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Educar é Preciso

Camila Menon trabalha com crianças desde a adolescência. É especialista em primeira infância, professora e diretriz Montessori da Educar é Preciso (@educarepreciso)
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Briga entre irmãos: como os pais podem lidar – e o que evitar

O direcionamento adequado é fundamental para ajudar as crianças quando as emoções se sobressaem

Por Camila Menon
8 out 2023, 14h00

O resultado de anos de gerações que não foram ensinadas a lidar com as próprias emoções é a normalização do cenário caótico de que irmãos brigam e, pasmem, de que são eles que têm que aprender a “se virar sozinhos”.

Porque imagine duas crianças na primeira infância (independentemente das idades, imaturas, que ainda não sabem lidar com o que sentem) ouvirem de quem é o responsável por sua educação apenas: “Eu já falei para vocês pararem de brigar”. Mas, de fato, eles nunca receberam um direcionamento apropriado de como podem, então, se comportar diante de situações adversas em que suas emoções se sobressaem.

Pois bem, é exatamente isso que a maioria das pessoas fazem. Repetem incansavelmente a mesma fala, sem focar no que pode ser feito, sem ajudar a criança a evoluir emocionalmente. Criam expetativas de que o filho vai se comportar como um adulto e geram ainda novos problemas, como:

  • Necessidade de achar um culpado: é na infância, por conta do direcionamento equivocado dos adultos, que focam mais no punir do que no ensinar, que crianças entendem que precisam arranjar um culpado para se livrar das consequências de suas ações.
  • Mentiras: é o próximo passo e a criança passa a inventar histórias para não ser castigada e, sem entender exatamente as consequências, culpa o outro como forma de defesa.
  • Reforço da necessidade de agradar o adulto: diante da procura de um culpado, surge a posição de “vítima” (por se sentir injustiçado com o desfecho da situação) ou de “filho preferido” (o que será recompensado). Além disso, a criança cresce sem aprender a lidar com as próprias emoções, o que leva aquelas que são extrovertidas a terem ataques cada vez mais explosivos de raiva, e introvertidas a se fecharem cada vez mais para novas experiências.
Duas crianças pequenas brigando
(Kyryl Gorlov/Getty Images)

“Ok Camila, mas então como sair desse ciclo?”. Bom, primeiro passo é aceitar que, se você não sabe lidar com as crises emocionais dos seus filhos, é porque é bem provável que você ainda não domine as suas, e o processo é muito simples: não se ensina para o outro o que não se conhece.

Desde pequenas, as crianças devem ser direcionadas imediatamente sobre o que pode ser feito. Logo, se o bebê bate no seu rosto, segure a mão dele e regule a força com que passa a mão no seu rosto, dizendo: “Sem bater, meu amor, faz carinho”. Atente-se que eu não usei a palavra “não” com o bebê e isso é porque “não” é uma palavra abstrata que não tem significado visual. Foquei na ação do que pode ser feito. “Sem bater” para “fazer carinho”, mostrando para a criança o que espero dela.

Para os maiores de 2 anos, o “não” já faz mais sentido pela repetição e o comando pode ser mais eficiente: “Não batemos nas pessoas. Se você não quer ficar perto dele, diga isso pra ele, mas sem bater.” Lembrando que a ação de direcionamento na hora que acontece o erro é imprescindível para que a criança associe imediatamente o que está fazendo e qual ação pode substituir a agressão.

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Goste ou não, crianças aprendem por repetição, então, um exercício ótimo para melhorar sua inteligência emocional é baixar a expectativa de que, de um dia para o outro, seu filho vai aprender o que você explicou e que nunca mais será preciso direcioná-lo. Não importa se você está cansado, se você gosta ou não da função que exerce, ou se você tem ou não paciência para isso. Seja bem-vindo à vida de adulto. Não tem paciência? Aprenda, então, a lidar com a paciência que você tem, porque a criança não é responsável pelo descontrole emocional do adulto. Para quem não sabe nem por onde começar, um psicólogo pode ajudar nessa jornada.

