67% dos pais gritaram, xingaram ou bateram nos filhos durante a pandemia

O levantamento da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal evidenciou que situações de estresse e sobrecarga podem ter levado à práticas parentais negativas.

Por Alice Arnoldi
1 jul 2021, 16h51
Adulto-oprimindo-criança
 (Malte Mueller/Getty Images)
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No segundo ano consecutivo em que a pandemia causada pela covid-19 assola famílias brasileiras, estudos referentes ao vírus respiratório estão cada vez mais frequentes. Só que, para além da análise da saúde da população, pesquisadores atentam-se também aos possíveis prejuízos psíquicos em decorrência do isolamento social, estresse, medo e outras emoções sentidas em escala mundial.

Não por acaso, crianças também entraram no radar dos especialistas para que se possa entender como a pandemia estava e ainda continua afetando seu desenvolvimento. Um destes importantes levantamentos foi realizado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, publicado em junho deste ano, e intitulado “Primeiríssima Infância – Interações na Pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de Covid-19”.

A pesquisa contou com 1.036 participantes das classes A, B, C e D, sendo 53% pais, 30% tios e 8% avós, que tiveram contato com os pequenos entre março e dezembro de 2020. Do total de pais e mães ouvidos, pesquisadores revelaram que 67% dos entrevistados acabaram recorrendo a algum tipo de prática educativa parental negativa – como gritar com a criança, dar um chacoalhão, palmadas, pegar seu braço com força e até mesmo chamá-la de burra ou chata.

A sobrecarga mental dos pais

Os dados trazidos foram analisados pela psicóloga Juliana Prates Santana e ela explica que, quanto mais os responsáveis são colocados em situações de sobrecarga mental, maiores são as chances de que eles recorram à práticas parentais negativas com o intuito de impor disciplina.

“Juliana alertou que a literatura mostra que, além do estresse e da sobrecarga, o aumento do tempo de convivência e das tensões nas relações interpessoais, bem como o medo e situações de vulnerabilidade social, pode tornar mais frequentes os episódios de agressão e maus-tratos contra crianças”, detalha a pesquisa.

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Para entender melhor este misto de emoções dos adultos, a pesquisa indagou como os responsáveis pelas crianças sentiam-se diante de combo de emoções negativas e positivas. A especialista explica que classes como A e B1 estão menos tristes, ansiosas e até mesmo menos sobrecarregadas quando comparadas a grupos sociais mais fragilizados. “Mas, se você olhar direito, em termos de sentimentos positivos, nenhum deles está totalmente feliz”, defende a psicóloga na pesquisa.

Isso significa que, ao prestarmos atenção aos cuidadores do público infantil, todos foram afetados de alguma maneira pela pandemia e que, a partir do momento que pais não conseguem nutrir as próprias necessidades, crianças podem acabar não sendo tratadas com todo respeito e cuidado que deveriam.

A dificuldade de não reconhecer as próprias emoções

Em contrapartida, apenas 28% dos entrevistados relataram que enfrentaram algum tipo de desafio para se relacionar afetivamente com as crianças. Entre os motivos, aparecem os problemas pessoais como estar estressado, irritado ou deprimido e também dificuldades ligadas diretamente à família, como a criança chorar muito e o clima da casa estar tenso.

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A diferença entre os dois dados foram examinados pelo pediatra Daniel Becker na pesquisa. Inicialmente, o número parece baixo comparado a quantidade de pais que relataram recorrer à praticas parentais negativas, entretanto, existe a dificuldade de perceber as próprias emoções ruins, que consequentemente afetam as relações interpessoais.

“É um pouco difícil você afirmar que teve uma relação pior com a criança por causa do estresse que enfrentava, ou porque estava triste ou porque o ambiente em casa estava tenso. São questões muito subjetivas que dependem de você admitir isso a si mesmo, o que talvez explique um percentual tão alto de pessoas dizendo que não tiveram dificuldade”, declarou o especialista no artigo.

Já para Juliana, o dado é olhado com um pouco mais de otimismo. A psicóloga explica que os 28% podem ser reflexos da sua teoria de que, mesmo em meio ao caos da pandemia, as crianças têm ajudado os pais a recuperarem seu bem-estar e estar contato com aquilo que elas sabem fazer de melhor: o brincar.

Com a pandemia, fomos lembrados que o contato com diferentes atividades infantis – que vão desde o diálogo até colocar a mão na massa – são capazes de promover o bem-estar dos pequenos. Mas esta ligação também pode trazer boas emoções aos adultos, inclusive por reconectá-los com a própria infância.

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