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“Minha filha tem Síndrome de Down e está na UTI no meio da pandemia”

Em um relato emocionante, a mãe Pâmela Galvão conta como foi dar à luz durante o pico da covid-19 e ver a filha ir à UTI Neonatal neste momento crítico.

Por Alice Arnoldi
21 mar 2021, 10h00

Descobrir uma gestação durante o ano de 2020 foi um turbilhão de emoções. Enquanto a esperança batia à porta com a nova vida a caminho, o medo também mostrava-se presente e não por acaso. Ainda que, até o momento, estudos indiquem pouca possibilidade de transmissão vertical da covid-19, vivenciamos facetas mais perigosas da doença e com a consciência de que gestantes fazem parte do grupo de risco do coronavírus.

Foi neste cenário desafiador que a escritora e fotógrafa Pâmela Galvão, de 35 anos, deu à luz Melissa. No dia 9 de março, a pequena chegou ao mundo trazendo alegria aos pais que a aguardavam ansiosamente. Mas também a dolorida realidade de ter que ser encaminhada para UTI Neonatal por ter Síndrome de Down, condição genética que tende a acarretar em outras comorbidades. No caso de Mel, é um problema no coração que demandará uma cirurgia daqui quatro meses.

Ainda à espera de que a recém-nascida tenha alta e possa ir para casa pela primeira vez, Pâmela contou como foi desde a descoberta da gestação da primogênita até a dor de ver a filha na UTI Neonatal em plena pandemia. “É chegar nove horas da manhã e sair dez da noite, o tempo todo com medo: de um diagnóstico, de um resultado de exame e de ser contaminada pela covid-19”, desabafa a mãe.

Veja o relato dela na íntegra: 

“Estou há 20 anos com o meu marido e foi uma gravidez bastante planejada. Do momento que decidimos ter filho, eu comecei a fazer tabelinha e, logo depois de dois meses, descobri que estava grávida.

O que fez com que eu desconfiasse foi que comecei a sentir muito sono e eu tenho muita insônia. Então, fiz um teste de farmácia e ele deu positivo. A primeira pessoa para quem eu contei foi a minha mãe, e refiz o teste antes de contar para o meu marido, porque achamos o processo muito rápido.

Quando eu contei para ele, como estávamos nesse momento de pandemia, queria fazer uma surpresa e produzi um vídeo. A reação dele foi super legal, porque ele também não acreditava e até pediu para que eu fizesse o de exame sangue para conseguir acreditar de fato. Afinal, tínhamos passado tanto tempos juntos e isso nunca tinha acontecido”.

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O início do diagnóstico da Síndrome de Down

“Com desenvolvimento da gestação, já foi detectada uma alteração na translucência nucal (medida da região da nuca do feto) no primeiro ultrassom morfológico, aos três meses. Recebi esse diagnóstico sozinha, já que com a pandemia, eu não podia entrar com acompanhante. Fiquei muito assustada quando o médico levantou a possibilidade, mas ele falou que ainda não era um exame de diagnóstico. Era para irmos mais a fundo.

A partir daí, começamos a fazer outros exames e o médico pediu um de sangue que dizia que ela tinha 50% de chances de ter a Síndrome de Down e 50% de não ter. Ainda assim, todos os exames que fazíamos só mostravam que poderia ser alguma coisa. Por isso, trocamos de médico e, com esse novo ginecologista, ele pediu a amniocentese”.

Fazer ou não fazer o exame?

“A aminiocentese é um exame bastante agressivo, em que o médico conversou com a gente e eu tive, inclusive, que assinar um termo de responsabilidade para que tivéssemos a consciência de que corríamos um risco de aborto. Mas o especialista falou que era uma porcentagem mínima e aconselhou a fazer, até para entendermos o caso da Mel.

Eu decidir fazer exatamente porque era mais difícil conviver com a dúvida do que com a certeza que ela tinha, porque me corroía e eu não sabia para que lado ir. Então, eu agradeci muito a Deus por ter descoberto a Síndrome de Down durante a gestação, porque eu fui preparada para esse momento que estou vivendo hoje e pude preparar as pessoas próximas a mim”.

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A difícil conversa entre o casal

“Nós passamos por todos os processos: de desespero, medo, negação, questionamentos… Até chegar ao entendimento e aceitação. Mas ele foi bem rápido, por mais dolorido que tenha sido. Nós aceitamos as coisas como elas eram e conversamos muito sobre a possibilidade de dar positivo neste exame e o que faríamos a partir daí.

Nós lemos e fomos bastante instruídos de que pessoas, inclusive fora do país e de maneira legalizada, abortam crianças com Síndrome de Down. Eu tinha muito medo de que isso passasse na cabeça do meu marido e ele que passasse na minha.

Quando ele abriu o resultado da aminiocentese e leu, ele não conseguia me dar a notícia. Ficou enrolando, enrolando e quando ele me falou, olhei para ele e disse: ‘eu quero seguir com essa gestação. E você?’. Ele respondeu que também queria, que não havia nenhuma possibilidade de pensarmos em algo diferente. Foi quando o meu coração se acalmou. Nós estávamos pensando da mesma forma.

