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Discord e mais: os desafios perversos e como proteger crianças nas redes

Os usos possíveis da plataforma são variados e, muitos deles, positivos. Mas há casos preocupantes envolvendo adolescentes e crianças. Entenda!

Por Carla Leonardi
Atualizado em 3 Maio 2023, 18h33 - Publicado em 3 Maio 2023, 18h32
Ilustração de duas mãos enormes em vias de agarrar uma criança que está no meio delas. Ela usa um óculos de realidade virtual, parece ser uma menina e está usando uma blusa e um tênis vermelho e calça jeans azul. As mãos são azuis e o fundo é azul escuro.
 (Klaus Vedfelt/Getty Images)
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Talvez você nunca tenha ouvido falar nele, mas o Discord não foi lançado há pouco tempo – o aplicativo existe desde 2016, inicialmente como uma rede voltada para gamers. Hoje, a plataforma de chat que permite conversa em tempo real por texto, áudio e vídeo assume variadas funções e abrange um público cada vez maior: o Brasil é o segundo país no mundo com mais usuários, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

O problema é que, entre suas aplicações possíveis, está uma perversa: adolescentes e até crianças envolvidos em uma rede de violência extrema. É o que há de pior, com incentivo à automutilação, mutilação de animais, exposição sexual, chantagem, compartilhamento de conteúdo pornográfico, pedofilia, entre outros. Foi o que uma reportagem veiculada pelo Fantástico no último domingo trouxe à tona.

Você sabe o que o seu filho consome na internet?

Trata-se de um problema que saiu da deep web e chegou ao mainstream: conteúdos que não eram acessados facilmente estão, hoje, a um clique de qualquer pessoa.

Guilherme Alves, gerente de projetos da Safernet Brasil, organização que defende e promove os direitos humanos na internet, lembra que o Discord também tem usos positivos e o essencial, aqui, é que a família tome conhecimento. “Para o pai ou a mãe que sabe que o filho está no Discord, é importante tentar entender qual uso ele faz desse ambiente, porque não necessariamente está ligado a comunidades violentas”, ressalta. Ele destaca ainda a necessidade de conversar com o jovem (a depender da idade dele, certamente) antes de proibir o acesso, “justamente porque, muitas vezes, a proibição leva à curiosidade”.

Embora a plataforma exija uma idade mínima – 13 anos – para que novos usuários se registrem, cada país pode aumentar esse limite. Em diversas nações da Europa, a faixa fica entre 15 e 16 anos, por exemplo. No Brasil, segue-se a regra geral do aplicativo. Apesar disso, não faltam conteúdos pela internet que ensinam a alterar a data de nascimento.

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Vale lembrar que, para crianças, o acesso à internet deve ser limitado e controlado de perto. O porta-voz da Safernet salienta que, abaixo dos 12 anos, a supervisão no uso da tecnologia é fundamental. Imagine o seguinte: você deixaria seu filho sair na rua, em um lugar desconhecido, e conversar com absolutamente qualquer pessoa? Provavelmente não. Mas é isso que acontece no ambiente online quando não há controle.

Criança usando o celular no escuro. O rosto do menino, que tem por volta de 8 anos, está iluminado pela tela.
(Jasmin Merdan/Getty Images)

Precisamos desenvolver uma educação digital

A discussão é muito mais ampla, obviamente. O aplicativo do momento é um, mas logo poderá ser outro. “A questão é a dinâmica de uso e a fragilidade das políticas de privacidade e segurança para crianças e adolescentes”, alerta Eva Dengler, Superintendente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil.

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Ela ressalta que o ambiente digital ainda é muito pouco organizado, o que deixa os usuários constantemente vulneráveis a riscos. “É como uma praça pública: estamos expostos a todo tipo de situação. Assim, crianças e adolescentes ficam sujeitos à própria curiosidade. Essa curiosidade os leva para caminhos superperigosos e eles não imaginam a perversidade que existe”, afirma.

Embora a navegação seja intuitiva, ela não leva ao desenvolvimento de habilidades e competências para a utilização desses espaços. “Ou seja, não é um uso crítico, com informação prévia dos cuidados que devem ser tomados”, lembra Eva.

Ainda segundo ela, é importantíssimo que pais e cuidadores atuem nessa educação digital, mas a responsabilidade não pode ser só deles. “Cabe a nós, sociedade civil, trabalhar com bastante informação e orientação para que se possa estabelecer uma navegação mais segura (em um ambiente que não é seguro) para as crianças e os adolescentes”, pontua.

É preciso atribuir responsabilidades

Com o Marco Civil da Internet, as plataformas não são responsabilizadas pelo conteúdo nelas compartilhados e só são obrigadas a tirar algo do ar por meio de decisão judicial. Mas se, de um lado, grande parte da sociedade civil cobra a responsabilização dessas companhias, de outro estão as empresas que resistem a mudanças e usuários que temem uma suposta censura.

