Atravessar uma situação de infertilidade é, em geral, um processo doloroso para quem deseja gerar um bebê. As tentativas frustradas, o mês contadinho no calendário para não perder a ovulação, os testes de farmácia que insistem em não mostrar o tão esperado positivo… Isso sem falar na cobrança de familiares e amigos que, muitas vezes, não percebem a indelicadeza das perguntas relacionadas ao assunto.
As fontes de ansiedade são muitas e, por isso mesmo, cuidar do lado emocional é tão importante quanto o acompanhamento ginecológico na vida das tentantes, não só pelo apoio, mas também pensando no funcionamento do organismo como um todo.
“Mente e corpo estão sempre associados. Nós não tratamos apenas um órgão que está doente, nós tratamos o indivíduo”, salienta Carlos Moraes, ginecologista e obstetra membro da FEBRASGO, especialista em perinatologia e em infertilidade e ultrassom. “Cada pessoa tem suas características, suas particularidades, e essa história pessoal interfere no diagnóstico e na percepção que o paciente tem daquela situação e do tratamento”, acrescenta.
O hormônio do estresse
Você já ouviu falar no cortisol? Conhecido popularmente como o “hormônio do estresse”, ele é importante para o nosso organismo, na medida em que ajuda o corpo a responder a possíveis situações de ameaça. Mas, como tudo na vida, precisa estar em níveis equilibrados, o que não acontece se vivemos cotidianamente uma pressão emocional.
“Quando estamos sob fortes emoções, principalmente as estressoras, liberamos cortisol no corpo, e ele pode ter uma série de influências negativas na nossa saúde física e também emocional, justamente porque essa é uma cadeia que se retroalimenta”, explica Thaiana Brotto, psicóloga especialista em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo.
Tudo está conectado
Basta puxar pela memória e tentar lembrar se o seu ciclo menstrual já foi afetado, por exemplo, pela ansiedade antes de uma grande viagem ou por um evento importante que estava tirando seu sono. Pois é, acontece mesmo. Para entender como uma coisa influencia a outra, vale pensar num sistema em cadeia – o hipotálamo estimula a hipófise e esta, por sua vez, é responsável por estimular o ovário.
Detalhando um pouquinho: o hipotálamo é uma região do encéfalo, centro do sistema nervoso, que coordena funções endócrinas, ou seja, hormonais. É ele que dá o estímulo inicial com a produção de GnRH (o Hormônio Liberador de Gonadotrofina), o que faz com que a hipófise – principal glândula do corpo humano – libere as gonadotrofinas, FSH e LH. Esses hormônios, por sua vez, induzem a ovulação.
E é aí que está a questão. Como o hipotálamo recebe circuitos neuronais do sistema límbico, aquele responsável pelas nossas emoções, ele pode ser afetado negativamente, inibindo essa estimulação do ovário. Tudo está realmente conectado.
É claro que esse não é um cálculo fechado e que não se pode atribuir a infertilidade ao estresse e à ansiedade, mas é fato que eles precisam ser controlados. “Reduzir essa questão só à fisiologia é querer simplificar algo que não pode ser simplificado. São vários fatores que podem estar envolvidos e não há uma receita de bolo que funcione para todo mundo”, alerta Carlos Moraes.
O ginecologista e obstetra destaca ainda a importância da busca pela psicoterapia desde o início da investigação da infertilidade, diagnóstico “definido por mulheres com menos de 35 anos, que não usam nenhum método contraceptivo e não conseguem engravidar no período de um ano”, como explica o especialista. “Não é que o acompanhamento psicológico vai descobrir a causa da infertilidade. Ele pode, eventualmente, auxiliar no processo, mas com certeza vai ajudar o casal durante as etapas do tratamento, que são bem desgastantes”, acrescenta Carlos.
Tratamento individualizado
Justamente por esse motivo, Thaiana Brotto relata que, em sua experiência clínica tratando casais que enfrentam dificuldades para engravidar, o caso a caso é algo tão relevante. “Cada casal tem uma dinâmica, um funcionamento, e isso precisa ser levado em consideração. É muito doloroso quando o homem e a mulher se deparam com o fato da infertilidade, pois é algo que traz sentimentos de impotência, de incapacidade e uma série de questionamentos, como ‘o que tem de errado comigo?’”, diz a psicóloga.
É para não piorar a situação, que já é tão delicada, que o acompanhamento psicológico é importante. A intenção é não apenas controlar a ansiedade e o estresse, mas acolher a frustração e, a partir daí, conseguir pensar nos próximos passos. “Temos diversas possibilidades, existem alternativas. É importante acolher a dor e a frustração, mas não significa que o sonho de ter filhos está inviabilizado”, lembra Thaiana.