TDAH: o que é, quais são os sinais e como ajudar a criança no dia a dia
A orientação médica, caso os pais desconfiem de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade no filho, faz toda a diferença
por Da RedaçãoAtualizado em 15 ago 2023, 09h00 - Publicado em
31 ago 2022
15h40
Há alguns anos, uma criança desatenta, desfocada, desinteressada e que não conseguia acompanhar o aprendizado na sala de aula sofria punições e era rotulada como preguiçosa, relaxada e até “burra”. Com o passar do tempo, felizmente, informações sobre vários tipos de transtorno foram se tornando mais conhecidas, fazendo com que as famílias entendessem que esse tipo de comportamento pode sinalizar um problema de saúde. Um dos mais comuns é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade ou TDAH, que, segundo o maior consenso internacional sobre o assunto, que envolveu 79 pesquisadores de 27 países, atinge cerca de 6% de todas as crianças e adolescentes no planeta.
Nem todo mundo que apresenta desatenção, ansiedade ou problemas na escola será diagnosticado, mas é importante buscar ajuda médica ao desconfiar dos sinais. Afinal, isso pode transformar o presente e o futuro do seu filho.
O psiquiatra Felipe Becker, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e coordenador do serviço de internação psiquiátrica do Hospital Infantil Doutor Jeser Amarante Faria, em Joinville (SC), explica que se trata de um transtorno do neurodesenvolvimento multifatorial. “É um prejuízo da cognição e não da inteligência. Isto é, a criança não tem um coeficiente de inteligência reduzido, mas tem dificuldade de obter e sustentar o foco, e de fixação de memória, que é o que nos faz ter novos aprendizados”, detalha.
Pessoas com TDAH apresentam alterações no funcionamento dos neurotransmissores (substâncias químicas, como a dopamina e a noradrenalina, responsáveis pelas trocas de informação entre os neurônios). Isso acontece na região orbital frontal do cérebro, que é uma das mais desenvolvidas do ser humano, quando comparada a outras espécies. É ali que armazenamos a memória, a atenção, a organização e o planejamento, assim como o autocontrole.
“Existem estudos que apontam para uma possível causa genética, visto que 70% a 80% dos casos podem ser herdados”, afirma o neurologista pediátrico Carlos Takeushi, coordenador do Programa de Neurologia do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo (SP). Segundo ele, já foram detectados pelo menos 12 locais do genoma humano que podem ser a origem dessa condição.
Publicidade
Sinais de alerta: quando desconfiar de TDAH
O TDAH gera dúvidas e preocupações em muitos pais. Afinal, quando saber se a criança não presta atenção e não consegue focar por um certo tempo em algum assunto ou atividade por uma questão normal do desenvolvimento ou porque algo está fora do esperado? “Crianças com TDAH terão sintomas de desatenção persistentes por mais de seis meses, em um grau que é inconsistente com o nível de desenvolvimento. Isso terá um impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas”, diz Takeushi.
E não é só na escola que os sinais se tornam perceptíveis – embora, em geral, nessa fase, o problema acabe ficando mais evidente. O neurologista pediátrico cita alguns exemplos de déficit:
não prestar atenção em detalhes;
cometer erros por descuido;
ter dificuldade para manter a atenção em atividades lúdicas ou tarefas;
parecer não escutar quando alguém dirige a palavra;
não seguir instruções até o fim;
não terminar tarefas no prazo;
ter dificuldades para organizar atividades;
não gostar de se envolver naquilo que exige esforço mental prolongado;
perder coisas necessárias para as tarefas;
ser facilmente distraído por estímulos externos;
ser esquecido em relação a atividades cotidianas.
Isso tudo pode se somar aos sinais de hiperatividade e de impulsividade, como aponta o especialista: “A criança fica o tempo todo se movendo, batucando ou se contorcendo nas cadeiras. Levanta em situações nas quais a espera é importante, corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado, é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente, não para e fica agindo como ‘se o motor estivesse ligado’, fala demais e com frequência, responde sem que a pergunta tenha terminado, tem dificuldade para esperar sua vez, interrompe ou se intromete em conversas, jogos e atividades”, lista.