Apresente também soluções, sem defender ninguém. Não tem nada pior para uma criança do que a frustração de não ter a sua figura de segurança fazendo o que ela quer. E não me entenda mal. Quando eu digo que “não tem nada pior” não é porque esse tipo de frustração deva ser evitado, mas para que você tenha consciência de que se o adulto não sabe lidar com a frustração de não ter suas expectativas atendidas, imagine a criança? Portanto, ao direcionar as discussões seja firme quanto a comportamentos violentos ou desrespeitosos (bater, xingar, gritar…) e foque no que pode ser feito de forma lógica.

Vamos a um exemplo: a criança maior está brincando e a menor chega e pega o brinquedo da outra. A criança menor não deve ser protegida, “porque é um bebê”, “porque não entende”. Falar isso para a criança maior é injusto. Pontue para a criança menor que ela está errada ao se comportar assim (independentemente da idade) e ensine a criança maior a fazer a troca de brinquedos por algo que ela não queira brincar, ofertando uma opção de brinquedo para o irmão. Se a criança menor não aceitar, ela fica sem, até o a maior terminar de brincar.

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A criança menor precisa ser ensinada a esperar e jamais tomar as coisas das mãos dos outros, e isso só acontece com prática. Para o adulto imaturo que acha que o trabalho dele é “calar a boca da criança” e evitar o choro a qualquer custo, esse direcionamento pode parecer equivocado, mas é preciso que as crianças entendam limites desde cedo e, se você cede, dizendo para o maior deixar o brinquedo com o menor para ele parar de chorar, você, além de ser injusta (afinal a criança maior estava usando o brinquedo primeiro), cria vários processos futuros. O maior pode entender que é responsabilidade dele fazer o menor feliz. O menor entende que o que ele quer é mais importante e passa a desrespeitar o irmão. E aí eu pergunto: que tipo de relacionamento você espera que seus filhos desenvolvam no futuro se comportando dessa forma?

Lembra do que eu falei sobre a culpa ser criada desde a infância? Pois bem, se você viu a situação acontecendo, ajude as crianças a entenderem o erro e a solução sem a necessidade de que uma delas assuma o que fez de errado. Quando você vê a situação toda, sabe quem cometeu o erro e mesmo assim pergunta quem fez isso aquilo, a única coisa que está procurando é humilhar a criança. Seja eficiente, direcionando a situação de forma clara. Por exemplo: “João, o papai viu que você puxou o cabelo da sua irmã e isso não se faz. Você gostaria que ela puxasse seu cabelo? Ela está triste, porque isso dói”. Se você não viu a situação desde o início, ouça as duas crianças e analise os fatos sem deduções, antes de fazer qualquer direcionamento.

Enquanto as crianças estiverem irritadas, não espere pedidos de desculpa sinceros. Adultos imaturos que pedem desculpas pelo que fazem de errado e, na primeira oportunidade que têm, cometem o mesmo erro aprenderam na infância a se livrar da culpa apenas dizendo “desculpa”. A criança precisa ser ensinada a se desculpar, sim, mas isso nunca deve ser imposto pelo simples motivo de que, enquanto ela não entender empatia (o que não acontece antes dos 5-6 anos), se desculpar não faz qualquer sentido. Vira um processo automático em que ela não entende o que realmente significa e apenas repete a palavra.

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Seu trabalho não é calar seu filho, mas isso não quer dizer que ele deva sozinho aprender a se autocontrolar. Tudo é treino e o que ele sente não é besteira! Ou seja, o exercício de autoregulação é feito em qualquer oportunidade e não apenas quando a criança já está descontrolada, brigando com o irmão ou com outra criança. Logo, ao perceber a irritação, foque no que pode ser feito:

