dá para responder de qualquer jeito, né?
Antes de falar, que tal ouvir?
A forma como os pais respondem é muito importante, já que a atenção dada também é uma resposta e esses sentimentos. “Uma criança que, quando pergunta, sente que não prestam atenção nela e não exploram com ela o que ela está realmente querendo saber com aquela pergunta, tende a se sentir reprimida em relação ao meio”, elucida Baldo.
E isso pode levar a duas reações: tristeza ou raiva. No primeiro caso, ela se sentirá desmerecida e entristecida e pode simplesmente parar de questionar. No segundo, ela pode ter explosões e impulsos e pode reagir com agressividade.
“Uma criança que é ouvida, olhada e ganha atenção em suas perguntas – talvez que até ganhe uma parceria desses adultos para ajudá-la nessas questões – tende a crescer a capacidade dela de raciocínio e de pertencimento no mundo, então o emocional dela tende a apresentar mais segurança sobre ela ser ela mesma”, completa a psicóloga.
Será que ela ainda não é muito nova para saber isso?
Algumas perguntas podem deixar os pais constrangidos, até porque vivemos em uma sociedade em que muitos temas são um tabu. Mas nesses casos, o conselho é justamente ouvir o que a criança está dizendo. “Normalmente em sua linguagem infantil a criança mostra até que ponto ela entende ou não. Por exemplo, quando ela pergunta sobre de onde vem os bebês, ela não está falando sobre o sexo, mesmo que a resposta que passe por nossa cabeça envolva esse ato. Ela está falando sobre o corpo e a capacidade de gerar uma vida”, exemplifica Baldo.
Ela dá como exemplo uma história em que uma menina de cerca de cinco anos perguntou sobre isso a mãe, que começou a explicar sobre a sementinha, mas morrendo de medo de onde essa conversa iria parar. “Em dado momento a própria criança completou: “ah, entendi, mamãe tem uma semente, papai tem uma semente, eles estão pelados e dão um abraço e a sementinha sai do umbigo dele e vai pro umbigo da mamãe’”, narra a especialista.
“Nessa situação ela não está falando de sexo, mas mostrando que entende que o corpo gera vidas e para isso é preciso unir dois corpos de alguma forma. Então ela usa a linguagem dela, que é infantil, e mostra onde ela está e que não precisa sair disso. Está tudo resolvido”, tranquiliza.
O mais importante, nesses casos, é não fantasiar demais. “As respostas lúdicas ou irreais também tendem a ser falhas. Uma criança não precisa saber nos mínimos detalhes a respeito do que está sendo perguntado, até porque seu conhecimento sobre determinado tema é raso. Mas ela precisa que seu questionamento seja respondido com a verdade”, alerta Bifano, que não é muito fã da resposta com a sementinha.
Cuidado com a metáfora
Bifano traz à tona como crianças que são expostas a respostas muito fantasiosas terão dificuldade em aprender mais tarde que os conceitos reais por trás da metáfora. Quando você diz que uma pessoa que morreu virou uma estrelinha, por exemplo, você está contrariando um conceito que ela aprenderá na escola mais para frente. “Elas têm de entender que estrelas são corpos celestes que têm luz própria e não pessoas que morreram. Tem a ver com ciência e não com espiritualidade”, considera a especialista.
Mas é claro que é possível continuar com a religiosidade da explicação, dizendo por exemplo que a pessoa foi para junto de Deus, se é isso que sua família acredita. “Uma boa forma de abordar o tema é explicando que tudo que é vivo, um dia morre”, considera.
Mentir que a pessoa foi viajar e não vai mais voltar também pode ser ruim, já que faz o pequeno associar viagens a um não retorno, o que pode ocasionar traumas relacionados a um evento tão corriqueiro.
“Porque sim não é resposta!”
Levando em conta a importância da disponibilidade em ouvir a criança, lançar mão do “porque sim” e do “porque não” é um caminho perigoso. “Se uma criança está fazendo um questionamento, é porque deseja saber mais sobre o assunto. O ‘sim’ ou o ‘não’, apenas, podem fazer com que a criança pare de ter interesse em perguntar as coisas”, argumenta a psiquiatra.
Além disso, está havendo o encerramento de um diálogo que ainda nem começou, o que leva a criança àquele lugar em que ela não é acolhida, ouvida ou incluída, como já falou Baldo. “Claro que em algumas situações os pais podem estar irritados ou tentando falar de limites e então eles vão usar ‘porque sim’ ou ‘porque eu falei que não é para você fazer isso’, mas o ideal é que seja explicada a real situação: ‘não quero que você faça isso porque pode quebrar, machucar, etc.’”, considera a psicóloga.
Com isso, incluindo a criança no processo e nas explicações, teremos seres humanos psiquicamente mais saudáveis, emocionalmente mais estáveis e com muito mais capacidade de construir, de se relacionar, de gerar coisas boas e construtivas para a vida deles e para o mundo, como explica Baldo. “Antigamente havia uma cultura que gerava pessoas prontas para apenas obedecer e acatar”, finaliza.
Mas e se eu realmente não sei como responder?
Nesse caso, seja honesto e diga que não sabe. “Os adultos não são obrigados a saber tudo. Assim como as perguntas devem ser respondidas com sinceridade, aqueles questionamentos que geram dúvidas também”, ensina Bifano.
Mas não pare por aí, uma boa forma de estimular um vínculo entre você e seu filho, além de manter viva a curiosidade, é mostrar que você compartilha isso com ele e vai procurar. Dependendo do tema, você pode até convidá-lo a buscar a resposta com você. “O pai e a mãe que assumem o não saber tem uma possibilidade grande de ensinar ao filho que está tudo bem ele não saber também. E quando a gente não conhece algo, a gente faz o quê? Vai atrás da resposta!”, estimula Baldo.
Ela explica que isso trará um grande alívio ao pequeno, que entenderá que ele não precisa ter todas as respostas ou saber mais do que ninguém, ele pode ir atrás do que precisa e do que desconhece. Ou seja, pode ser uma boa oportunidade para usar as perguntas como uma forma de trazer não só conhecimento, mas segurança e repertório social para as crianças serem adultos curiosos e saudáveis mental e emocionalmente.