Ensinar regras e as consequências de não cumprí-las é uma etapa importante do desenvolvimento infantil. Entretanto, o uso de violência física ou verbal neste momento é prejudicial para a saúde mental e para o comportamento da criança. Tanto que a Associação Americana de Pediatria lançou, em 2018, um manual destacando os efeitos negativos de punições agressivas.
Não é à toa que o termo “castigo” vem caindo em desuso. “A palavra vem carregada de uma conotação pesada e negativa, que no dicionário é descrita como causar sofrimento em alguém”, destaca a psicóloga e pedagoga Paula Lacombe, orientadora pedagógica de educação infantil da Escola Sá Pereira, no Rio de Janeiro.
“Prefiro falar em diálogo e troca para que a criança construa a capacidade de julgar o que é certo e errado”, completa a especialista. “Situações de desequilíbrio, como o não cumprimento de uma regra, são ideais para abordar isso”.
Prevenir é melhor do que remediar
O ideal é que as regras existam na casa e sejam transmitidas desde cedo, com coerência. Aprender que é necessário guardar os brinquedos, que há horários para dormir, são lições que devem entrar neste momento. Por exemplo: se você não quer que seu filho assista desenhos de noite, desde sempre deverá ser assim. Lembre-se que mudar a regra do jogo não ajuda na assimilação das regras.
Vale destacar que, nos primeiros anos de vida, a criança ainda está construindo sua própria identidade e valores morais, por isso tenha paciência. “Assim que ela começa a ganhar independência física, começa a querer contrariar a vontade dos pais, o que é esperado e natural”, comenta Camila Cury, psicóloga e presidente da Escola da Inteligência.
Ou seja, será necessário repetir a regra várias e várias vezes, e nem sempre elas serão cumpridas. “Pode ser que, no começo, ele chore um pouco, não entenda, mas, aos poucos, vai amadurecendo”, explica Camila. A maneira como os pais conduzem esse processo fará toda a diferença.
“Quando a criança ainda não desenvolveu totalmente a linguagem, os pais podem adotar uma expressão mais séria, um ‘não’ e, conforme ela for crescendo, aperfeiçoar o diálogo, não só para explicar que aquela não é a maneira correta de agir, mas em todos os outros momentos”, aponta Daphne Normal, psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba.
“Se os pais só reparam na criança quando ela faz algo errado, estarão transmitindo a ideia de que ela só irá ganhar atenção desta forma”, continua a psicóloga curitibana.
Mais velha e autônoma, ela pode, inclusive, participar da construção das regras com os pais, para que não seja uma ordem autoritária, de cima para baixo. “Isso ajuda a desenvolver seu próprio senso de justiça, diferente da mais nova, que cumpre as regras apenas como respeito à autoridade dos cuidadores”, aponta Paula.
Como disciplinar quando for necessário
Ok, mas e quando surge o conflito? Na hora, pergunte a ela o que tem a dizer sobre aquilo e porque está se comportando dessa maneira. Claro que o diálogo é a opção mais adequada, mas vamos combinar que nem sempre só isso resolverá, certo? Nesta situação, não existe uma única conduta, cada família terá seu comportamento, mas o ideal é mostrar que há consequências para a indisciplina.
“Por exemplo, se a criança não recolheu os brinquedos, deixe lá e explique que ela não poderá brincar com eles no dia seguinte e mostre que ninguém fará isso por ela” sugere Daphne. Tirar um passeio do planejamento, deixar um tempo sem TV, sem computador ou alguma outra atividade que o filho goste também pode ajudar a criar esse senso de consequência.
“Mas isso deve ser combinado com o filho antes, porque às vezes a criança nem entende por que está sendo punida. E esses períodos devem ser curtos para que não sejam descumpridos”, ensina Camila. Outra coisa fundamental é que, da mesma maneira que corrigiram, os pais elogiem quando a criança cumprir a regra da próxima vez, e demonstrem satisfação pelo comportamento da criança.
Por último, ser coerente é importante, mas ser flexível eventualmente também. “Recomendo também não disputar autoridade com a criança em coisas muito pequenas. Se ela pediu dois minutos a mais e você pode dar esse tempo, porque não ceder ao invés de financiar um pé de guerra?” reflete Camila.
Desobediência demais é sinal de atenção
Quando a criança é insistentemente desafiadora, muitas vezes há questões além da regra por trás. “Ela pode estar passando por um momento emocional mais difícil ou fragilizada de alguma maneira”, aponta Paula. Para as especialistas ouvidas, comportamentos do tipo estão ligados ao estilo de vida moderno.
“Os pais têm pouco tempo disponível, e esse tempo acaba sendo gasto no processo educacional, sempre para cobrar ou impor limites, tornando o ambiente estressante. Em raras ocasiões os pais brincam juntos, dão risada, conversam com os filhos”, diz Camila. Na outra ponta, está a permissividade excessiva para aplacar este distanciamento.
Não é fácil ajustar esses ponteiros, e muitas vezes a vontade de ceder é grande, mas tenha em mente que a disciplina é muito importante para eles. “Todos abrimos mão de desejos, e os filhos precisam aprender isso para viver em sociedade”, destaca Paula.
O que não fazer
Além da própria punição física, outras condutas são desaconselhadas pelos especialistas:
- Usar frases de conotação negativa, como “você nunca faz nada que eu peço”, “você não me respeita”, “já falei mil vezes” e tantas outras, podem prejudicar a autoestima da criança, que depende muito da aprovação dos pais. Que tal tentar, no lugar, um discurso mais positivo, como “Você já fez isso certo antes” e “Eu sei que você é capaz de fazer isso”?
- Ameaças vazias, como prometer meses sem TV ou apenas dizer “você vai ver só” e o clássico “vou contar até 3”, mais atrapalham do que ajudam. Logo os pequenos percebem que aquilo não será aplicado na prática. O mesmo vale para combinados que são descumpridos.
- Anunciar o castigo quando pais e filhos estão de cabeça quente não é produtivo. Espere todo mundo se acalmar para tomar uma decisão sobre a punição e conversar sobre ocorrido.
- O famoso cantinho do pensamento perdeu seu apelo. “Dificilmente a criança ficará pensando no que fez enquanto estiver isolada em um canto”, comenta Paula.