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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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Coluna Cultivo Materno: Quem inventou a tristeza?

Crianças ficam tristes, mães não têm respostas. Além disso, precisamos, de tempos em tempos, rever nosso papel e lugar

Por Juliana Mariz
20 set 2022, 15h20

Em um dia que estava cabisbaixa, minha filha de dez anos soltou a pergunta: quem inventou a tristeza? Parei o que estava fazendo, fiz cara de interrogação e disse meia dúzia de palavras bem pouco convincentes. Em seguida, soltei a pérola-clichê: quem sabe não foi a felicidade que inventou a tristeza para que a gente valorizasse mais os momentos alegres? Novamente não ganhei nem meio sorriso dela.

Aqui em casa, falar sobre emoções sempre fez parte da rotina. As informações acessíveis sobre a importância de termos uma mínima “alfabetização” emocional me ajudaram a priorizar conversas sobre sentimentos. Fazer com que minhas filhas identificassem se estavam com raiva ou ansiosas era (e ainda é) tão importante quanto comer verdura ou aprender uma segunda língua.

Para além da validação dos atuais mestres da educação parental, ter intimidade com o que sentimos é, para mim, pavimentar uma existência com mais autonomia. Autoconhecimento inclui inteligência emocional. Quando me conheço emocionalmente, evito atropelar quem está na minha frente, consigo ser mais gentil, amadureço emocionalmente. É pelas vias do afeto que vamos mudar a dinâmica das relações. Isso é um valor para mim, portanto, inevitável fazer parte das conversas familiares.

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Com isso em mente, fui a mãe que comprou livros sobre emoções; que buscou escolas que valorizassem a educação emocional; que ensinou as filhas, ainda pequenas, a extravasarem suas emoções; que validou os sentimentos negativos; que fez desenho de emoji para traduzir o dia ruim… Mas paralisei com a pergunta de supetão: quem inventou a tristeza?

Criança pintando arco-íris na janela
(Elizabethsalleebauer/Getty Images)

Minha filha queria nome e sobrenome. CPF, se possível. E, com esses dados nas mãos, talvez plagiaria Chico Buarque, cobrando: “Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar”. Porque ela, que estava num momento infeliz, queria voltar a ser a criança saltitante, serelepe e falante de antes. Mas sabia que primeiro teria de transpor esse momento nublado.

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Resolvi recorrer a uma amiga, Janaína Afhonso, que é especialista em educação emocional e foi uma das inspirações para mim e minhas meninas quando o assunto eram nossos sentimentos. Ela tem um projeto incrível e lúdico chamado Voe, Voa. Acionei-a e perguntei: quem inventou a tristeza? Ela respondeu: “A alegria inventou a tristeza para que a gente soubesse valorizá-la como ela merece. A tristeza também é valiosa e tem seu espaço dentro do nosso coração. Só que ela não fica guardada nele. Ela não mora lá. Às vezes ela vem de visita, fica um tempo até a alegria convidá-la a se retirar porque já não tem espaço pra ela ali.”

Obviamente (e felizmente) o sorriso voltou para o rosto da minha filha e eu relembrei a lição elementar da maternidade: crianças ficam tristes, mães não têm respostas. Além de não termos respostas, precisamos, de tempos em tempos, rever nosso papel e lugar. A conversa sobre tristeza com uma criança de dois anos é absolutamente diferente com aquela de 10 ou de 15. Nossas repostas não serão suficientes. Porque chega um momento que ser mãe é estar ali só para ajudá-la a se reorganizar internamente e lembrá-la que a vida é feita de alegrias e tristezas.

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