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“Me culpo por ter feito a bariátrica sem saber que estava grávida”

Em depoimento emocionante, Patrícia relata a descoberta surpreendente da gravidez, o nascimento prematuro da filha e como lida com a depressão desde então

Por Carla Leonardi
Atualizado em 22 set 2023, 16h56 - Publicado em 22 set 2023, 14h46
Ilustração de uma mulher grávida com grandes cabelos azuis. Ela está vestida de azul, com a feição triste e as mãos na barriga.
 (Ponomariova_Maria/Getty Images)
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Patrícia Anny Baptista, de 43 anos, é casada com Rafael Arrebola Gomes, com quem teve Camila, sua segunda filha. O casal, que mora em Curitiba (PR), viveu um grande susto em 2017, depois que Patrícia passou por uma bariátrica – cirurgia indicada para tratar a obesidade. Mesmo tendo feito todos os exames pré-operatórios, a mulher foi submetida ao procedimento grávida, sem que ela nem os médicos soubessem.

Em meio à recuperação, a bebê não crescia como o esperado, já que a mãe não conseguia se alimentar. Por isso, na 29ª semana de gestação, foi preciso fazer uma cesariana, o que gerou diversas intercorrências na saúde da pequena e levou Patrícia ao esgotamento mental. Foi depois de encontrar a ONG Prematuridade.com e iniciar o tratamento psiquiátrico que as coisas começaram a melhorar.

Denise Suguitani, diretora e fundadora da ONG, conta que o projeto nasceu em novembro de 2014, a partir experiência de pais e profissionais de saúde com a prematuridade. “Quem faz a ONG acontecer são nossos voluntários espalhados pelo Brasil”, comenta.

Confira, a seguir, a história emocionante de Patrícia:

“Eu tinha 37 anos quando decidi fazer a bariátrica. Estava bem acima do peso, com a autoestima muito baixa e nada dava certo para mim naquela época. Fui ao posto de saúde, pois estava pré-diabética, com pressão alta, gordura no fígado… Já tinha muitas comorbidades e meu IMC [Índice de Massa Corporal] também já estava dentro do permitido para realizar a cirurgia. Então, fui encaminhada para o hospital, para começar a fazer os exames, e foi tudo muito rápido.

Em 4 de abril, passei pelos exames pré-operatórios – incluindo o Beta HCG – mas a cirurgia só aconteceu em 25 de maio. No dia da operação, eu estava muito enjoada e achava que era nervosismo, não levei tão a sério, e logo fui anestesiada, não consegui ver mais nada.

Assim que acordei da cirurgia, senti uma dor muito forte e me deram duas doses de morfina. Passando o efeito, voltei a ter muita dor e a vomitar, até que não tinha mais o que sair, porque estava com o estômago vazio. Não consegui tomar o primeiro chazinho que é dado, nem água, por causa do forte enjoo.

Quando fui para casa, tentava fazer a dieta líquida, mas os enjoos eram demais. Passei um mês assim, enjoando, vomitando e bebendo golinhos mínimos de água. Em uma sexta-feira, meu marido me encontrou desmaiada. Fui levada ao hospital e, quando o médico perguntou sobre a minha menstruação, me deu um clique – eu não me lembrava, mas sabia que fazia tempo que não menstruava.

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A descoberta da gravidez

Fui internada e, numa tomografia, viram uma mancha no meu útero. Acharam que eu estava com uma hemorragia interna e queriam me operar. Foi tudo muito rápido. O médico, então, resolveu fazer uma ecografia e, na hora do exame, vi que ele mesmo se assustou e me perguntou há quanto tempo a bariátrica havia sido feita. ‘Quatro semanas’, respondi. Foi quando ele disse que eu estava grávida de dez a doze semanas!

Na hora, foi um choque! Eu sabia que tinha feito os exames, mas foram quase dois meses antes da cirurgia. Fiquei muito preocupada, porque eu não comia, não bebia… O que seria da minha gestação?

Desde o primeiro momento que descobrimos a gravidez, meu marido nunca deixou de cuidar de mim, até porque continuei sem conseguir comer. Ele foi um companheirão! Durante a gestação, emagreci 30 quilos e fiquei muito na rotina casa-hospital-casa. Como não comia, me sentia muito fraca e não tinha hidratação completa, acabava ficando internada.

Em outubro, passei o mês todo no Hospital de Clínicas de Curitiba. Pela ecografia, a bebê estava pesando 490 gramas, e falaram que eu precisava comer para ela ganhar peso. Me forcei a fazer isso, mas continuei emagrecendo. No dia 31, os médicos nos comunicaram que precisariam interromper a gestação, pois ela não era um feto viável. Disseram que ela estava em sofrimento e que eu estava correndo perigo. Acho que foi nessa frase que a minha ficha caiu e eu comecei a desenvolver a depressão. Nenhuma mãe merece escutar isso. Eu e o Rafael choramos muito.