Felipe lembra que as relações do pequeno – tanto em casa, com os pais, e fora dela, na escola, com amigos ou com pessoas da família estendida – também são afetadas. “Não é só lá na frente, quando a criança está tirando nota baixa, que devemos nos preocupar. Se ela já não está agindo de maneira adequada na interação e comunicação ou se não consegue esperar a vez do amigo em uma brincadeira ou atividade, estes são alguns dos vários pontos para que uma criança com TDAH não identificado vá se isolando, sendo deixada de lado” explica. “Mesmo em uma conversa simples, com uma pessoa só, ela tende a ficar dispersa, não acompanha o raciocínio, não espera a fala do outro”, completa.
Continua após a publicidade
A criança ainda pode ter rompantes, atitudes impulsivas que vão além do esperado – e há chances de tudo isso evoluir para um quadro de Transtorno Opositor Desafiador (TOD). “Há uma necessidade de confronto, de conflito direto. A criança fica cada vez mais reativa e opositora”, afirma o médico.
Na maioria dos casos, pais de meninos desconfiam antes do problema e buscam ajuda mais precocemente. A razão disso é que, em boa parte dos casos, a hiperatividade aparece com frequência. “A hiperatividade, que é mais comum nos garotos, traz alterações comportamentais mais cedo e isso faz com que os pais busquem ajuda antes. Como a desatenção nas garotas acontece, muitas vezes, sem acompanhar a hiperatividade, pode acabar despercebida”, alerta o psiquiatra Becker.
Quais sinais devem acender o alerta nelas, então? É preciso observar o comportamento. “Meninas que têm características só de desatenção gradativamente vão tendo problemas de relacionamento e interação, porque não sustentam conversas, brincadeiras e a comunicação. Vão sendo isoladas”, diz. Se a questão não for identificada e tratada, pode haver prejuízos em todas as áreas da vida da criança. “As pequenas que sofrem com a condição tendem a ter mais dificuldade de se relacionar, podem ser um pouco mais irritadas, tendem ao isolamento. Elas podem ter sintomas de ansiedade e angústia e, por não entenderem que têm essa desatenção, vão criando uma percepção distorcida de que os outros não gostam delas, que não são boas o suficiente. O rendimento escolar cai, elas vão se achando burras, pensando que não dão conta…”, comenta.
Publicidade
Os impactos na vida da criança
Existem dois grandes problemas quando se fala em identificar o TDAH: primeiro, muitas pessoas são diagnosticadas erroneamente, já que os sintomas às vezes são confundidos com outros transtornos, como TOD, ansiedade e bipolaridade, para citar alguns exemplos. Vale dizer que o TDAH também pode trazer essas outras doenças como comorbidades (tratadas, dependendo da situação, separadamente), daí a importância da avaliação caso a caso, por um profissional especializado. Depois, apesar do nível maior de conhecimento sobre a condição, os diagnósticos ainda são poucos. “Existe muita gente que convive com o TDAH e não é diagnosticada, não sabe que tem. Isso pode trazer uma série de problemas no futuro”, ressalta Becker.
O impacto do TDAH vai aumentando conforme as demandas da vida surgem, num efeito bola de neve. Por isso, identificar o transtorno o quanto antes é fundamental. “A criança com desatenção tem como consequência a dificuldade de interação e de sustentar a comunicação. Então, tende ao isolamento e ao baixo rendimento escolar. Isso leva à percepção de que não é inteligente e à desistência de várias atividades, tarefas e brincadeiras antes mesmo de tentar, porque ela já assume que não vai conseguir concluir, diz.
Na ausência de tratamento, as consequências no comportamento podem ser ainda mais intensas com o passar dos anos. “A criança não aceita ser contrariada, tende a desviar os combinados, mente… E isso vai em uma crescente. Na adolescência, o risco de problemas aumenta”, explica. Segundo o psiquiatra, é possível que o TDAH não tratado também facilite o desenvolvimento de quadros como ansiedade, depressão, bipolaridade e até dependência química.
Publicidade
Como é o diagnóstico?
Não é toda criança com questões comportamentais ou com baixo rendimento na escola que, necessariamente, tem TDAH. Mas é importante buscar a avaliação de um especialista. “Em geral, quanto mais cedo o quadro se inicia, mais intenso tende a ser o caso”, alerta Felipe Becker. A maioria dos diagnósticos se dá já em idade escolar, mas é possível que ocorra antes. Segundo o especialistas, porém, não é possível determinar um padrão ou uma idade para que comece a se manifestar.
