Em meio à busca por likes e engajamento, várias influenciadoras maternas realizam “testes inofensivos” com seus filhos. Contudo, será mesmo que está correto expor as crianças dessa maneira?
Um dos primeiros que vi na internet foi o “teste do marshmallow”. Basicamente, consistia em colocar a criança numa sala, diante de um doce, e dizer: “Aqui, você tem um doce à disposição. Eu vou sair da sala e, se você conseguir esperar até eu voltar sem comê-lo, eu te darei outro doce.”
Para quem não sabe, o teste do marshmallow não foi criado nas redes sociais. Ele faz parte de um estudo de Stanford dos anos 60. Esse trabalho tinha como objetivo analisar a capacidade das crianças de resistir à tentação imediata para obter recompensas futuras – e uma das etapas conduzia essa observação com pequenos de várias idades. Se quiser saber mais sobre o tema, busque no YouTube (você, inclusive, pode ver os vídeos originais) ou no livro O Teste do Marshmallow: Por Que a Força de Vontade é a Chave do Sucesso, escrito pelo autor da pesquisa, o psicólogo Walter Mischel.
Mas, voltando às pegadinhas de internet, como tudo que é entretenimento viraliza, mais e mais “testes” começaram a surgir, usando sempre as crianças como cobaias. Recentemente, dois deles me chamaram a atenção:
– Irmãos eram colocados juntos para comer e apenas um deles recebia algum snack no prato. Ou seja, os dois recebiam os pratos, mas em somente um havia comida. A ideia por trás era saber se quem recebeu o lanche o dividiria.
– Cuidadores convidavam a criança para fazer um bolo e, na hora de quebrar os ovos, o adulto quebrava o ovo na cabeça da criança, buscando medir suas reações.
Levando em conta os fatos e as possíveis consequências dessas exposições, na forma como a criança percebe o mundo, listei algumas considerações.
Impacto na autoestima e na autoimagem
A exposição constante a esses testes nas redes sociais pode ter efeitos devastadores na autoestima e na autoimagem das crianças. Em um estágio crucial de formação de identidade (afinal, ninguém nasce com personalidade formada e é ao longo da vida e de suas experiências – em média, até os 21 anos – que o SER é determinado), a criança pode se sentir ridicularizada e não amada, especialmente quando colocada em situações que visam provocar reações desconfortáveis para entretenimento online.
Não se iluda achando que, caso ela seja pequena, o impacto não existe. Primeiro que, se é exposto na internet, não se tem controle de como o conteúdo será usado por outras pessoas. Segundo, porque o que não faz sentido hoje com certeza começa a fazer sentido conforme a criança cresce.
Consequências na relação familiar
É possível que a exposição constante a situações desconfortáveis, em busca de likes, atrapalhe a conexão com a figura de segurança, gerando impactos a longo prazo nas relações familiares.
“A confiança da criança nos pais e nos cuidadores é fundamental para um desenvolvimento emocional saudável”
O teste em que apenas uma das crianças recebe comida, por exemplo, pode gerar insegurança e associação de que apenas o outro é amado, o que tende a atrapalhar o relacionamento dos irmãos com o passar do tempo.
Socialização e influência na adolescência
Educamos crianças pensando sempre no amanhã – e a adolescência é uma fase sensível, em que a opinião dos pares desempenha um papel essencial na formação e aceitação do próprio SER. A exposição precoce e constante nas redes sociais pode resultar em constrangimentos futuros e o adolescente, que teve sua infância exposta em testes embaraçosos, pode enfrentar julgamentos severos e estigmatização por parte dos colegas.
A opinião dos pares, tão importante nessa fase, tende a moldar a autoimagem de maneira negativa, contribuindo para problemas emocionais e sociais. Ou seja, não adianta querer convencer o adolescente de que aquilo não passou de uma brincadeira, ele irá sofrer por isso e é a forma como ele entendeu o acontecido que moldará suas crenças e o modo como ele interpreta o mundo.
Causa e efeito: influenciadores e engajamento
O crescente número de influenciadores que recorrem a esses “testes” com seus filhos reflete uma busca incessante por engajamento, e a resposta positiva do público incentiva outros a seguirem o mesmo caminho, alimentando um ciclo prejudicial de exposição infantil para ganhos pessoais.
“É fundamental que influenciadores e pais assumam a responsabilidade pelos conteúdos compartilhados online”
A prioridade deve ser sempre o bem-estar emocional e psicológico das crianças, não a busca por likes e seguidores. A conscientização sobre os impactos a longo prazo dessas práticas é crucial para garantir um ambiente digital saudável para as gerações futuras. Infelizmente, os casos de suicídio de crianças e adolescentes decorrentes, de alguma forma, da exposição online (seja própria ou se comparando ao outro) aumentam a cada dia. Hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano – sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Até 2030, a depressão deve ser a doença mais comum no mundo, ainda segundo a OMS.
Não é porque você não se atenta a esses dados ou porque sua intenção é apenas fazer uma “brincadeira inofensiva” que os fatos irão mudar. Cada um precisa fazer sua parte para o resultado contrário realmente aparecer. A exposição da criança na internet (seja através de “testes inofensivos” ou de outras formas) exige uma reflexão profunda por parte de pais e cuidadores. A atenção ao desenvolvimento emocional e psicológico das crianças deve prevalecer sobre a busca por popularidade virtual, assegurando que o ambiente digital seja um espaço seguro e enriquecedor para o crescimento saudável das futuras gerações.
Vale lembrar que a criança se transforma no que aprendeu ou não a SER. Então, se questione: o que realmente você está ensinando a seu filho?
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