Soubemos também que até 80% dos casais se separam nesse processo, porque ou a mãe abre mão e o pai fica com a criança ou vice-versa. Então, além da Síndrome de Down, tínhamos medo disso afetar nossa relação. A partir do momento que tínhamos essa certeza de que ficaria tudo bem entre nós, minha preocupação virou outra: será que a saúde dela está bem?”.

O alívio de boas notícias

“Eu estava nesse processo de aceitação, mas tinha muito medo. Por isso, procuramos um especialista fetal que fez os exames para ver todos os órgãos da Mel, já que a Síndrome de Down acarreta em várias outras má-formações. Assim, o meu receio começou a ser que tivesse algo que não estava bem, porque em um dos exames já tinha apontado que ela tinha algo no coração.

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Quando o médico falou que o prognóstico da Melissa era muito bom, foi quando eu respirei e pensei: graças a Deus, é só a Síndrome de Down. Foi quando eu senti a minha aceitação. Porque o importante para mim é ela estar bem, e a condição era só algo a mais. Que vamos precisar trabalhar, que nós dois vamos ter que estimulá-la muito, mas esse não era mais um problema. Foi quando tudo mudou.

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Começamos a mostrar para as pessoas próximas e familiares quem era a Melissa, o que era a Síndrome e elas puderam passar por esse processo também. E foi muito desafiador, porque muitas questionaram, diziam que não conseguiriam se estivessem no meu lugar.

Foram muitas perguntas, mas eu percebia que as pessoas só queriam entender, porque é um assunto pouco comentado. Eu sabia que tinha sido difícil para mim e que também seria para as pessoas próximas naquele momento”.

A chegada da Mel

“Ainda durante a gestação, o médico já havia nos preparado de que, assim que a Mel nascesse, ela provavelmente teria que ficar dois dias na UTI Neonatal por causa do coração. Isso porque o problema que ela tem acaba fazendo com que o órgão mande muito sangue para o pulmão e isso deixa ela muito cansada. Eles até falam que o nome popular é ‘coração encharcado’.

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Desde então, vínhamos trabalhando essa ideia a todo momento. Só que quando eu cheguei aqui, o cenário foi outro. A Mel estava com previsão de nascer no final de março e depois mudou para o dia 17. Só que no dia 9, eu comecei a não senti-la mais mexer e entrei em desespero. Então, meu médico pediu para que eu viesse para São Paulo, já que eu estou morando no interior nesse momento de pandemia.

Quando cheguei, fiz os exames e ele falou que os resultados estavam preocupantes. Perguntei o porquê, já que eu via que o coração estava OK, mas ela tinha zero de movimento. Pediram para eu repetir o exame. Me alimentei, refiz, e ela se mexeu um pouco mais, só que ainda assim era grave. Foi então quando o médico falou: ‘seu parto vai ser amanhã’. Uau! Não estávamos esperando por isso.

Só que ele explicou que ela já tinha completado 37 semanas e, por isso, tinha saído da fase de prematuridade. Já estava formadinha. Não tinha por que segurar mais, já que postergar o nascimento dela depois dessa falta de movimentação poderia vir a nos dar outro susto e termos que operar de emergência”.

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Depois do parto… 

“Foi difícil demais entrar na UTI Neonatal. Ver minha filha na incubadora, precisando de respirador, se alimentando por sonda, olhar para o lado e ver tantas outras crianças com Síndrome de Down ou prematuras.

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É também desesperador vermos aqui o que só víamos pelo jornal, de UTI lotada, movimentação estranha no hospital… O tempo todo se ouve alguém entrando com suspeita ou alguém confirmado com covid-19. Às vezes, nós passamos por essas pessoas entre elevadores e não temos ideia se elas estão ou não com a doença – já que a maternidade fica do lado do elevador que vai para as UTIs. E o medo?

Por mais que a gente siga todo os protocolos de segurança, máscara e álcool em gel, parece que estamos sendo contaminados o tempo todo. Tenho a sensação de que vou entrar na UTI e levar o vírus para a minha filha. Saiu do controle. É chegar nove horas da manhã e sair dez da noite, o tempo todo com medo: de um diagnóstico, de um resultado de exame e de ser contaminada pelo coronavírus.

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Só que ao mesmo tempo que a gente entra com dor no coração, atravessa um corredor e chega em uma sala com medo do que vamos encontrar por lá, ir embora é também um dos momentos mais difíceis que vivemos todos os dias. É ir embora e deixar nosso coração aqui.

É olhar para o lado e ver tantas mães com cada filho precisando de algo. É de cortar o coração. São bebês que queríamos poder fazer diferente, fazer mais e, infelizmente, isso não depende de nós. Mas há uma equipe maravilhosa e eu tenho recebido treinamento.

Então, tem o lado bom de que eu estou recebendo um suporte que, talvez se eu saísse e fosse para casa, eu não teria. Sei que ela está em boas mãos e eu, como mãe, vou chegar lá muito mais preparada para amamentar, para pegá-la, enfim, ser o que viemos para ser: mãe e filha”.

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