A gravidez da mulher com epilepsia: precisamos falar sobre isso

No Dia Mundial da Conscientização Sobre a Epilepsia, conversamos com Tainá Goulart, que descobriu a gestação já com o diagnóstico da doença

Por Carla Leonardi
Atualizado em 26 mar 2023, 13h31 - Publicado em 26 mar 2023, 10h00
Tainá Goulart, mulher grávida, branca, usando calça e sutiã preto, em imagem desfocada.
 (Tainá Goulart/Arquivo Pessoal)
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Você já ouviu falar no “Purple Day”? O “Dia Roxo”, em português, é o nome atribuído à data estabelecida em 26 de março para a Conscientização Sobre a Epilepsia, momento em que diversos países promovem ações para debater e ressaltar questões relacionadas à doença, popularizando cada vez mais as informações sobre ela.

A ideia também é desmistificar uma condição de saúde que ainda gera dúvidas, inclusive no que se refere à possibilidade de gravidezafinal, a mulher epiléptica pode engravidar? A resposta é sim, porém o acompanhamento do neurologista concomitante ao obstétrico é essencial.

O que é a epilepsia

A epilepsia é uma alteração que acontece de forma temporária, durando segundos ou minutos, no funcionamento do cérebro. A crise pode ser parcial, se ficar localizada, ou generalizada, se pegar os dois hemisférios cerebrais. Ao contrário do que muitos acreditam, a convulsão não é sinônimo de epilepsia, mas pode ser uma consequência, com tremores, salivação e outros sinais (é a chamada crise tônico-clônica) – embora essa não seja sua única forma de manifestação.

Uma vez identificado o problema, ele precisa ser tratado e o papel dos medicamentos anticonvulsionantes (às vezes associados a outros remédios, como ansiolíticos) é primordial. O ponto é que o tratamento não pode ser interrompido – nem durante a gestação. Aliás, o risco de uma convulsão na gravidez pode trazer consequências graves.

“Devemos saber que uma crise convulsiva não necessariamente se apresenta de forma clássica (tônico-clônica), podendo ser apenas uma crise de ausência, com perda de consciência, por exemplo. A questão é que as crises na gestação podem gerar sangramentos, restrição de crescimento intrauterino, descolamento de placenta, parto prematuro e até morte materna ou fetal“, explica Monique Novacek, ginecologista, obstetra e mastologista da Clínica Mantelli.

Ou seja, manter o tratamento para a epilepsia é indiscutível, mas planejar a gravidez pode trazer uma tranquilidade a mais. “É importante uma consulta pré-concepcional tanto com o obstetra quanto com o neurologista”, aconselha a médica.

A gestação com epilepsia

Sabemos que, na vida real, nem sempre o roteiro segue como o esperado. Foi o que aconteceu com Tainá Goulart, jornalista de 32 anos que descobriu a gravidez já tendo o diagnóstico da epilepsia. Ao longo do primeiro ano com a doença, que acredita ter sido desencadeada por altíssimo estresse, ela sofreu 13 convulsões enquanto o neurologista que a acompanhava na época procurava ajustar a dose do medicamento. Nesse período, teve diversos machucados em decorrência das crises – cinco pontos na cabeça, duas lesões ósseas no ombro, “fora os roxos e toda aquela questão das pessoas ao seu redor”, lembra.

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No entanto, quando descobriu que havia um bebê a caminho, Tainá já havia encontrado a neurologista ideal para si e estava com a epilepsia estabilizada há dois anos. “A gravidez foi zero planejada, mas só depois do primeiro susto que eu lembrei, num segundo momento, que precisaria falar com minha neurologista”, conta. A especialista passou segurança afirmando que os medicamentos eram os mais seguros disponíveis. Em consulta com a obstetra, ela foi informada de que, sim, sabe-se que efeitos colaterais dos remédios existem, mas parar não seria uma opção.

Tainá Goulart, mulher grávida, branca, usando vestido preto e camisa verde aberta por cima. Está com as duas mãos sobre a barriga. O fundo da foto é preto.
Tainá Goulart, com a epilepsia estabilizada há dois anos e grávida do Francisco (Tainá Goulart/Arquivo Pessoal)

Outra preocupação foi a possibilidade de que o bebê nascesse com epilepsia. Embora a doença possa ser congênita (estar nos genes da pessoa, como é caso da Tainá), ela não é hereditária. Ou seja, a chance que ele tinha de nascer epiléptico era a mesma de qualquer criança filha de pais sem a doença.

