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Cansada, mãe?

Lia Abbud é jornalista e uma das criadoras do @Fatigatis, um projeto de conteúdo sobre estresse materno que propõe estratégias em direção ao bem-estar físico e mental feminino.

Cadê minha identidade que estava aqui?

A avalanche de coisas pra resolver nos faz esquecer de quem somos, do que queremos, do que gostamos. Pra começar, você tem uma playlist pra chamar de sua?

Por Lia Abbud
16 jan 2021, 16h00
 (RossHelen/Getty Images)
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A perda de identidade das mulheres depois da maternidade é uma questão recorrente em conversas entre amigas, em consultórios ou em palestras. Acho que a gente mergulha tão fundo neste novo papel que vamos, pouco a pouco, nos esquecendo de como éramos antes de ter filhos, do que gostávamos de fazer, do que almejávamos pessoal e profissionalmente, quais eram nossas escolhas de lazer e descanso.

Nossas conversas, preocupações e relações de amizade começam a girar em torno dos filhos. E, muitas vezes, quando nos damos conta, eles já estão com dez anos e a gente ficou todo esse tempo sem exercer como gostaria outras atribuições, como o de amiga, mulher, filha, irmã, prima, estudante, aventureira, baladeira, viajante…

Eu já senti essa perda de identidade diversas vezes e em diferentes intensidades. Não ligava, por exemplo, de ser chamada de “mãe da Isabela” ou “mãe do Léo” pelos amigos dos meus filhos quando eles eram pequenos. Não entendia como uma descaracterização, mas como a forma mais fácil de eles se expressarem naquela faixa etária. Por outro lado, achava estranho quando a equipe de enfermagem das maternidades onde tive as crianças me chamava de “mãe” ou “mãezinha”. Eles sabiam meu nome, estava na pulseira, na porta do quarto, no prontuário médico. É claro que eu era a mãe do bebê recém-nascido, mas também era uma paciente adulta.

“Quis ser mãe? Agora não reclama…”

Mas o que mais me incomoda, assim mesmo, com o tempo verbal no presente, apesar de meus filhos terem 14 e 10 anos, é a falta do espaço social, do controle da agenda e do protagonismo da própria vida. E, atenção, nada disso tem a ver com arrependimento em ser mãe. Tudo relacionado a manter minha identidade, minha riqueza de papeis possíveis.

É como se a mulher-mãe não tivesse mais direito a frequentar alguns lugares ou de passar algum tempo longe dos filhos, cuidando de si, dos seus prazeres, do seu descanso. Como se houvesse uma convenção dizendo que a mulher que escolheu ser mãe é obrigada a abrir mão de todos os seus outros papéis. “Quis ser mãe, né? Agora não dá pra reclamar de ter que assumir essa função”, diriam por aí…

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Sobre protagonismo e controle da agenda, sinto que até o pequeno núcleo familiar se esquece que temos direito a escolhas nas coisas simples do dia-a-dia, como o que assistir na TV, que restaurante ou tipo de comida nos fariam felizes naquele dia, se preferimos descansar a brincar, se gostaríamos de ter meia hora pra nos arrumarmos com calma antes de sair, sem correria, sem gritaria, sem lembrar fulano ou ciclana de pegar não sei o quê!

Quando percebi que tinha de me encaixar nas “brechas” da agenda da família, fiquei bem incomodada e é isso que venho tentando mudar há alguns meses. Concluí que é uma “culpa compartilhada”: ao mesmo tempo em que fui atropelada pela carga mental decorrente dos cuidados com casa e filhos, talvez não tenha me posicionado da forma correta e no momento adequado.

Me mostrei disponível demais, ainda que o cansaço estivesse regularmente presente? Me invisibilizei? Mergulhei demais e esqueci de sinalizar? Não sei responder, mas a conjunção de fatores levou a esse lugar, do qual estou conseguindo sair aos pouquinhos, pontuando o que gosto, o que quero e quais meus outros papeis quero incluir de novo na minha vida.

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Encontro marcado comigo

A manutenção ou reencontro com nossa identidade pode estar nos detalhes, como este que percebi recentemente. Por anos o som do carro trabalhou em função dos gostos musicais da minha filha e do meu filho, fazendo rodízio entre os CDs preferidos de um e de outro. Não era algo que me incomodava. Aliás, até me ajudava, porque ficavam entretidos cantando e brincando.

Mas o tempo passou e o mundo migrou para o Spotify. Certo dia, no carro, minha filha deu um toque no irmão: “Hoje quem escolhe a playlist é a mamãe. Há muito tempo ela vem ouvindo nossas músicas, está na hora dela decidir o que está a fim de ouvir”! Achei justo. E foi legal notar que ela tinha essa percepção. Agora pasmem: eu não tinha playlists pra chamar de minhas. Eu simplesmente não sabia o que queria ouvir! Tinha me acostumado com um gosto que não era meu e esquecido que tinha o direito de escolha.

Às vezes, a avalanche de coisas pra resolver pelos outros e para a casa nos faz esquecer de quem somos, do que gostamos, do que queremos. E esses chacoalhões fazem a gente lembrar de se colocar de novo no centro da nossa própria vida.

Prestemos mais atenção em nós, mulheres, com a forma como conduzimos nossa vida pós-maternidade; e nós, sociedade, sobre que tipo de restrição ou expectativa estamos impondo às mulheres-mães. Para começar, que tal renovar sua playlist?

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