Diagnosticada com uma mutação genética rara, uma menina de 11 anos que vive com a família em Irati, na região central do Paraná, e que pesava 200 kg, conseguiu na Justiça o direito de ser submetida a uma cirurgia bariátrica – procedimento popularmente conhecido como “redução de estômago”, que diminui o tamanho do órgão.
“Os quadros de obesidade ‘comuns’ são gerados principalmente por hábitos de vida inadequados. No entanto, há quadros muito graves e de início muito cedo – nos primeiros anos de vida – que devem nos alertar para o diagnóstico do que chamamos de obesidade monogênica, ou seja, causada por alguma mutação mais grave, que geralmente atrapalha o mecanismo de fome e saciedade”, alerta Ludmila Pedrosa, endocrinologista pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
É justamente esse o caso da paciente, que tem sido chamada de “M.” para ter a identidade preservada: ela apresenta uma mutação genética no receptor de melanocortina tipo 4, que fica no hipotálamo (uma região do cérebro) e que ajuda a sinalizar a sensação de saciedade. “Quando o receptor está alterado, a melanocortina não consegue exercer sua função. É como se tivéssemos a chave, mas não uma fechadura adequada. A chave simplesmente não consegue abrir a porta”, explica a médica.
Segundo a mãe da garota em entrevista ao G1 PR, a filha já tinha sobrepeso desde bebê e a situação foi piorando com o tempo. Tanto que, com 200 kg, ela já não conseguia se movimentar como uma criança saudável, precisando de ajuda até para tomar banho. Além das limitações e dos possíveis problemas de saúde decorrentes do quadro, M. ainda enfrentava bullying na escola e a família evitava certos lugares para que a menina não sofresse com os olhares de julgamento.
Acompanhamento multidiscilpinar
Depois de ter o direito à cirurgia negado pelo Sistema Único de Saúde, que se baseou na idade mínima estabelecida pelo Ministério da Saúde (16 anos), a família recorreu junto à Assistência Social e ao Conselho Tutelar de Irati, e a Justiça determinou, em setembro, que a bariátrica poderia ser realizada. A decisão levou em conta que os riscos do procedimento eram menores do que os da obesidade, considerando também que tentativas anteriores de tratamento não deram certo.
“A cirurgia bariátrica, nesse caso, pode ser uma medida paliativa, pois é uma obesidade extremamente grave. Claro que a causa de tudo (a mutação) continua, mas a cirurgia pode ajudar a melhorar o peso e contornar os efeitos da obesidade no corpo da menina, como diabetes, esteatose hepática (que é o acúmulo de gordura no fígado), elevação do colesterol e até mesmo problemas de locomoção. Mas o problema não termina aí. É necessário um acompanhamento multidisciplinar contínuo por toda a vida para a criança e para a família”, alerta a endocrinologista.
A garota foi internada no final de outubro para o pré-operatório e passou por uma rotina de consultas com profissionais de diversas frentes, como fisioterapia, psicologia, psiquiatria e nutrição. Nesse período, perdeu cerca de 15 quilos e foi submetida à bariátrica no último dia 8 de dezembro, mas ainda não tem previsão de alta hospitalar.
Agora, segundo a mãe, M. está bem, porém ainda deve passar algumas semanas internada, saindo apenas quando estiver plenamente recuperada.