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“As próprias plataformas têm o dever de cuidar dos ambientes que oferecem”

Eva Dengler, da Childhood Brasil

“Esse é um dever legal, que está na nossa Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, destaca a porta-voz da Childhood Brasil. Se, segundo o Artigo 5º do ECA, “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, precisa haver responsabilização, afinal, essas plataformas criaram espaços que estão fora dos padrões da nossa sociedade, afirma a especialista.

Diálogo aberto com os filhos o tempo todo

Preparar os jovens para estar no mundo virtual é, hoje, tão essencial quanto no mundo “real”. Para isso, a conversa é primordial. “O que deve acontecer sempre é o diálogo sobre o uso desses espaços. Mas é um diálogo que não é só dizer ‘pode/não pode’, ‘vou controlar sua navegação, seu tempo…’. Isso faz parte, mas é também no sentido de educar para o uso desse espaço e para os riscos que existem nele. Como nossos pais faziam quando a gente ia para a rua e tinha uma série de orientações sobre o que fazer e o que não fazer”, Eva chama a atenção.

Além disso, é preciso ter um olhar cuidadoso ao momento de proporcionar o acesso dos pequenos à internet, permitindo o uso de celular, tablet ou computadores. Mesmo que na sua casa isso não aconteça, preparar a criança conforme ela cresce (de acordo com o nível de maturidade) é importante, já que isso pode acontecer, por exemplo, junto de amigos que eventualmente já possuam esses dispositivos.

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mão segura uma folha branca em que há o desenho de uma garota triste
(Melinda Podor/Getty Images)

Riscos e sinais de alerta

Os riscos a que os jovens estão expostos na internet são muitos: cyberbullying, cyberstalking, abuso e exploração sexual, exposição a conteúdos inapropriados, entre muitos outros. E a imaturidade aliada à falta de preparo para navegar de forma segura torna esses problemas ainda mais contundentes.

Por isso, além de manter o diálogo sempre aberto e observar a faixa etária de cada plataforma (vale lembrar que as redes sociais não são destinadas a menores de 13 anos – embora saibamos que esse não é um impeditivo real), há outras questões às quais é interessante que pais e responsáveis se atentem. Eva Dengler pontua as principais:

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  • Saiba quais redes seu filho usa, se ele está divulgando informações pessoais e se há interação com pessoas desconhecidas
  • Como ele se comporta na comunicação com o outro na rede social
  • Se ele gera imagens inadequadas (dele mesmo ou de outros)
  • Se tem atitudes como fechar o aplicativo quando você se aproxima ou se bloqueia o equipamento
  • Se está manifestando mudanças de comportamento que chamam a atenção (apresentar insônia, angústia, baixa de rendimento escolar, de autoestima, se está deixando de participar de atividades de que antes participava, se passou a se alimentar mal…)
  • Observe se há sinais físicos, como cortes de automutilação (em geral, em partes do corpo que ficam menos visíveis)

Entre a proibição e a orientação, há um meio-termo?

Filipe Colombini, psicólogo especialista em orientação parental e atendimento de crianças, jovens e adultos, e CEO da Equipe AT, faz um alerta importante: na criação dos filhos, certos limites são fundamentais e inegociáveis. Estamos falando, afinal, da segurança deles e do respeito em relação a si mesmos e aos outros. “O meio-termo é entender que algumas coisas são proibidas, sim. Pensando em regras, direitos e deveres”, aponta.

Não se trata, obviamente, de um retorno a métodos já ultrapassados de educação, pois dar limites nada tem a ver com coerção física ou emocional. Lembremos que o indivíduo em desenvolvimento precisa de balizas para aprender a atuar em sociedade.

“Não se pode falar em educação baseada em ‘liberdades’ sem lembrar que as liberdades também envolvem os limites e os direitos do outro”

Filipe Colombini, psicólogo parental

Isso também se refere a aprender a lidar com o desconforto – o dos próprios pais e aquele que eles precisam produzir nos filhos. Segundo Filipe, muitos responsáveis se tornam “reféns” dessa situação. 

“Eles podem construir uma relação afetiva de conexão discutindo – e estabelecendo – limites. Mas a ação precisa ser tão efetiva e coerente quanto a fala. Só falar sobre limites não vai impedir que os filhos acessem [conteúdos impróprios]. É preciso ter meios práticos e pragmáticos para os limites se fazerem visíveis e isso não é fácil, pois gera sentimentos muito difíceis”, finaliza o psicólogo, lembrando que esse aprendizado faz toda a diferença.

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