Alô, empresas! Mães solo precisam de rede de apoio no trabalho também!
Muito se fala da ajuda de familiares e de amigos, mas pouco se faz dentro do ambiente profissional, um dos lugares que a maternidade também deveria ocupar
O berçário liga no meio do expediente e lá vou eu buscar o filho com virose. Ou tem consulta com a fisioterapeuta, a pediatra, a tia da vacina, seja lá quem for, com os horários que também caem no mesmo momento daquela reunião importante. Eu estaria com meus dias contados no emprego, caso não trabalhasse em um lugar que entende a maternidade como algo natural e que existem imprevistos. “Seu filho é sua prioridade, a gente vai conversando e se ajeitando”, repetem as pessoas da equipe.
Sou sortuda e privilegiada de ter uma gestão como essa, mas, ainda assim, a pressão interna é grande. Na minha cabeça, é preciso performar incrivelmente, ser uma ótima mãe, uma filha exemplar, e mostrar como dou conta da minha maternidade solo, afinal, “eu que escolhi e assumo as consequências”. Vozinha chata, essa, né? Dialogando com ela, a pedido da minha analista, fiquei pensando sobre o quanto ainda precisamos expandir a rede de apoio para os campos que a mãe ocupa, especialmente o profissional, que, cada vez mais, aparece como uma forma intensa de conexão da mulher com seus desejos e sonhos do antes e depois do nascimento dos filhos.
Em casa, minha mãe me ajuda com os imprevistos e nos afazeres domésticos – isso sem contar as experiências que trocamos. “Quando você nasceu, não tinha como não pensar em trabalhar, pois precisava colocar comida dentro de casa. Estou aqui para o que você precisar. O trabalho mantém a nossa mente ativa e isso faz bem para uma mãe”, afirma dona Laura, que assumiu o papel de avó e aproveita o novo “status” para fazer com o Francisco o que não pôde fazer com a filha, como levar para tomar vacina, pois estava presa no escritório. Quem ia comigo aos compromissos médicos era a Cleide, que trabalhava em casa e foi de suma importância na minha criação, fora as cuidadoras da creche.
Voltar para o interior de São Paulo e construir uma rede de apoio que me possibilitasse crescer em outros setores parecia um enorme passo para trás. Contudo, essa decisão foi um grande avanço, que, infelizmente, não vejo acontecer com as outras pessoas.
Ei, Recursos Humanos! Ser mãe não é um defeito, não! Metafórica que sou, tive a ideia para o tema desta coluna durante uma aula experimental de Crossfit, quando me vi segurando um bebê de quatro meses, enquanto a mãe dele fazia movimentos de Levantamento de Peso Olímpico. Naquela hora, o ambiente cheio de obstáculos estava sendo ocupado por uma mãe que já praticava a modalidade antes do parto e, após autorização da médica, voltava para suas aulas, performando cada vez melhor, conforme o tempo passava. Até o nosso treinador segurou o menino, sabendo da vontade da aluna de progredir! No trabalho, o raciocínio seria o mesmo: a maternidade chega para somar e não para ser algo negativo e que vai contra a mulher numa entrevista de emprego.
Com isso em mente, fui pesquisar nas redes sociais e ouvi histórias de mulheres que foram demitidas após a licença-maternidade ou que têm dificuldade de encontrar um trabalho com uma criança pequena. Ao todo, falei com 30 mães solo e não solo. “Me promoveram enquanto estava grávida, para aparecer num vídeo de Dia das Mães da empresa, mas me demitiram depois da licença-maternidade” relembrou uma delas. “A gerente parecia descolada, cheia de comunicação pró-mulheres. Depois de várias etapas do processo de seleção, ela me disse que não havia passado para a vaga, mesmo sendo muito qualificada, justamente após comentar que tinha um filho de nove meses”, relatou outra. Diversos depoimentos, mesma temática cruel.
Ao meu ver, os recrutadores precisam atualizar seus parâmetros de tempo e de entrega, para que o ambiente de trabalho se torne a extensão da rede de apoio. Uma mãe com ajuda tende a fazer tudo melhor, não é isso que falam? Na minha maternidade solo, com dona Laura e outras pessoas envolvidas, consigo ter saúde física e mental, e, aos poucos, transformar o olhar de culpa em satisfação por ver essa nova Tainá se desenvolver e alcançar mais coisas. Então, a pergunta que fica é: por que vemos tantas mulheres que querem trabalhar perdendo espaço nas firmas?
Um levantamento feito pelo portal Empregos.com.br, de 2023, aponta que 56% das profissionais já foram desligadas ou conhecem outra mulher que foi demitida após a licença-maternidade. Calma, que tem mais: das 273 mães ouvidas, com idades entre 18 e 45 anos, 4 em cada 10 relataram que já se sentiram discriminadas em um processo seletivo ao contarem sobre a maternidade. Além disso, 94,5% das participantes disseram que nunca tiveram a mesma oportunidade de promoção estando grávidas ou após a licença-maternidade. Detalhe que tudo isso acontece em um país que tem cerca 54% da mão de obra feminina, conforme aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Falando especificamente de maternidade solo, os dados mostram o déficit da rede de apoio. De acordo com um levantamento feito pela Janaína Feijó, pesquisadora da área de Economia Aplicada da FGV IBRE, de 2022, a maior parte das mães solo, cerca de 72,4%, vive em domicílios monoparentais, sendo compostos apenas por elas e seu(s) filho(s). “Ou seja, as mães não moram com parentes ou agregados que teriam o potencial de ajudar nas responsabilidades familiares e na promoção do equilíbrio entre vida pessoal, família e trabalho”, pondera Janaína. Além disso, entre os anos de 2012 e 2022, o número de domicílios com mães solo cresceu 17,8%, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões.
Essas informações só reforçam a pungente necessidade de ampliação da rede de apoio no trabalho e nos lugares que a mãe quiser. Por isso, se vocês, donos de grandes, médias ou pequenas empresas, acham que uma funcionária recém-parida vai dar mais ônus do que bônus, vocês estão completamente errados. A tal da “governança” da sigla ESG precisa ser colocada em prática e ter mais mães dentro das empresas é uma ótima maneira de começar!
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