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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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Você já sentiu raiva do seu filho?

Sentimentos como esse mostram a ambivalência da maternidade: cheia de amor, mas também de frustração

Por Juliana Mariz
26 dez 2022, 09h00

Pergunta difícil essa do título, não? Temos muitas dificuldades em falar sobre esse sentimento, imagina, então, assumir que filhos podem causar esse incômodo. Mas vou escrever aqui a minha confissão: eu já senti raiva das minhas filhas. Não é um sentimento do qual me orgulho. Ao contrário, me traz muito desconforto e vergonha, mas acontece.

Entendi, com o tempo, que essa sensação ruim (veja, tenho até dificuldade de escrever a palavra “raiva”) vai muito além do estresse de ver a filha fazendo birra no meio do shopping ou se negando a ir embora da festinha. Me lembro que, quando elas eram pequenas, tive uma explosão porque elas não paravam de brigar e eu estava trabalhando. Foi uma cena que não me esqueço jamais porque me mostrou, sem nenhum retoque, o quão ambivalente a maternidade é: muito amor, mas também frustração.

Com o crescimento delas (hoje estão com 10 e 13 anos), senti que essa combustão sentimental é acionada por outros motivos e que esse processo esconde questões pessoais. A raiva é a manifestação de alguma expectativa minha que não foi atendida e que, na grande maioria das vezes, elas não podem ser responsabilizadas.

Com essa idade, fica mais evidente a personalidade, a identidade, os posicionamentos, as vontades, as tendências de comportamento, as escolhas… Como se nossa propensão natural de guiar seus caminhos e, confessamos, manipular algumas decisões, não tivesse mais espaço. A individualidade delas está cada vez mais latente.

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Não quero expô-las, por isso vou dar um exemplo genérico, quase ficcional, mas que expressa o que estou tentando dizer. Imagina que sua filha tenha sido convidada para dançar uma coreografia sozinha no palco, algo que ela faz muito bem, treina e se esforça, mas, alegando vergonha, ela recusa. Em uma situação dessas não tenho dúvida de que eu acolheria seus sentimentos, mas talvez também sentiria raiva. E, dependendo do nível do estresse do dia, poderia, ou não, manifestá-la.

Filha de costas para a mãe. Ambas com cara de brava
(Choreograph/Thinkstock/Getty Images)

O que essa raiva exprime? Obviamente uma frustração de expectativa. Quem não quer dançar sozinha no palco? Mas essa frustração nada mais é, como disse, uma expectativa minha não atendida. Esses sentimentos todos falam também sobre o ego de uma mãe que queria ver a filha ser aplaudida. Se eu for além, poderia até ligar para minha amiga psicóloga ou para a outra psicanalista para questionar se isso também não é a manifestação de um desejo meu que estou jogando para cima dela. E, para finalizar, a situação traz o desconforto de perceber a vulnerabilidade dos nossos filhos. Uau, quanta coisa, não?

Nos deparar com esses sentimentos, digamos, negativos diante do filho e desbancar a ideia de que eles vêm ao mundo para serem a fonte da nossa felicidade. Se você ainda pensa assim, por favor, esqueça. Não é justo com eles e é extremamente utópica essa perspectiva. Felizmente, a era da hashtag maternidade real nos trouxe essa percepção.

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Como lidar com o turbilhão de emoções?

Eu procuro rastrear essa raiva. É um percurso interno, que exige nos autoconhecermos e praticarmos uma honestidade emocional. Permite que a gente encontre o caminho do diálogo ou mesmo do pedido de desculpas. Mães sentem raiva e isso é humano. Melhor ainda, isso permite que seu filho seja humano também, com erros, acertos e pedidos de desculpas. Como diz a psicoterapeuta Philippa Perry, “crianças não precisam de pais perfeitos para se sentirem seguras. Elas precisam de pais autênticos e sinceros.”

E, então, você já sentiu raiva do seu filho?

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