Estudo mostra como o racismo impacta o desenvolvimento do cérebro infantil
Pesquisa aponta que crianças negras vivenciam mais adversidades e situações de estresse do que as brancas, o que afeta certas áreas do órgão
Sabemos o quanto o racismo estrutural atravessa gênero, classe e também idade – afinal, as crianças não estão imunes a seus efeitos e consequências. Mas um estudo publicado no último mês no American Journal of Psychiatry trouxe informações novas para a ciência, com evidências que indicam que o cérebro infantil pode sofrer alterações físicas em decorrência da discriminação pela cor da pele.
A pesquisa foi desenvolvida por uma equipe do Hospital Mc Lean, em Massachusetts, nos Estados Unidos, e observou que crianças negras são mais propensas a apresentar o que chamaram de “estresse tóxico” do que as brancas. Isso, segundo o estudo, seria decorrência de uma exposição prolongada a adversidades que ativam de forma excessiva os sistemas de resposta ao estresse, levando ao acúmulo de hormônios. É esse acúmulo que afeta sistemas regulatórios do metabolismo dos pequenos, interferindo no desenvolvimento cerebral.
“Esses resultados trazem outro lembrete impressionante do impacto do racismo estrutural na saúde pública e do quanto é crucial abordar essas disparidades de forma significativa“, disse em comunicado à imprensa Nathaniel Harnett, professor assistente de psiquiatria na Escola de Medicina de Harvard e líder do estudo.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram avaliadas 1.786 crianças negras e 7.350 brancas, de 9 a 10 anos. Entre os fatores que se destacaram como maiores desvantagens aos pequenos do primeiro grupo estão as dificuldades conjugais e familiares, problemas na vizinhança, como violência, histórico de traumas e dificuldades financeiras – questões vivenciadas de forma menos recorrente entre os brancos analisados.
Alterações no cérebro das crianças
Esses problemas, segundo o artigo, afetam particularmente o córtex pré-frontal, “uma região do cérebro que controla as funções cognitivas, incluindo resolução de problemas, controle de impulsos e a capacidade de regular pensamentos e emoções“. A amígdala e o hipocampo também se mostraram afetados nas imagens obtidas por ressonância magnética, sendo ligeiramente menores do que nas crianças brancas – alteração comum em pacientes que enfrentam estresse pós-traumático.
Em entrevista ao Today Parents, o professor Harnett comentou a pesquisa. “Nós temos o mito de que pessoas negras têm cérebros diferentes, mas o que queremos mostrar é que, quando interpretamos esses dados, vemos que não são crianças apenas com cérebros distintos; são crianças com diferentes experiências que moldaram o desenvolvimento desses cérebros e que podem continuar a moldá-los na vida adulta”, explicou.
O pesquisador revelou ainda o plano de seguir acompanhando o mesmo grupo ao longo dos anos, para observar os efeitos dessas experiências no decorrer do desenvolvimento das crianças. O objetivo, segundo ele, é descobrir se mudar o ambiente em que a pessoa vive e o nível de exposição a adversidades pode reverter essas alterações cerebrais.