Família

Mães contam o “momento limite” na pandemia e como retomaram as forças

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por Fernanda Tsuji, Flávia Antunes Atualizado em 23 jan 2023, 11h27 - Publicado em
9 Maio 2021
10h00

Quatro mães exaustas revelam, de peito aberto, quando sentiram que estavam “quebrando” e como foi o processo de continuar caminhando num cenário onde a pandemia parece estar longe do fim.

“Precisa ser só uma situação que achei que estivesse no limite? Posso contar vários…”, me questiona uma das entrevistadas. Minha ideia era entender qual foi o momento exato nesta pandemia em que as mães atingiram o pico da exaustão. Fui descobrir nelas – e em mim – que na verdade, não existe um episódio só.

Quando falamos do cansaço que estamos vivenciando desde março de 2020, começo da pandemia, estamos lidando com o acúmulo de situações de sobrecarga, medos, dores (emocionais e físicas) que vão se costurando num cobertor ainda sem fim. E com ele, nos cobrimos sem encontrar alento, sem conseguir zerar a exaustão, num looping de dias em que tentamos muito fazer… tudo.

Hoje sabemos: não é possível.

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Mariana, uma das entrevistadas, conta de um dia em que a filha queria brincar e ela precisava entrar numa reunião. A menininha começou a chorar e ela, ao pedir calma pra filha, também desabou em um choro exausto. Resultado? Reunião cancelada em cima da hora. Já Lívia, mãe de uma garota de 7 anos, confidencia que não tinha mais vontade de levantar da cama e precisou de ajuda profissional para continuar – aliás, você sabia que 63% das mães tiveram sintomas depressivos durante a pandemia?

Luciene começou a ter um formigamento no rosto causado pelo estresse, enquanto Lais passou por uma crise de ansiedade diante do medo de se infectar. E eu, esta mãe que aqui escreve, também posso te contar das (muitas) vezes em que chorei cozinhando e que capotei de cansaço no meio de uma brincadeira com a minha filha.

A seguir, estas mulheres contam como perceberam que estavam no limite de suas forças e como acolheram suas dores para poder acordar no dia seguinte. E não se trata de expor as vulnerabilidades ou reclamar ao vento, mas de perceber que estamos todas quebrando e tentar – num esforço de mãos dadas -, recolher nossos cacos, reconectar com nossos filhos, aceitar ajuda e cuidar da gente para poder seguir em frente. Mães contam o “momento limite” na pandemia e como retomaram as forças

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"Fui segurando a onda para dar conta, mas a verdade é que a gente não consegue. Temos que parar com essa ideia de que a mãe é uma super-heroína"

Lívia Haddad, 38 anos, é líder da comunidade ‘Mães de Jundiaí’ e mãe de Beatriz de 7 anos.

“Os meses na pandemia foram muito difíceis para mim. Tinha me mudado para um apartamento só eu e minha filha Beatriz, de sete anos, e estava me adaptando a uma vida nova, recém-divorciada. E quando me vi sozinha – meus pais são de grupo de risco -, com ela sem aula, tendo que me adaptar ao home office, coisa que eu nunca tive facilidade para fazer, percebi que fui ficando com uma tristeza muito grande. Chorava, não tinha forças para brincar ou para dar atenção para ela. E sentia muito medo também, a gente não sabia se pôr o pé na rua ia ser um problema, estávamos naquele momento de incerteza.

Mas o meu limite de esgotamento aconteceu em fevereiro de 2021, quase um ano depois da quarentena. Eu me vi muito cansada, tive um relacionamento que acabou no meio da pandemia e tinha que tocar o meu projeto. Sou líder de uma comunidade online de quase 20 mil mulheres da minha cidade. Eu estava sentindo todo o peso do mundo nas minhas costas: ter que lidar com educação da minha filha, com a responsabilidade, com o trabalho… Fui começando a me ver muito sozinha e desesperada.