No dia 1º de novembro de 2017, nossa filha nasceu por cesárea e, eu soube posteriormente, sem batimentos cardíacos, que voltaram depois, nas mãos da enfermeira. Para nós, isso foi um milagre. Ela veio ao mundo com 29 semanas, 540 gramas, 28 centímetros e Apgar zero.

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Só conheci a Camila – nome que demos à nossa filha – no dia seguinte, e levei um choque. Ela estava na incubadora, cheia de fios, tubos, com três acessos e era muito, muito pequena. Aí eu entendi e só pedia para Deus deixá-la comigo.

Camila ficou 140 dias na UTI neonatal e teve uma série de problemas: hemorragia pulmonar e uma parada respiratória, uma hemorragia cerebral, uma nos olhos, teve água no cérebro, teve sepse duas vezes, fez dezenove transfusões de sangue, teve enterocolite, uma necrose na tíbia, que deixou sequela em uma das pernas, que não cresce como a outra, e várias outras intercorrências.

Tive muito apoio psicológico e psiquiátrico, mas a dor e o medo que eu sentia eram muito grandes. Sentia uma dor física quando o oxímetro dela começava a baixar. Eu me arranhava para ver se a dor que sentia por dentro diminuía. Não amamentei e essa também foi uma frustração imensa.

Patrícia, na UTI neonatal, com Camila, prematura extrema, no colo
(Patrícia Anny Baptista/Arquivo Pessoal)

O início da depressão

Acho que a minha depressão começou com aquela frase, ‘feto não é viável’, e continuou conforme eu acompanhava todo aquele sofrimento além do meu.

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Eu vi a Camila tendo uma parada na minha frente. Eu falava para o médico: ‘Se ela morrer, eu me mato.’

Quando trouxemos nossa filha para casa, com quase seis meses, minha depressão piorou. Na primeira noite, eu não conseguia dar mamadeira e tive minha primeira crise – eu gritava, arrumava as coisas para voltar ao hospital. Minha mãe se assustou com a minha reação, mas eu não reconhecia que precisava buscar ajuda.

Depois, todas as vezes que ela tinha alguma coisa, eu me desesperava. Me arranhava, me batia, não queria sentir aquela dor interna. Foi a cardiologista da Camila que, numa consulta em que eu tive uma crise, me encaminhou para um psiquiatra.

Comecei um tratamento, voltei a trabalhar (a pedido do médico), passei a tomar medicamento e a fazer acompanhamento psicológico. Considero que foi outro milagre conseguir um emprego sendo mãe de um bebê especial, afinal, sabemos dos preconceitos. Mas contei tudo na entrevista e fui contratada na hora.

Ainda hoje, sempre que a Camila tem alguma coisa, me dá aquela sensação de pânico, escurece a minha visão, sinto dor física, falta de ar, às vezes até acho que esqueço de respirar, porque tudo paralisa. É uma sensação horrível.

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Camila, na festa de aniversário de cinco anos. É uma menina de pele clara, cabelo castanho claro, comprido e com as pontas cacheadas. Está com um vestido rosa cheio e grande, como princesa, sentada em um lindo cenário de festa.
Camila, na festa de aniversário de 5 anos (Jmcampos Fotografia/Arquivo Pessoal)

Encontrando e oferecendo acolhimento

Eu entrei na ONG Prematuridade.com e, lá, a Denise fala muito que o estresse pós-traumático de uma mãe de UTI é o mesmo de um soldado que volta da guerra. É o mesmo trauma. E essa depressão, a culpa, a tristeza que eu sinto de ter feito a bariátrica sem saber, isso me mata por dentro, me corrói.

O que me ajudou bastante foi o olhar dos médicos da Camila para mim, da cardiologista dela, que enxergou que eu precisava de ajuda, meu trabalho, onde estou até hoje, e minha família, sobretudo meu marido, que é um pai maravilhoso.

Hoje a Camila está com 5 anos (faz 6 em novembro) e no primeiro ano da escolinha, pois só agora a pneumologista liberou. Ela adora, é muito inteligente, e faz diversas terapias.

Não me sinto mais tão culpada quanto antes. As terapias me ajudam a entender que foi um erro médico.

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Já eu tenho meu trabalho, amo cuidar das minhas filhas, da minha casa, e gosto muito de conversar com outras mães que passam por isso. E me tornei coordenadora de campanhas da ONG e ajudo com informações que não tive na época. Acho que estou bem. Sei que vou melhorar.

Ainda sinto a mesma dor quando relato tudo o que vivi, pois foi muito forte, mas só agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de ser mãe da Camila, uma criança carinhosa, surpreendente, inteligente e engraçada.”

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