Embora seja uma recomendação conhecida e consolidada há muito tempo, com base em várias evidências científicas, menos da metade das crianças brasileiras (45,7%) é amamentada de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida, de acordo com dados do último Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição (Enani), realizado em 2019. Uma das Metas Globais de Nutrição da Organização Pan-Americana de Saúde é que esse número cresça para 70% até 2030. E como dar esse salto em tão pouco tempo?
O debate sobre o assunto rende sempre, mas o Agosto Dourado é o mês em que se promove uma conscientização ainda mais incisiva sobre a amamentação. É um período propício para chamar a atenção ao tema e discutir o que, de verdade, falta para que mais mães consigam amamentar por mais tempo – o que, comprovadamente, é uma forma de oferecer aos filhos diversos benefícios, a curto e a longo prazo, como aumentar a imunidade, diminuir a mortalidade infantil, combater a desnutrição, prevenir doenças futuras (como obesidade, diabetes e hipertensão) e muito mais. Ou seja, o leite materno é uma das chaves para criar uma sociedade mais saudável.
Diante de todos esses pontos positivos, o que leva tantas mães a deixarem de amamentar precocemente? Segundo Mylla Calefi, enfermeira obstetra e consultora em amamentação na Theia, plataforma de cuidados online focada em pré-concepção, pré-natal, parto e pós-parto, são três os principais motivos. “Um deles é a dificuldade para lidar com as intercorrências, principalmente a dor ao amamentar. O segundo é o retorno precoce ao trabalho, sobretudo antes de seis meses. O terceiro é a falta de apoio tanto da família quanto da sociedade para a amamentação”, explica.
Com ajuda da especialista, elaboramos uma lista de cinco pontos que, de fato, poderiam ajudar a transformar esse cenário e permitir que tantos outros bebês recebessem por mais tempo o melhor alimento do mundo, o leite materno.
1. Com informação
Ter conhecimento de verdade é fundamental para as mães compreenderem a importância do aleitamento, para se prepararem, entendendo o processo, e para saberem, de antemão, as dificuldades que podem surgir – além de como preveni-las e resolve-las ou onde buscar ajuda.
“A questão de como se preparar para a amamentação ainda envolve muitos mitos na sociedade”, diz Mylla. “Vejo mulheres que acreditam, por exemplo, que é necessário fazer preparo físico na mama, o que não é verdade”, acrescenta. Para a consultora, a falta de informação muitas vezes é uma deficiência do pré-natal, já que nem sempre há uma consulta específica para conversar sobre o aleitamento, explicar, tirar dúvidas, além de falar dos medos e das particularidades daquela mãe.
2. Com apoio. De verdade
Amamentar um bebê não é só função da mãe. Para que o aleitamento dê certo, a mulher precisa de suporte, sobretudo da família. E é essencial que essa rede de apoio compreenda a importância disso e as formas efetivas de ajudar.
“Como a sociedade ainda tem muita dificuldade para acreditar no poder e nos benefícios do leite humano, qualquer intercorrência que surja ou qualquer choro excessivo do bebê já vira crítica ao leite. ‘O leite não é suficiente’, ‘O leite está fraco’. Falta esse entendimento de que o leite humano é, sim, muito poderoso e é, sim, capaz de nutrir uma criança com tudo que ela precisa. É necessário preparar as famílias para os sinais da extragestação [o primeiro trimestre fora do útero, quando o pequeno ainda está em uma fase intensa de adaptação ao mundo do lado de fora e ainda não sabe que ele e a mãe são indivíduos separados] e ensiná-las a lidar com isso, como reconhecer e acalmar o bebê e tudo mais”, reflete.
A família também precisa de conhecimento – sem falar na contribuição “mão na massa” mesmo: com as tarefas domésticas, com os cuidados com o filho mais velho… Segundo Mylla, todos devem compreender que, quando há dificuldade, antes de criticar o leite materno e incentivar o uso de fórmula, é possível auxiliar a mulher encontrar ajuda especializada, como uma consultora, um pediatra amigo da amamentação ou profissionais dos bancos de leite humano para orientá-la sobre como resolver a situação, em vez de desistir.
3. Com proteção social
Além do suporte mais próximo, as mães precisam de apoio de toda a sociedade. Isso envolve transformar a maneira como enxergamos a amamentação. A especialista diz que o trabalho é longo, apesar de algumas mudanças já vistas. “Avançamos um pouco no sentido de proibir propagandas sobre benefícios de fórmula, por exemplo. A fórmula deveria ser algo prescrito e ofertado em uma real necessidade do bebê. Também deveríamos trabalhar insistentemente para que as pessoas entendam que bicos artificiais [chupetas e mamadeiras] não trazem benefícios para o bebê”, afirma. É possível, inclusive, que o uso deles gere uma confusão de bicos, o que, por sua vez, pode levar à interrupção precoce do aleitamento, por vários fatores.
Proteger as mães que amamentam, ajudando-as a se sentirem à vontade e seguras para oferecer o leite materno em qualquer situação, sem constrangimento, também é fundamental.
4. Com profissionais capacitados
Contar com profissionais (médico obstetra, pediatra, enfermeira) que ofereçam informação, assistência e estímulo à amamentação, atualizados com práticas baseadas em evidências, faz toda a diferença. Porém, infelizmente, nem todas as mães têm acesso a eles.
“É corriqueiro vermos intercorrências no aleitamento, como dor, lesão mamilar, mastite, percepção de baixa produção de leite… Às vezes, essas mulheres têm dificuldade de encontrar profissionais que deem uma orientação adequada sobre o que fazer. Falta uma conscientização maior. Como as famílias têm muito acesso à fórmula láctea, diante de qualquer dificuldade ou se o bebê não está ganhando o peso adequado, ela é sempre posta como uma opção. Falta, realmente, o manejo para lidar com os obstáculos, mas com o intuito maior de manter a amamentação, pensar em como torná-la possível diante dessa dificuldade”, analisa. Uma solução possível, segundo Mylla, seria promover uma maior interação entre os profissionais de saúde e as consultoras de amamentação.
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5. Com suporte no trabalho
A volta ao trabalho é um dos momentos mais delicados e, em muitos casos, leva à interrupção do aleitamento. Por isso, a proteção com leis e iniciativas voluntárias, por parte das empresas e do governo, é fundamental. Jornadas flexíveis, remotas ou com menos horas, garantia de uma sala adequada para extrair e armazenar o leite, a possibilidade de alguém da família levar o bebê até a mãe para que ele seja amamentado… Tudo isso ajuda.
A cultura das empresas também é outro ponto crucial. A consultora ressalta a importância de que as funcionárias não sintam ‘culpa’ por pararem durante os minutos a que têm direito. “Existe muito essa cobrança e esse olhar”, analisa. Além disso, para ela, todas as creches deveriam ter uma sala apropriada para que a mãe pudesse amamentar o bebê, além de estrutura e conhecimento para armazenar e ofertar o leite materno para a criança enquanto ela estivesse ausente – de preferência sem utilizar bicos artificiais.