Tinha pensamentos muito ruins, bem fundo do poço mesmo, não enxergava saída. E eu não tinha coragem de contar para as pessoas, porque eu achava que isso era sinal de fraqueza. Até que um dia, uma amiga me falou ‘Lívia, eu acho melhor você procurar ajuda médica’. E foi aí que eu percebi que meus pensamentos estavam tão ruins, que eu só queria que tudo acabasse. E quem me conhece sabe que eu sou muito animada, que eu gosto de rir e de divertir os outros.

Esse processo depressivo foi se acumulando ao longo dos meses, que foram ficando pesados, porque eu não tive contato com outras pessoas – estou sem meus amigos, minhas afilhadas, distante de tudo. Foi me doendo isso, perceber as pessoas cansadas de celular, este lugar frio, sem o contato humano e físico que a gente gosta tanto. 

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Eu não tinha vontade de levantar da cama, só que tenho uma filha para cuidar, que depende totalmente de mim. Os avós paternos dela pegaram o coronavírus, infelizmente perdemos a minha ex-sogra, e o pai da Bia – que divide os cuidados comigo – teve que ficar de quarentena e depois em luto pela mãe dele.

Fui segurando a onda para dar conta, mas a verdade é que a gente não consegue. Temos que parar com essa ideia de que a mãe é uma super-heroína. Não temos superpoderes, somos mulheres reais.

Temos que equilibrar os pratinhos da nossa vida de acordo com as prioridades. E naquele momento, quando me vi num quadro depressivo muito profundo, que eu nunca imaginei que fosse entrar, comecei a parar alguns pratinhos, pensando ‘esses não são importante agora’. Minha prioridade foi 100% a Lívia. A mulher que precisava de atenção, de psiquiatra e orientação profissional.

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A minha força para continuar foi exatamente pensar que eu tenho minha filha e que eu quero muito vê-la crescer, se desenvolver… É tão gostoso passar por cada etapa. Quando eu vejo Beatriz lendo, é a coisa mais emocionante!

Assim, segui em frente. Quando fui medicada e tive forças para contar para as pessoas o que estava acontecendo, principalmente nas minhas redes sociais, tanta gente veio me dar a mão, me perguntou se precisava de alguma coisa, ofereceu para ir ao mercado para mim, e isso só me fez ter mais forças ainda de querer continuar. Eu ainda tenho meus altos e baixos, mas tenho muito mais vontade de fazer minhas coisas, de trabalhar, de cuidar da Bia.

Neste momento, as redes de apoio são minhas principais fontes de renovação, de vida, de possibilidades. Mesmo longe, eu contei muito meus pais e por isso zelei tanto pela segurança e saúde deles. Eu peço ajuda para minha mãe, às vezes. São coisas que parecem pequenas, como ela me mandar um almoço num dia mais corrido, mas eu já entendi que posso dizer que eu não dou conta e está tudo bem.

Nos momentos de desespero, me ajuda saber que não estou sozinha. Mãe não é obrigada a dar conta de tudo. Ela tem é a obrigação de se perceber como pessoa, como um indivíduo que merece atenção dos outros e, principalmente, dela própria.”

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"Comecei a apresentar um formigamento no rosto, olheiras, muito medo, estresse e sobrecarga. Parecia que estava tudo indo para o buraco..."

Luciene de Oliveira Derrien, tem 50 anos, é empresária e mãe do Yann de 10 anos e do Lucas de 6 anos.

“Do dia para a noite, assumi a empresa que coordeno de comunicação em home office, além de tomar conta das tarefas da casa e fazer as aulas remotas com as crianças. Nisso, juntaram várias coisas: perdi alguns clientes, medo da covid-19, preocupação financeira, minhas crianças estavam cada vez mais agitadas e eu ficava quebrando a cabeça pra criar meios de distraí-las.

Em maio, já estava realmente em depressão. Também comecei a apresentar um formigamento no rosto, olheiras, muito medo, estresse e sobrecarga. Eu chorava muito, ficava acordada até cinco da manhã, não tinha ânimo para acompanhar as aulas dos meus filhos… Parecia que estava tudo indo para o buraco.