A jornalista lembra que a gravidez correu normalmente: “Continuei tomando os remédios e fiz o acompanhamento padrão de qualquer gestante”. Monique Novacek explica que, de fato, os exames são os mesmos. “Isso inclui o ultrassom morfológico do primeiro trimestre, que deve ser realizado entre 11 e 14 semanas, e o de segundo trimestre, que deve ser feito de 20 a 24 semanas”. No momento do nascimento do bebê, a não ser que exista alguma outra condição de saúde, não há indicação de cesariana.

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Aprender a desacelerar a vida

Tainá diz que teve uma gravidez tranquila e Francisco nasceu a termo, em 26 de outubro de 2022. Apesar de desejar um parto vaginal, o pequeno veio ao mundo de 38 semanas e 5 dias por cesariana. “Havia o risco de acabar precisando fazer uma cesárea de emergência e, como ainda faltava muita dilatação, achamos melhor não esperar mais”, lembra.

A única orientação específica relacionada à epilepsia que ela recebeu foi sobre o lugar onde daria à luz. “O que minha neurologista aconselhou foi escolher um hospital com UTI adulta e que tivesse um neurologista que pudesse me atender em caso de emergência” – isso porque há maternidades apenas com UTI neonatal, por exemplo, ou hospitais sem esse especialista para pronto-atendimento.

Felizmente, não houve intercorrências. Francisco, no entanto, nasceu com mecônio na placenta e engoliu um pouco de líquido amniótico, o que o levou a passar duas semanas na UTI neonatal. Na nova etapa, em casa, a rede de apoio foi – e continua sendo – primordial. “Uma ponderação que a médica fez foi: ‘Depois que ele nascer, você não pode ficar sem dormir'”, ressalta, já que a privação de sono é um dos gatilhos para as crises. Tainá, que vive a maternidade solo, acabou revendo seu estilo de vida de forma geral e se mudou de cidade para uma vida menos corrida e com o incondicional apoio da mãe, Laura.

Tainá, mulher de roupa branca, pele clara, cabelos castanhos e curtos, carregando francisco, de 4 meses, também de pele clara e roupa branca. Estão na igreja.
Tainá e Francisco, aos 4 meses de vida, no batizado do pequeno (Tainá Goulart/Arquivo Pessoal)
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“Ir com mais calma se mostrou ser o grande ponto de toda a minha vida. Tudo sempre foi muito atribulado, afobado, e a epilepsia me mostrou isso”, reflete a jornalista, que hoje carrega a bandeira da importância de tratar a doença como algo que pode fazer parte da vida, e usa seu perfil no Instagram (@tainagoulart) para falar sobre a própria experiência. “A gente precisa tratar desse assunto com normalidade, até porque as chances de os casos aumentarem são grandes, já que não estamos cuidando daquilo que deveria ser o mais importante, nossa saúde mental“, chama a atenção.

Tainá conta que, atualmente, seu principal receio em relação à epilepsia está ligado ao filho. “Meu maior medo é ter uma crise com o Francisco no colo”, diz. “Sei que, lá no futuro, vai chegar o momento de contar para ele que eu sou epiléptica, mas já estou pensando em como fazer isso de uma forma natural. Sempre falar coisas como: ‘A mamãe precisa tomar cuidado, precisa dormir…’, e aproveitar essa chance para ensinar coisas boas, porque sei que vou ser o exemplo. Eu tenho essa condição, então qual é a forma de usá-la para transformar a vida dele para o bem?”, conclui.

Em caso de crise na gestação, ir ao hospital imediatamente

Por fim, Monique Novacek alerta para a extrema importância de fazer o pré-natal corretamente, como em qualquer gestação, seguir a suplementação indicada pelo obstetra, como a forma ativa do ácido fólico, para evitar a malformação do tubo neural do bebê, e seguir com o acompanhamento do neurologista.

“Também nunca podemos descartar a possibilidade de eclâmpsia em uma gestante com convulsão. Caso uma crise convulsiva ocorra, a mulher deverá imediatamente ser encaminhada a um hospital para observação do bem-estar materno-fetal, com avaliação do bebê, monitorização materna, controle pressórico, ente outros”, finaliza a obstetra e ginecologista.

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