  • Crianças menores de 18 meses perdem o foco rapidamente. Então, depois de mostrar o que pode ser feito, mudar o foco para outra coisa ainda é eficiente.
  • Ensine-a a respirar profundamente (para aquelas com 2 anos ou mais). Na primeira vez, faça de forma lúdica e tenha uma vela e uma flor para a criança visualizar o que tem que fazer. Peça para ela “respirar a flor e assoprar a vela”. Na hora do perrengue, apenas relembre: “Meu amor, vamos respirar juntos para se acalmar. Lembra da brincadeira da vela e da florzinha? Vamos começar a cheirar a florzinha e a assoprar a velinha para a gente se acalmar.”
  • Se a criança estiver muito nervosa, sem querer ser tocada, respeite e dê espaço. Apenas fique por perto para ela saber que não foi abandonada e se coloque à disposição para quando estiver pronta para conversar.
  • Crianças que precisam extravasar a raiva de forma física (algumas chegam a tremer). Direcione a energia para um objeto, como sofá, travesseiros/almofadas e deixe que ela se acalme chutando e batendo, apenas limite o que pode fazer para não se machucar ou quebrar alguma coisa. Com o tempo, ela começará a se acalmar mais rápido – e aí é hora de passá-la de fase, ensinando-a a respirar primeiro e só se precisar bater no sofá, até evoluir para que o sofá/almofada/travesseiro não seja mais necessário.
  • Algumas crianças aceitam abraços e, da mesma forma das que usam o sofá/almofada, precisam evoluir para que não precisem do adulto a longo prazo.
  • Ensine seu filho a pedir ajuda e a não revidar. Eu sei, para o adulto imaturo que aprendeu apenas a ver a posição de vítima como a certa, isso é um absurdo e a criança tem que aprender a se defender, sim. Peço que você pare por um minuto e pense comigo. “Criança” e “se defender” não deveriam sequer estar na mesma frase, porque isso, além de normalizar qualquer tipo de violência, reforça novamente a posição de culpa, vítima, e quer dizer que as necessidades de alguma criança (seja ela a vítima ou a agressora) estão sendo negligenciadas, então por que esse comportamento deveria ser reforçado?
    dois meninos sentados no banco de trás de um carro. Um deles está em uma cadeirinha. Eles sorriem olhando um para o outro
    (Cavan Images/Getty Images)

    O que eu sempre digo para as crianças é: “Se ele te bateu, ele está errado sozinho e eu vou me entender só com ele. Já se vocês dois batem, os dois estão errados e eu não quero saber nem qual o motivo da briga, porque bater não é aceitável”. Entenda, se existem duas crianças brigando, significa que ambas precisam de direcionamento e, independentemente de serem ou não irmãos, enquanto isso não for feito, sempre existirá a vítima e o agressor.

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    Todas as crianças de que cuidei, com o tempo, paravam de usar a força e os gritos para serem ouvidas, e começavam sozinhas a direcionar a situação. Quando não tinham resultado, me chamavam para resolver. Então por que com seu filho seria diferente? Será mesmo que o problema está nele ou na sua falta de disposição e habilidade para fazer o que é preciso? Entenda, a sua infância e as suas dificuldades emocionais não precisam definir a vida do seu filho, e a criança necessitar da ajuda de um adulto para resolver algo que ela ainda não consegue entender não é fraqueza.

    Em resumo, lidar com as brigas entre irmãos requer paciência, compreensão e um constante esforço por parte dos pais. Não se trata apenas de silenciar o conflito, mas sim de guiar os filhos na jornada do autocontrole emocional e do respeito mútuo, porque, sim, ser irmão não basta para se ter paz dentro de casa e relacionamentos precisam ser cultivados diariamente.

    Lembre-se de que o amor e a orientação dos pais desempenham um papel fundamental na formação de relacionamentos saudáveis entre irmãos, que podem durar toda a vida. Portanto, em vez de encarar as brigas como obstáculos insuperáveis, encare-as como oportunidades de crescimento e de aprendizado para você e para seus filhos, que, com o tempo, se tornarão adultos mais capazes de lidar com suas próprias emoções e relacionamentos de maneira construtiva.

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