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(Luciene Derrien/Arquivo Pessoal)

Passado um tempo, conversei com a psiquiatra do meu filho (ele tem TDAH) e ela me recomendou uma consulta com neurologista. Fiz vários exames, ressonância magnética, eletroencefalograma, mas era só estresse, cansaço e preocupação. 

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Conversando com uma amiga – nesta época já estava começando a me medicar – ela falou que eu precisava fazer algo para mim, porque estava só vivendo para pagar as contas.

No dia 22 de maio de 2020, falei para ela “tenho vontade de fazer um canal do Youtube… vamos falar de decoração?”, porque ela entendia do tema. Em um primeiro momento, a ideia não a encantou, mas depois de uns dias ela disse “achei o canal”.

Nos reunimos, com todos os cuidados, começamos a desenhar as ideias e resolvemos falar de nossas histórias. O primeiro episódio, por exemplo, se chama “Pirei na pandemia”. Esses encontros foram me dando ânimo, gravamos brincadeiras, falamos sobre nossas infâncias. Começamos a ter retorno do público e entendemos que tínhamos um bom canal de comunicação, e que queríamos usá-lo para dar voz às mulheres. 

Agora, estamos dando dicas de beleza, lemos cartas enviadas pelas seguidoras, trazemos especialistas para falar de saúde e bem-estar, e a ideia é crescer cada vez mais. Foi um escape para mim. Continuo tomando remédio, em doses mais baixas, mas agora tenho alegria, me adaptei às aulas em casa, e inclusive consegui ensinar meu filho a ler durante este período.”

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"Minha filha começou a espernear e eu comecei a chorar junto, porque eu precisava entrar numa reunião. Eu falava ‘filha, você tem que me ajudar’. Acabei desabando, tive que desmarcar, porque eu não tinha condições" 

Mariana Alegretti, de 37 anos, é farmacêutica e mãe de Gabriela, 4 anos.

“Me lembro que durante os três primeiros meses da pandemia, a gente ficou isolado aqui em casa, não saíamos para nada. Também não via meus pais e nem a minha sogra por medo de contaminá-los. Foi um momento em que eu não tinha nenhum suporte da minha rede familiar, a não ser virtual, e do marido só até a página dois, porque ele não podia fazer home office como eu. E eu tinha acabado de começar em um emprego novo, então tinha a necessidade de me provar.

Não sei muito bem se foi em abril ou maio, mas eu precisava entrar numa reunião – e eu ficava com a Gabi sozinha. Ela queria atenção, queria brincar, queria comer. Começou a espernear e eu comecei a chorar junto, porque eu precisava muito entrar nessa reunião. Eu falava ‘filha, você tem que me ajudar’ e nós duas ficamos chorando. Eu acabei desabando, tive que desmarcar essa reunião, porque eu não tinha condições.

Foi bem complexo esse período, não sei de onde eu tirei forças para continuar. Eu sabia que eu precisava trabalhar, mas sabia que a Gabi também precisava de atenção. Além disso, uma dificuldade que tive é que fui descontando minha ansiedade na comida. Claro que isso teve um efeito rebote horrível, mas eu acho que se eu não tivesse descarregado essa ansiedade, eu teria surtado mais ainda. Eu chorava muito durante o banho sozinha. Foi um momento muito depressivo na minha vida. Foi horrível, mas acho que para todo mundo. Acabei engordando, porque junta o fato de estar só em casa, de não estar feliz, de estar sobrecarregada…

Fora os desentendimentos com meu marido, porque sentia que ele tinha que fazer mais e, de fato, depois disso, ele conseguiu um modo de ficar em home office duas vezes por semana, e estes eram então os dias que eu conseguia trabalhar direito. Fizemos arranjos que ajudaram, como por exemplo, nos alternar com a Gabi e combinar quando cada um teria reunião. Com ele em casa já deu uma aliviada na minha sobrecarga, ele foi muito parceiro.

