Depois de ter o primeiro filho, a funcionária pública Eliete Alves de Lima recebeu o diagnóstico de endometriose. Ela acreditou que não conseguiria engravidar novamente e ficou extremamente feliz – e surpresa – quando descobriu que estava esperando uma menina. A mãe passou por complicações na gestação e teve um parto prematuro: a pequena nasceu pesando apenas 380 gramas e ficou internada por quase 1 ano. Hoje, Beatriz tem 6 anos de idade e, apesar das sequelas, está se desenvolvendo bem. Leia esse emocionante relato:
“Minha história começa quando me casei, em 2001. Tive o meu primeiro filho três anos depois. Tudo corria bem na gravidez até a 37ª semana, quando o bebê entrou em sofrimento fetal e o parto foi feito às pressas, na verdade, no dia seguinte ao exame de ultrassom do pré-natal. Na época, não compreendi direito o motivo daquele parto prematuro e, falando a grosso modo, entendi que a placenta ‘envelheceu’. O meu primogênito nasceu com 2,1 kg e teve alta junto comigo pesando 1,9 kg. Nem de perto passamos pela tão temida UTI Neonatal.
Sempre quis ter o segundo filho, mas nos anos seguintes recebi o diagnóstico de endometriose. Por ler relatos que associam o problema com a maior causa de infertilidade feminina, não imaginei que fosse possível engravidar novamente – ao menos sem tratamento. A expectativa de não poder mais dar à luz me frustrava e, como se diz, ‘deixei as barbas de molho’. Esse assunto ficou esquecido por um bom tempo naquela gaveta que todos temos e não queremos abrir nunca mais. Sofri muito.
Após um longo período achando que não poderia ficar grávida, veio a grata surpresa do positivo no teste. Eu já sabia que, se fosse menina, chamaria Beatriz. Fiz o pré-natal como se deve e a previsão de nascimento era 02 de outubro de 2011, quando eu estaria com 40 anos, mas a pequena veio ao mundo em 22 de junho de 2011. Eu tinha 39 anos quando recebi o recado do médico: ‘A sua filha nasce hoje porque merece uma chance’.
Voltando um pouco, no dia 05/06/2011, um domingo, medi minha pressão arterial ao acordar (algo que eu estava fazendo todos os dias daquela semana) e ela estava alta. Como já tinha começado a tomar remédios para controlá-la, fiquei preocupada e liguei para o meu obstetra, que sugeriu que eu fosse ao pronto-socorro. Acabei ficando internada no Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo. Para mim seriam apenas três dias em observação, mas o tempo foi passando e a alta ficava cada vez mais distante. Foi quando me informaram que eu ficaria hospitalizada até o final da gravidez. Aprendi a duras penas que não temos o controle de absolutamente nada e passei a viver um dia de cada vez.
Fui diagnosticada com disfunção hipertensiva específica gestacional (DHEG) e, se me lembro bem, cheguei a tomar 4 medicamentos diferentes para que a gravidez se estendesse pelo maior tempo possível. Mesmo assim, eu ouvia diariamente que o meu bebê deveria pesar por volta de 500 gramas para ser um ‘bebê viável’. Com isso, eu fazia ultrassom com doppler diariamente para detectar o momento em que o parto deveria ser feito e, então, chegamos no dia 22/06 depois de muita angústia, expectativa, solidão, incertezas, mas uma fé inabalável.
Nessa data, o ultrassom marcou que a a minha filha pesava 480 gramas e a cesárea foi feita de emergência porque o sofrimento fetal poderia levar ao óbito. Como o exame apresenta uma margem para mais e para menos, achei que o peso estava próximo do que tinham me falado sobre a tal questão do ‘bebê viável’. Quando a Beatriz veio ao mundo com 380 gramas, só me vinha na cabeça que esse número estava bem aquém do desejável para a sobrevivência de uma criança prematura.
Eu não sabia ao certo o que pensar, o que esperar. Cada dia naquela UTI foi muito intenso e não dá para descrever em palavras o que senti ao ver minha pequena pela primeira vez e poder tocá-la. O primeiro colo aconteceu quando ela tinha 45 dias e assim fomos atravessando cada intercorrência até a sonhada alta, quando faltava apenas uma semana para que ela completasse 1 ano de vida. E nem preciso dizer que chorei muito no caminho do hospital para casa, né? O trajeto foi feito em uma ambulância, mas dessa vez as lágrimas foram de alegria.
Durante o período na UTI, eu ouvia, mas não entendia quando diziam que os bebês prematuros podem ser internados após a alta. E, claro, com a Beatriz não foi diferente. Ela passou por 12 internações (todas muito graves) em três hospitais diferentes e temos muita história para contar. Ao todo foram 7 cirurgias, dezenas de transfusões de sangue e uma série de complicações: como diálise peritoneal, apneias, broncoespasmos e também 5 paradas cardiorrespiratórias – sendo 3 em um período de 24 horas.
Recentemente, li uma frase que diz que ser mãe é ter o coração batendo fora do corpo. Eu suponho que os corações de mães de UTI congelam e fica quietinhos até o vendaval passar. Foram dias de muito sofrimento, mas nunca me desesperei na beira do leito. Quando a minha filha sofreu três paradas, confesso que me peguei pensando: ‘meu Deus, chegamos até aqui para morrer na praia?’. Foi quando um pai que estava lá colocou a mão no meu ombro e apontou a outra para o alto dizendo: ‘acalma o seu coração porque Aquele lá em cima ainda não falou a palavra final’.
Aquela frase me deu um alento que encheu o meu peito de esperança. Quando o cirurgião infantil chegou para fazer as dissecções, que foram três – na jugular, femural e arterial -, ele explicou todas as complicações do procedimento e perguntei: ‘é o que ela precisa nesse momento?’. Ele afirmou que sim e eu aceitei. Nesse instante, me aproximei da minha filha e disse: ‘mamãe não está te abandonando, jamais farei isso, mas conversa com o papai do céu e veja o que vocês combinam. O que decidirem, eu vou aceitar com resignação’. No procedimento, minha filha teve a terceira parada cardíaca e costumo dizer que naquele momento ela esteve com Deus e decidiu ficar.
Desde então, Beatriz tem surpreendido e esse ano é o terceiro que ela está cursando na escola regular. Há um relativo atraso em relação aos demais alunos e questões de otorrino e ortopedista bucal, que serão verificadas para a possibilidade de melhora do rendimento. Ela faz terapia ocupacional duas vezes por semana e fonoaudióloga de segunda a sexta – sendo dois dias voltados para a parte pedagógica e fala e três para a introdução de alimentos, que começou a evoluir neste ano e, em breve, no tempo dela, poderemos retirar a gastrostomia. Eu olho para trás e entendo que devemos lutar por aquilo que acreditamos. Eu acreditei verdadeiramente que estaria com a minha filha nos braços – independente de todas as tormentas. Outra lição que eu tive é que foi fundamental contar com o acolhimento humano de toda equipe multidisciplinar que nos ajudou nos momentos mais difíceis dessa jornada. A palavra de ordem é resiliência, sempre!”.