“De qualquer forma, não acho interessante fechar o diagnóstico muito cedo, quando a criança é muito nova. Nesses casos, acompanho os sintomas atentamente. Quadros clássicos já podem ter desatenção intensa antes, mas aqueles que não são tão intensos podem aparecer com 7, 8, 9 anos, de acordo com a demanda que o ambiente traz e do quanto a criança dá conta de lidar ou não”, explica.
Vale ressaltar que faz toda a diferença detectar o problema ainda na infância, embora alguns pacientes sejam diagnosticados somente na adolescência ou na vida adulta. Conforme a pessoa cresce e completa o desenvolvimento do cérebro – o que acontece por volta dos 24 ou 25 anos, de acordo com a maioria dos pesquisadores – há menos espaço para um tratamento eficaz. “Os sintomas precisam estar presentes antes de 12 anos de idade e em dois ou mais ambientes, como casa e escola, com amigos e parentes, interferência no funcionamento social, acadêmico ou profissional”, detalha Takeushi. “O diagnóstico é clínico, baseado na história do paciente e no exame físico ou ainda em relatos da escola ou de outras pessoas que tenham convívio com ele”, diz.
A avaliação, que começa a partir da percepção dos pais e dos professores, deve ser muito criteriosa, afinal, o pequeno não vai ter a capacidade de notar e dizer que está aéreo e desatento. É preciso, ainda, descartar outros transtornos. “Se eu achar que uma criança ansiosa, por exemplo, é inquieta e hiperativa, e concluir que é TDAH, prescrevendo medicamentos psicoestimulantes, ela vai ficar mais ansiosa, irritada, explosiva. Vários diagnósticos são feitos muito rapidamente. Então, a criança usa a medicação por anos, do jeito certinho, mas não tem resultado, não faz diferença, não tem resposta”, exemplifica.
Protocolo para diagnóstico
Esse tipo de acompanhamento e os cuidados devem passar a ser mais acessíveis em todo o Brasil, já que, no início de agosto, o Ministério da Saúde divulgou no Diário Oficial um protocolo para diagnóstico de TDAH. “Uma política pública que reconhece isso como um problema possível a que a população pode estar submetida e que, portanto, precisa ser identificado, rastreado e tratado, é essencial, até por reconhecer que o déficit de atenção é um transtorno que impacta, de forma bem significativa, as pessoas”, opina o médico.
Publicidade
Tratamentos: TDAH tem cura?
O TDAH não tem cura, mas tem tratamento, que pode reduzir e amenizar os sintomas. “A primeira escolha é sempre a combinação dos tratamentos farmacológico e psicoterápico, com terapia cognitiva e comportamental”, explica Becker.
A resistência da família aos medicamentos é um dos desafios na psiquiatria – ainda mais por ser uma área que trata de questões subjetivas, que não são palpáveis ou visíveis em exames concretos. “Quando se trata de déficit de atenção, não temos uma tomografia que mostra uma alteração, um eletroencefalograma que indique, objetivamente, o TDAH. Então, você recomenda uma medicação e os pais questionam, porque assusta mesmo. São medicamentos psicoestimulantes, tarja preta. É preciso orientar, explicar e mostrar projetivamente quais são os impactos desse problema no futuro, os prejuízos que já vêm acontecendo e o que está por vir”, diz o especialista.
Publicidade
Como ajudar a criança com TDAH no dia a dia
Além de buscar o diagnóstico e seguir os tratamentos recomendados, certas atitudes dos pais podem facilitar o cotidiano dos filhos:
1. Organizar os ambientes. Pacientes com TDAH se encontram pela questão visual e auditiva.
2. Também pela organização e para tornar mais fácil a maneira de lidar com os conflitos, é importante estabelecer previamente as rotinas diárias, como horário de comer, dormir, estudar, tomar banho e usar telas.
3. Por falar nisso, o uso de telas deve ser controlado. Para esse perfil de paciente, ele não deve ultrapassar uma hora, pois estimula a impulsividade e a agitação. Evite deixar esses dispositivos no quarto da criança.
4. O ideal é que o ambiente de estudo seja silencioso e iluminado, com uma mesa em um canto – e não, por exemplo, em uma sala aberta, com mais estímulos que favorecem a distração.
5. Para completar, o sono reparador é muito importante, até para o funcionamento dos medicamentos e das terapias. O efeito só virá se o corpo e a mente estiverem descansados. Privilegie o horário de dormir, evitando distrações e estímulos conforme a noite se aproxima.