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(Mariana Alegretti/Arquivo Pessoal)

Fui vivendo um dia de cada vez.  Em junho, minha mãe, que é professora, saiu de férias e a saudade era grande, então tomamos todas as medidas de segurança e fomos para um sítio da família no interior de São Paulo. Fiquei um mês lá só com a minha mãe e a minha sogra e elas cuidavam da Gabi o dia todo. Foi um momento que eu pude ser amparada, consegui colocar o trabalho em dia e pude colocar minha vida de novo no eixo

No fim do ano passado, mais calma e com tudo mais estruturado, eu contratei uma babá, porque o meu marido não podia mais fazer home office. Eu também não queria cair no mesmo cansaço, então esta ajuda salvou minha sanidade mental. Atualmente, minha filha voltou pra escolinha (com todos os cuidados necessários), mas achamos melhor ficar longe dos meus pais até eles tomarem as duas doses da vacina. Também estou fazendo terapia e num processo para emagrecer. 

Eu me esforço para ver um mundo pela frente e entender que 2021 vai ser melhor que 2020. Tem que ser! Me apego muito nisso.”

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"Fui para o quarto da Sofia, sentei no chão e tive uma crise de ansiedade, pensando ‘meu Deus, e se ela pegar a doença, e se eu pegar…’" 

Laís de Andrade, de 29 anos, é jornalista e mãe de Sofia, de 1 ano e 5 meses.

“Meu episódio mais marcante foi quando eu tive uma crise lá no comecinho da pandemia, em março ou abril do ano passado. Moro nos Estados Unidos e lembro que era um sábado à noite – e naquela época eram só coronavírus o dia inteiro no noticiário – e passou uma reportagem sobre um bebê que tinha contraído o vírus e a mãe estava contando como foi vê-lo com falta de ar. Isso foi me dando um pânico! Fui para o quarto da Sofia, sentei no chão e tive uma crise de ansiedade, pensando ‘meu Deus, e se ela pegar a doença, e se eu pegar…’ 

E é aí que entra a rede de apoio, de pensar que eu não teria ninguém para me ajudar e para me dar amparo físico e emocional.

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(Lais de Andrade/Arquivo Pessoal)

Em vários momentos durante essa pandemia eu tinha esperança de que as coisas voltariam ao normal logo. O que aconteceu é que essa realidade foi ficando cada vez mais distante e, consequentemente, o dia em que eu vou rever meus pais e minha família no Brasil também. Já é difícil dar conta de criar um bebê longe de casa, e não ter uma rede de apoio e se ver responsável pela criança 24 horas por dia, 7 dias da semana, é mentalmente esgotante.  

E com todo esse caos, todas as incertezas e o medo do desconhecido geram bastante ansiedade. Eu sinto que tive que segurar essa barra sozinha, por mim e pela minha filha, e me convencer todos os dias de que tudo iria ficar bem e de que nada aconteceria conosco. 

A esperança de rever e apresentar a minha filha para a minha família parece ser um sonho muito distante. Já cheguei a chorar muito e me desesperar por sentir que minha bebê está perdendo em não ter esse amor físico da família. O quanto não ter uma avó, avô e tios por perto vai afetar ela socialmente no futuro. Não sei se só o amor de pai e mãe será suficiente, mas eu sinto muito por ela e pela minha família, que até tinham planos de vir conhecê-la e não puderam.

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Sei que eu morando fora do Brasil não teria a família por perto de qualquer jeito, mas a ideia de não poder, não ter como revê-los e nem previsão de quando isso acontecerá, é desesperadora. 

Eu agradeço à tecnologia que nos aproxima e torço muito para que chegue logo o dia em que vamos poder dar um abraço bem apertado em todo mundo e que a Sofia vai poder conhecer finalmente quem é a extensão da família dela e de onde ela vem. 

Eu tiro forças justamente na maternidade. O sorriso da minha nenê me lembra que sempre haverá esperança e, por mais exausta que eu esteja, sempre tem o dia de amanhã, que está um pouquinho mais perto do que ontem, do dia em que vamos rever todo mundo que a gente ama.”

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