A amamentação interfere no desejo sexual da mulher?
Além da montanha-russa hormonal e emocional, o corpo muda e precisa se adaptar a esta fase. Entenda para onde vai a libido e o que pode ajudar a resgatá-la
Uma das frases que muitas mulheres temem ouvir na consulta de retorno ao obstetra após o parto é: “Está liberada”. Isso porque sexo é a última coisa que passa pela cabeça delas. Embora não dê para generalizar, o cenário é mais comum do que se imagina – e é compreensível! Não só o corpo da mãe acabou de passar por uma das maiores transformações possíveis, como a vida, provavelmente, também mudou muito, levando para longe a disposição, o emocional, as noites bem dormidas e… Os seios.
Sim, se um dia eles foram peças-chave nos momentos íntimos e funcionavam como zonas erógenas, agora, para quem amamenta, estão inchados, doloridos e com leite vazando. Isso sem falar em questões como fissuras, mastite, ductos entupidos e outros problemas comuns do aleitamento materno. Diante de tudo isso, de fato, fica difícil esperar que o desejo sexual seja o mesmo de antes.
“O pós-parto é um momento em que acontece uma profunda reorganização, tanto física como psíquica, daquela mulher”, explica a ginecologista e obstetra especializada em sexualidade humana Erika Mendonça, da Casinha AmarEla (SP). Segundo a profissional, nesse período a mãe passa a funcionar de uma maneira diferente, pois se torna um binômio, ou seja, é vista em integração quase total com o bebê. Diferentemente de como era durante a gestação, o recém-nascido precisa de assistência, precisa ser alimentado, de cuidados de higiene. “De repente, essa mulher não apenas está em um processo de reestruturação do próprio corpo, como também precisa dividir essa função com a gestação da vida daquele bebê”, aponta a médica.
“Além do próprio desconforto com o corpo em transição, que vai ajustando a produção de leite ao volume do estômago do recém-nascido, ela tem ainda sangramentos, que duram de 4 a 6 semanas, queda de cabelo, pode ter inchaços… Junta-se tudo isso a uma privação de sono, enquanto o bebê aprende o ciclo de sono e vigília”, lembra. Ou seja: desejo na cama, só se for o de dormir!
Foco no aleitamento
O que é libido? De acordo com a especialista é uma energia vital que deslocamos para atender a um desejo, não necessariamente o desejo sexual. No pós-parto, os hormônios se voltam para a amamentação. “O desejo está deslocado no afeto do aleitamento, no contato da mão do bebê, da boca dele próxima ao mamilo”, descreve. Sim, porque, passadas as dificuldades iniciais, a ideia é que a amamentação, em si, se torne um ato prazeroso.
E por falar em hormônios, eles têm um papel central na revolução que acontece com o corpo, com a mente e com as emoções da mãe nessa fase. A prolactina, responsável pela ejeção do leite, aumenta e o estrogênio, que promove, por exemplo, o preparo do corpo feminino para o período fértil, diminui. Essas alterações combinadas resultam na minimização do estímulo sexual e na lubrificação da vagina, deixando-a ressecada e tornando o sexo com penetração doloroso e desconfortável.
É preciso lembrar também da enorme mobilização da musculatura do assoalho pélvico [grupo de músculos que sustenta os órgãos abdominais, incluindo o útero]. “Ela precisa de um repouso e de uma reestruturação. O tecido interno da vagina necessita de cicatrização”, explica Érika. “Por isso, o sexo, pelo menos o penetrativo, pode ter um reinício de maneira variável de acordo com cada mulher e não ser um fator prioritário, enquanto há uma recuperação corporal inteira pela frente”, destaca.
As mamas, cuja função passa a ser de prover o alimento do bebê, dia e noite, ficam extremamente sensíveis. “Até que se ajuste o volume do leite produzido e a necessidade da criança, até que se acerte a pega e se façam as adaptações necessárias, leva algum tempo”, explica a médica.
Esse tempo, lembra a ginecologista, varia. Algumas mulheres têm mais dificuldades, mais sensibilidade no mamilo, ficam com fissuras por conta do atrito do ato de amamentar, até que consigam produzir uma resistência da pele, um ritmo de aleitamento. “Não se espera que a amamentação seja fluida logo no início”, diz Erika. “A própria descida do leite, que é conhecida como apojadura, pode demorar até três dias e causar sintomas como febre. Sem contar que as instruções sobre a pega são extremamente importantes para que a mãe consiga reduzir a ocorrência de infecções na mama”, acrescenta.
São muitos e muitos detalhes físicos, além de todo o fator emocional que vem junto da maternidade. É uma fase de melancolia, de choros mais frequentes – e há motivos para tais sentimentos. “É um luto não reconhecido do fim de uma gravidez e, mais do que isso, do fim de uma realidade em que aquela mulher se despede da sua independência”, conta a especialista. Esse é um ponto importante sobretudo para quem acabou de dar à luz o primeiro filho. “Encerra-se uma época em que ela precisava cuidar só de si”, afirma. “Isso também é parte da não-disponibilidade para a libido deslocada para o sexo. Talvez a libido esteja em sobreviver e em dar conta de manejar a nova realidade”, pondera.
O que fazer, então?
Além de respeitar seu próprio tempo e seu desejo, com conversas francas (e divisões justas de tarefas!) com o(a) parceiro(a), caso exista um(a), e com bastante paciência, aos poucos, é possível redescobrir seu corpo e seu prazer.
Segundo Erika, é fundamental entender que as representações da sexualidade e o modo como ela era encarada também mudam. “A maneira como a mulher vivia, a permissão que ela se dava e o quanto de energia e de potência ela tinha disponíveis para injetar na libido e deslocá-la para o sexo também aparecem como fatores que determinam esse retorno à vivência sexual”, descreve.
“É essencial, ainda, colocar essa vivência sexual em um lugar que não seja só meramente penetrativo, que não é exatamente da maneira como era. Não confie plenamente que o estímulo vai ser efetivo para produzir a lubrificação, eleja um lubrificante para tornar esse momento menos doloroso, já que a falta de lubrificação pode produzir microfissuras e aumentar infecções, como candidíase e vaginose”, recomenda. A médica lembra que, atualmente, existem vários tipos de lubrificante vaginal, que vão de medicamentos à base d’água a fórmulas com composição hormonal. Converse com um especialista e veja qual pode ser a opção melhor para o seu caso.
A fisioterapia do assoalho pélvico também pode ser útil no pós-parto, para lidar com possíveis incontinências e recuperar a musculatura. Além disso, contar com uma rede de apoio e conseguir tempo para você, ainda que seja curto, para dar uma caminhada, ir à padaria ou ao supermercado sozinha, levar o cachorro para passear, sem o bebê, pode parecer simples, mas tem efeitos inimagináveis na recuperação emocional.
Ah, e lembre-se também de que o sexo não é só sexo. “É fundamental ter espaços de encontros não apenas sexuais, mas afetivos, momentos para estar junto, trocar, melhorar a performance da comunicação. Isso tem muito a ver com a escolha da parceria. Retornar a uma vida sexual não exigente pode ser um manejo interessante para essa retomada”, completa.