Depois da pandemia, ao vermos notícias falando sobre micro-organismos causadores de infecções, que se espalham e são notificados simultaneamente em vários lugares do mundo, é quase impossível frear a preocupação. Estamos em perigo? Teremos que nos isolar novamente? A saúde vai entrar em colapso? É verdade que o fungo Candida auris, cuja existência foi relatada pela primeira vez na Ásia em 2009, tem causado uma inquietação global. Já foram confirmados, inclusive, casos no Brasil – um deles em um bebê prematuro, internado em Campinas, no interior de São Paulo. Mas (ainda) não há motivo para pânico generalizado e, aqui, especialistas explicam o porquê.
De acordo com o pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), esse fungo da família Candida, como acontece com os fungos em geral, não costuma causar doenças graves em pessoas sadias. “O Candida auris é uma levedura que, normalmente, cresce na pele. Então, vive em nossas axilas, no nariz, na boca, no ouvido, na virilha, sem grandes problemas”, descreve o especialista.
O micro-organismo se torna uma ameaça quando há uma oportunidade – por exemplo: por conta da imunidade comprometida ou por ser uma pessoa que esteja internada, manipulada com cateteres, sondas, tubos de ventilação. “Ou seja, se houver alguma porta de entrada para que esse fungo provoque uma contaminação invasiva, entrando pela corrente sanguínea”, explica o médico. Nessas situações, sim, o quadro pode se tornar grave, com septicemia ou infecção generalizada.
Segundo o infectologista Marcelo Cordeiro, do Sabin Diagnóstico e Saúde, a contaminação costuma ocorrer dentro de hospitais, por meio da disseminação do fungo por contato com superfícies ou dispositivos. “A transmissão pode ser feita, eventualmente, por profissionais de saúde, quando não adotam práticas de higienização das mãos ou não fazem procedimentos invasivos com o material adequado, levando, assim, o fungo de um paciente para o outro”, exemplifica.
“São infecções que podem acometer vários locais do organismo, mas especialmente a corrente sanguínea. Se o fungo invade e se prolifera, causando a doença, ele circula no sangue e, assim, pode atingir vários outros órgãos, como olhos, rins, coração e também os ossos. Por isso, essa infecção no sangue é o que tende a levar a situações mais graves”, aponta o médico. Entre os possíveis sintomas estão febre e calafrios – sinais que o paciente, por estar debilitado, já pode ter apresentado antes. Diante disso, o diagnóstico deve ser feito por meio de exame laboratorial.
Por que o Candida auris se tornou uma ameaça à saúde global?
Se todos convivemos com esse tipo de fungo na pele, por que a contaminação tem chamado a atenção de autoridades e especialistas em vários cantos do planeta, incluindo o Brasil? “Atualmente, nos deparamos com uma variante dessa Candida que oferece muita resistência aos antifúngicos habituais”, aponta Kfouri. Daí ter sido chamado de “superfungo”.
Assim como as “superbactérias”, mais resistentes aos antibióticos conhecidos, fica difícil encontrar medicamentos para combater esses micro-organismos fortalecidos. “Os antifúngicos disponíveis são pouco eficazes, o que acaba levando a uma alta letalidade”, explica o infectologista. “Mas é um problema de controle de infecção hospitalar. Não é como as micoses ou outras doenças comuns causadas por fungos”, ressalta.
Há motivo para pânico?
Por enquanto, não. Cordeiro reforça que, até o momento, não existem indícios de que o fungo possa sair do ambiente hospitalar e causar doença em pessoas com a imunidade adequada, na comunidade. Porém, é preciso manter uma vigilância estreita e adotar medidas de prevenção. “É fundamental ter uma estrutura de laboratório nos hospitais, que permita identificar infecções em pouco tempo. Se não, isso pode se disseminar com muito mais rapidez”, reforça.
Medicamento é coisa séria!
Os superfungos como o Candida auris se tornam mais resistentes aos medicamentos conhecidos por conta do uso inadequado. Logo, é essencial que as pessoas evitem se automedicar e tomar remédios sem necessidade.
“A partir do uso indiscriminado de medicamentos, acabamos selecionando, muitas vezes, os germes mais resistentes”, aponta. “Por isso, nada de automedicação e, se o médico prescreveu um tratamento de dez dias, faça os dez dias e não pare apenas porque melhorou. O uso inadequado, inadvertido e a interrupção dos tratamentos são fatores predisponentes para o desenvolvimento de resistência, seja de fungos, bactérias e até de vírus”, afirma o especialista.