Bebês de poucos meses vão à creche; especialistas apontam prejuízos

O aumento da informalidade e a flexibilização de leis trabalhistas podem levar recém-nascidos às creches municipais. Entenda como isso impacta a sociedade.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 16 mar 2020, 09h41 - Publicado em 13 mar 2020, 17h50
O nome perfeito! Tendências 2024 e dicas importantes para os pais
O nome perfeito! Tendências 2024 e dicas importantes para os pais (Sally Anscombe/Getty Images)
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Entre 2016 e 2019, a Prefeitura de São Paulo conseguiu reduzir em mais de 50% o número de famílias aguardando por vagas na creche. Com isso, a cidade chegou ao seu menor índice na história, 9.670 crianças na fila.

Somada com o aumento da informalidade e do desemprego na capital paulista, a rapidez gerou um aumento no número de bebês pequenos na creche, que antes demoravam meses para serem chamados. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, atualmente 3.238 crianças com até cinco meses estão matriculadas na rede municipal, e há duas crianças nascidas no dia 26 de janeiro de 2020. 

Embora ajude as mães e pais que precisam voltar ao trabalho, o fenômeno é visto com cautela pelos especialistas. “Os primeiros meses de vida são um dos períodos mais importantes para o desenvolvimento infantil, e é fundamental que a criança fique sob cuidados especializados dos pais ou de uma pessoa, principalmente da família”, explica Pedro Hartung, coordenador do Programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. 

Essa pessoa de referência cuida não só da alimentação e das necessidades físicas específicas do bebê, mas dos estímulos que ajudarão no neurodesenvolvimento infantil. “A proximidade e o vínculo criam um relacionamento responsivo, por meio do qual a criança desenvolve sua própria autonomia física, psíquica e emocional”, destaca Hartung. 

Nesta etapa, é fundamental falar, embalar, sorrir, pegar no colo e interagir constantemente com o bebê, que por meio do cuidador é apresentada para o mundo que ainda não conhece. “Muitas vezes, essa separação tem impacto negativo não apenas para a vida futura criança, mas para os pais, que sofrem por não ter outra alternativa”, diz Hartung. 

Lembrando que no puerpério, período que se estende por até 45 dias depois do parto, a mulher passa por mudanças hormonais e vive novas e intensas emoções, um período estressante, onde o afastamento do filho pode facilitar o aparecimento da depressão pós-parto

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Prejuízos para a saúde 

Além do desenvolvimento do cérebro, a saúde física também pode ser prejudicada caso não sejam tomados cuidados específicos. “O leite materno é o melhor alimento nos seis primeiros meses de vida e, com o retorno precoce da mãe ao mercado de trabalho, a amamentação exclusiva fica comprometida”, aponta Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra membro da Academia Americana de Pediatria (AAP). 

Outro problema é o sistema imune, muito imaturo no início da vida. “Pode haver maior risco de infecções”, destaca Ejzenbaum. O pediatra destaca que o ideal seria esperar pelo menos o sexto mês de vida, quando as defesas do bebê já estão mais estabelecidas.

Por último, sofre a sociedade como um todo. “O prejuízo não é só da família, pois diversos estudos mostram que uma criança que não é cuidada adequadamente durante a primeira infância tende a ser um adulto menos produtivo, com menor índice de escolaridade e maior risco de doenças, o que aumenta gastos em saúde pública e impacta diretamente na economia do país”, ressalta Hartung. 

Mas e a licença maternidade? 

No Brasil, essa pessoa de referência para o cuidado nos primeiros meses geralmente é a mãe por conta da licença-maternidade, que é de 120 dias para elas e de cinco dias para os pais. O retorno precoce das mulheres ao mercado de trabalho chama a atenção, uma vez que a licença-maternidade é uma garantia da Constituição com o registro em carteira que não se alterou com a reforma trabalhista. 

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Mas a reforma, realizada há três anos, parece estar relacionada com este movimento. “Houve uma precarização das relações de trabalho que deixou o empregado mais vulnerável, e hoje vemos muitas pessoas contratadas sem as garantias previstas por lei”, destaca Hartung.  

Larissa Garcia Salgado, advogada da Silveiro Advogados, em Porto Alegre, aponta, por exemplo, para o aumento do trabalho autônomo, hoje reconhecido por lei, mas sem garantias como a licença-maternidade. “Para a autônoma ter direito ao benefício, deve recolher mensalmente o INSS por conta própria”, explica. O valor varia, mas a contribuição mínima é de R$104, que dá direito a um salário mínimo em caso de afastamento. 

O desemprego, que hoje atinge 12 milhões de pessoas, é outro responsável. “Em um cenário de retirada de direitos e índice elevado de desemprego, há uma pressão para estar disponível para o trabalho e o medo de perder o emprego se intensifica”, comenta Antônio Rodrigues de Freitas Junior, advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP)

“Por isso, podemos ver negociações informais para voltar antes do tempo ao trabalho, contratos de trabalho temporários durante esse período que deveria ser de afastamento, e milhões de mulheres trabalhando de maneira informal, sem registro”, diz Junior. Essa pressão, ele ressalta, atinge não só as trabalhadoras mais pobres, mas inclusive mulheres em setores competitivos, como executivas de alto escalão. 

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Como a creche pode se preparar para receber recém-nascidos 

Não é o ideal, mas, se os pais não estão presentes, os cuidadores devem ser altamente qualificados para cuidar de um público tão especial. “De forma alguma podemos diminuir a importância da creche, pois ela é uma alternativa importante aos cuidados parentais, mas é importante que outra pessoa exerça esse cuidado próximo nos primeiros meses”, destaca Hartung. 

Os cuidadores precisam estar atentos não apenas às necessidades físicas, mas à interação necessária para o desenvolvimento motor e neurológico. Fora isso, a creche deve promover espaços tranquilos e confortáveis para amamentação e armazenamento adequado do leite materno. “Também ressaltaria o cuidado extra com a higiene, isolar as crianças umas das outras e manter os ambientes o mais esterilizado possível”, ressalta Ejzenbaum. 

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