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“Mater, do comecinho da palavra madrasta, significa, na verdade, mãe”

Confessionário: a fim de acabar com o estigma da "mulher má" e compartilhar experiências, Mari Camardelli criou uma comunidade que não para de crescer.

Por Carla Leonardi
Atualizado em 29 nov 2023, 10h41 - Publicado em 17 out 2022, 11h42

Mari Camardelli se tornou madrasta aos 28 anos de dois meninos: Augusto e Vicente. Algum tempo depois, engravidou da Flora e, durante a pandemia, aumentou mais uma vez a família com a chegada de Martim. Hoje, a casa dela conta com quatro filhos, já que Mari prefere não se referir a eles de forma separada – aqueles que nasceram de sua barriga e os do casamento anterior do marido. Afinal, são todos parte da mesma dinâmica familiar, que envolve rotina, compromissos, regras e, claro, afetos.

Durante o período de isolamento, ao ver sua empresa de eventos falir, Mari deu início a um trabalho que se tornou o projeto de sua vida: falar sobre ser madrasta e todos os desafios que isso envolve. Pela comunidade Somos Madrastas, que está ativamente presente no Instagram com o perfil @somos.madrastas, no Spotify com o podcast de mesmo nome, e no WhatsApp, a voz dela tocou a de outras tantas famílias que passam pelo mesmo processo. Hoje, aos 36 anos, ela trabalha compartilhando sua experiência e lutando para que o estigma da “mulher má” suma de uma vez por todas. Confira, a seguir, o depoimento completo que ela deu ao Bebê.com:

“Depois de ter uma empresa de eventos por mais de 10 anos e falir na pandemia, um grande evento aconteceu na minha vida: comecei um projeto sobre ser madrasta. Totalmente sem querer, acabei ficando conhecida por trazer luz para o tema da madrastidade e das relações entre novos casais pós-divórcio, e hoje trabalho como educadora parental, escritora e terapeuta de pessoas que buscam mais paz e harmonia em suas casas.

Eu tenho 36 anos, a idade em que começaram meus cabelos brancos e em que eu não tenho mais ressaca no dia seguinte depois de beber algumas taças de vinho: eu fico doente de cama! Sou casada há oito anos, tenho dois enteados e dois filhos, mas prefiro dizer que a minha casa tem quatro filhos, porque essa separação entre filhos do casamento anterior do meu marido e os da minha barriga não está com nada.

Me tornei madrasta com 28 anos, quando decidimos morar juntos. Eu fico pensando que a madrasta, além de ter esse lugar cheio de estereótipos, ainda tem mais uma questão complexa para dar conta: não existe gestação nem puerpério. Você casa e pronto: tem filhos para cuidar na sua casa! A gente vai se adaptando e trocando pneu do carro com ele em movimento, sabe?

Quando conheci os meninos, eles tinham 10 e 6 anos. Três anos depois, engravidei da Flora, que hoje tem cinco anos. E aí na pandemia, me sentindo um pouco entediada, engravidei de novo (risos de nervosa).

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Enfrentando preconceitos

Eu sempre gostei de crianças (mas isso não é garantia para nenhum tipo de maternidade, porque a vida real demanda muito mais paciência, dedicação e trabalho do que ‘gostar de crianças’), mas quando me vi como madrasta, mais que enfrentar as questões de criar filhos, eu comecei a enfrentar preconceito e muita rejeição, especialmente por parte de alguns amigos e familiares.

E o preconceito é uma coisa difícil. É você pagar um preço altíssimo por algo que não fez. É você ser julgada e avaliada com uma régua completamente errada: a régua dos tempos medievais, em que os casamentos eram para sempre e apenas quando a mãe morresse apareceria uma madrasta – e que não seria uma pessoa benévola e amorosa, como dizem os dicionários.

E por falar em dicionário, você já digitou a palavra madrasta no Google? É chocante! Retrata a madrasta como pessoa má e incapaz de sentimentos afetuosos, uma tristeza. Foi por isso que comecei um movimento para que os dicionários revisem essa definição – estamos com mais ou menos 7 mil assinaturas e eu convido você para assinar também!

Mari Camardelli família
(Mari Camardelli/Arquivo Pessoal)

Uma comunidade de apoio e troca de experiências

A coisa mais importante de ter criado uma comunidade para mulheres que se tornaram madrastas é que os problemas não acabam, mas agora temos companhia e apoio para lidar com tudo que envolve esse papel. Tem dias em que as mudanças que temos conseguido realizar parecem pequenas, mas precisamos lembrar que todo esse trabalho tem como razão de ser a vida das nossas crianças – então cada coisinha, por menor que seja, conta muito.

Uma madrasta que consegue se libertar do ciúmes que sente da mãe das crianças, uma mãe que procura a madrasta dos seus filhos para começar uma conversa madura e gentil, um pai que entende que a culpa da separação não pode ser o pano de fundo para a forma que educa seu filho, uma criança que sente que todos seus afetos e amores podem caber dentro dela sem se sentir traindo… São conquistas que me deixam extremamente feliz e agradecida.

A autora Chimamanda disse: ‘toda construção social pode ser desfeita’, quando se refere ao racismo. E eu pego essas palavras emprestadas para reforçar que a construção social de bruxa má em torno da palavra madrasta é uma narrativa que pode ser desmanchada, para que nesse solo possa crescer uma nova visão do termo: a que faz jus inclusive à sua origem, porque MATER, do comecinho da palavra madrasta, significa, na verdade, MÃE.”

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