O isolamento social em decorrência do coronavírus levou pais e filhos a passarem por uma série de adaptações para que o trabalho remoto junto com a presença das crianças desse certo. Sem a possibilidade de recorrer aos avós ou cuidadores, o tempo em casa acabou ampliando o uso das telas.
Se em um primeiro momento a tecnologia foi um estalo de alívio, afinal as crianças ficam muito entretidas, meses já se passaram e agora estamos colhendo alguns prejuízos que ela pode trazer para a saúde mental e física dos pequenos. A questão não é cortar abruptamente o uso dos celulares, notebooks e tablets, mas organizar para que este hábito possa ser saudável novamente.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, no manual “#MenosTela, #Mais Saúde”, a recomendação é que crianças menores de dois anos não sejam expostas às telas, ainda que de maneira passiva. Já os pequenos de dois a cinco anos devem ter esse período limitado a uma hora por dia, e a partir dos seis de uma a duas horas por dia, sempre com a supervisão de um adulto.
Em uma rotina que o uso está (muito) além destes limites, é importante que os pais estejam atentos aos sinais de que a criança não desenvolveu uma relação saudável com os aparelhos tecnológicos durante a quarentena.
Quando não está tudo bem
O primeiro alerta que os pequenos tendem a apresentar é o condicionamento de não querer ou conseguir executar nenhuma tarefa do dia a dia sem o uso das telas. “Por exemplo, ele acorda de manhã e já procura o celular ou a televisão, ou só almoça assistindo um vídeo no aparelho”, cita Yasmine Martins, neuropsicóloga do Instituto PENSI.
O segundo indício está relacionado a mudanças de comportamento. Juliana Hampshire, psicóloga e consultora pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), explica que o uso excessivo de telas pode causar altos níveis de agitação, irritabilidade e agressividade entre as crianças, assim como alterações no sono. Elas relatam dificuldade para dormir, insônia e até mesmo pesadelos envolvendo jogos. Para aquelas que já falam, a especialista também lembra que os pais podem começar a perceber que os filhos estão repetindo frases de games ou dos vídeos que costumam assistir.
As consequências do uso incorreto das telas
Junto com estes indicativos inicias de que esta interação com os aparelhos eletrônicos está desregulada, é preciso que os pais intervenham o quanto antes para que os filhos não sofram com os efeitos a longo prazo.
Se a capacidade de sociabilidade dos pequenos já está prejudicada com a quarentena, ela pode ficar ainda mais com a ausência de interação física pelo uso excessivo da tecnologia. “A criança aprende o que é o mundo através do ambiente que ela está e das pessoas que estão inseridas nele. Quando ela deixa de socializar, o desenvolvimento dela atrasa um pouco e ela deixa de conhecer o mundo e até a si mesma – porque a criança também aprende quem é perante a convivência com o outro”, detalha Yasmine.
Grace Falcão, psicóloga e psicopedagoga infantil, explica que este contato inadequado com a tecnologia também pode levar crianças a serem intolerantes ao precisarem esperar ou trocar de ocupação. “Com as telas, o cérebro da criança está sendo inundado de recompensas o tempo inteiro. Então, quando ela vai fazer outra atividade, pode se sentir entediada”.
O mesmo é reforçado por Juliana. “O ritmo da tela é diferente da leitura e da brincadeira, em que precisamos esperar o tempo do outro e interagir”, detalha a especialista. Este descompasso também pode ocasionar dificuldades de concentração, foco e também problemas físicos, como prejuízos na visão e obesidade infantil.
As mudanças precisam ser gradativas
Com a consciência dos malefícios que o uso excessivo de telas pode causar, pais tendem a se esforçar ao máximo para inverter o jogo, mas é preciso paciência e calma neste processo.
Interromper abruptamente o contato com a tecnologia pode fazer com que as crianças passem por um processo de abstinência, que leva a comportamentos conhecidos como disruptivos. “A famosa birra para protestar o que os pais tiraram e a criança não está concordando”, explica Yasmine.
É importante lembrarmos que essa reação não é um ataque aos pais, mas o meio que os pequenos conhecem para lidar com a frustração e os novos limites impostos – ainda mais desafiadores depois de tantas perdas que eles também passaram com a pandemia. Tente acolhe-los ao demonstrarem tais emoções.
O diálogo de que as regras estão mudando também entra como uma forma essencial para que a criança se sinta parte do processo e trilhe o caminho do que está sentindo. Em seguida, partimos para a prática. Yasmine aconselha os pais a diminuírem uma hora do uso de tela a cada dia durante uma semana e fazerem o processo de substituição.
Entre as tantas atividades que os pequenos podem fazer neste novo tempo livre, a neuropsicóloga incentiva a simbolização, que é quando a criança brinca de faz de conta. Ao construírem uma história manipulando os brinquedos, os menores conseguem elaborar sentimentos ou situações desconfortáveis, como o tédio de estar tempo em casa ou até mesmo a irritabilidade por não poder estar no celular.
O uso precisa ser consciente
Ao conseguir retomar aos poucos o hábito saudável das telas, é importante que o tempo limite em frente aos aparelhos eletrônicos seja fracionado, como reforça Grace. Para isso, é essencial que os pais o intercalem com brincadeiras como contação de história, pequenos circuitos dentro de casa para a criança gastar energia e trabalhos manuais. Além da distração mental, a movimentação ajuda nas coordenações motoras infantis fina e grossa.
Só que este uso consciente não para nas crianças. As especialistas reforçam que é preciso que os pais também tomem cuidado ao gastarem o seu tempo livre nas redes sociais em frente aos filhos.
“As crianças aprendem por exemplo e os pais são suas maiores referências. Quando estamos com um rotina normal, em que as crianças vão para a escola, esse repertório de respostas de aprender coisas diferentes com pessoas distintas é maior. Só que agora elas só estão vendo a família. Se os pais ficarem sempre mostrando a mesma coisa, o filho vai querer repetir”, esclarece Juliana.
As telas não são inimigas!
Como reforça Yasmine, os vídeos assistidos pelas crianças não substituem a interação presencial ou com os pais. Mas isso não anula a importância de fazermos escolhas inteligentes quando as crianças estão em contato com as telas.
Dê preferência para que o tempo limite indicado pelos especialistas seja usado nas aulas online. Já o que restar, Grace aconselha que os adultos procurem por programas infantis que estimulam a imaginação dos pequenos, incentive-os a se mexerem ou terem experiências diferentes ao acompanhá-los e, claro, estejam dentro da faixa etária dos filhos.
Já sobre as medidas de segurança, relembramos que é essencial incentivar as crianças a usarem aparelhos eletrônicos em áreas comuns da casa, mantenham as câmeras fechadas e sejam ensinadas desde cedo a não compartilharem informações pela internet. Para saber outros recursos que auxiliam na construção de um mundo virtual mais seguro para as crianças, clique aqui!