No segundo ano consecutivo da pandemia causada pela covid-19, famílias continuam sentindo as consequências do vírus que vão além do medo de ser infectado. Muitos pais e mães enfrentam a dura crise financeira por terem perdido seus empregos ou tido o salário reduzido, enquanto que os preços de serviços básicos seguem aumentando. Neste cenário, é natural que conversas sobre finanças e tensões causadas pela falta de dinheiro façam parte da rotina de muitas casas e possam soar confusas para as crianças.
É neste momento delicado que somos lembrados de que os pequenos não são meros espectadores e precisam fazer parte dos diálogos familiares, inclusive no âmbito financeiro, afinal, também moram neste lar. Para isso, Gabriela Malzyner, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, explica que o primeiro passo a ser dado pelos responsáveis é acalmar os ânimos, estabelecer entre si o que está acontecendo e, então, levar a conversa para os filhos.
A criança não pode ser culpada pela situação
Como pontua Fernanda Teles, educadora parental, este diálogo honesto com crianças pequenas sobre a crise financeira é necessário para que elas não se culpem pelo cenário turbulento observado em casa, já que são capazes de absorver o que está acontecendo independente de já estarem na fase verbal ou não.
“Se a criança não é envolvida nas questões financeiras da família, ela vai começar a interpretar essa angústia como ‘meus pais não me amam’ ou ‘está acontecendo algo de errado na minha casa, deve ser comigo'”, exemplifica Fernanda. Isso pode levá-la a desenvolver respostas emocionais, como crises de ansiedade ou de revolta, sem que os adultos entendam o porquê.
A educadora parental também pontua que os pequenos não podem ser culpados pela dificuldade financeira para que não se sintam responsáveis pela crise enfrentada pela família e consequentemente não desenvolvam uma relação turbulenta com o dinheiro em si.
Por exemplo, se os pais optarem por comprar algo que o filho quer mesmo estando com a grana mais curta, é injusto que eles digam, em um momento de nervoso, que não podem comer um lanche em família porque compraram o que o pequeno queria.
“A criança precisa saber dos acontecimentos, se preparar e ajudar, mas ela não pode sentir-se responsável pelas finanças e muito menos entender que ela é um gasto”, enfatiza Fernanda.
Quando e como conversar com os filhos sobre finanças
Ainda que dinheiro pareça um assunto que deve ser falado apenas por adultos, capazes de entender seu valor real e subjetivo, Fernanda pontua que a primeira infância já é um período indicado para apresentar o tema às crianças. Inclusive, se for possível fazer isso antes de uma situação delicada, melhor ainda.
“O tema financeiro não deve ser falado somente diante de uma crise, porque acabamos ensinando aos filhos que eles devem agir apenas diante de uma situação difícil”, completa a psicóloga Vanessa Gebrim, especialista em psicologia clínica pela PUC/SP. Mas se isso não for possível e a demanda surgir apenas com o problema batendo a porta, o tom otimista precisa conduzir o processo.
Sem mentir à criança, diga a ela que a família está passando por uma fase complexa e que algumas mudanças serão necessárias, como suspender um passeio mais caro ou trocar o presente que ela gostaria por outro tipo de diversão possível. Neste momento, incentive o pequeno a sugerir o que desejaria fazer e até mesmo o que ele pensa como sugestão para economizar dinheiro. “Quando a criança sente que é ouvida, que participou, ela vai cumprir muito mais com os combinados”, detalha Fernanda. Também reforce que, quando a condição da família melhorar, todos poderão comemorar juntos.
Tome cuidado com as frases que podem trazer sentidos literais, como “não temos mais dinheiro”. Crianças pequenas tendem a aumentar as situações pelo modo lúdico que enxergam a vida e levarem tudo ao pé da letra, portanto, ouvir algo deste tipo pode levá-las a imaginar que não possuem mais nada mesmo.
Sinais de que as emoções não vão bem
Ainda de acordo com a educadora parental, crianças pequenas não são tão ligadas a bens materiais como adultos. “Elas têm uma necessidade muito grande de conexão, de brincar, de se sentirem amadas e pertencentes. Então, é mais importante para elas irem a um parque brincar do que ter um carro novo, ou estudar na melhor escola da cidade. E a família consegue nutrir experiências que podem facilmente suprir as perdas financeiras”, defende Fernanda.
Só que assim como cada criança é única, cada resposta emocional a uma determinada circunstância também é. Caso sintam-se afetados pelas perdas físicas e também pela mudança do clima da casa, as especialistas explicam que os filhos podem apresentar desafios comportamentais, como crises de ansiedade, tristeza profunda, irritabilidade, ataques de raiva e até mesmo despertares noturnos.
O primeiro passo para conseguir contorná-los é por meio do acolhimento emocional profundo entre pais e filhos. Entretanto, se a família perceber que está ocorrendo uma piora do quadro infantil e não sabe por qual caminho seguir para ajudá-lo, o indicado é procurar por orientação especializada.