Não saber lidar com frustrações ou seguir regras, apresentar agitação e impulsividade são comportamentos esperados das crianças pequenas. Para as cerca de 5% que sofrem com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), contudo, tais dificuldades são constantes e causam sofrimento.
O transtorno ficou mais conhecido da população nos últimos anos, mas ainda há problemas no diagnóstico e dificuldades de adesão ao tratamento, que geralmente envolve remédios. “Parece que fazemos muitos diagnósticos, mas os dados mostram que só 20% dos portadores recebe a assistência adequada”, aponta Clay Brites, pediatra e neurologista infantil do Instituto NeuroSaber.
“O que acontece muito hoje é o uso de medicamentos em casos de agitação e hiperatividade que não estão ligados ao TDAH. Ou seja, existe uma supernotificação, ao mesmo tempo em que muitos casos reais passam batidos”, explica Lívio Francisco da Silva Chaves, do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
O resultado deste cenário é que crianças que não precisam tomar medicamento acabam tomando, enquanto as que de fato precisam não chegam a ser diagnosticadas. Entre as consequências do desbalanço, o maior risco de doenças como ansiedade, depressão e dependência química na vida adulta.
Sintomas de TDAH em crianças pequenas
Os sinais podem aparecer na primeira infância. Entre eles, além da própria dificuldade de manter a atenção, agitação excessiva, dificuldade de aceitar ordens ou seguir instruções, socializar com outras crianças, desorganização, dificuldade de esperar sua vez de brincar, esquecimentos constantes e alterações bruscas de humor.
Só que, como esse é um período onde a criança ainda está aprendendo a se regular, tais indícios podem ser confundidos com as etapas comuns do desenvolvimento. É isso que costuma levar a diagnósticos errôneos. E às vezes só mesmo o olhar do especialista para elucidar a situação.
“Uma das maiores diferenças para uma birra ou acesso de raiva comum é que essas alterações não ocorrem de vez em quando, em determinada situação ou é dependente de plateia, mas sim o tempo todo”, explica Ênio Roberto de Andrade, psiquiatra, coordenador do Ambulatório de TDAH na Infância e Adolescência do IPq – Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Por exemplo, se o filho desafia e ignora os pais, mas se comporta bem na escolinha, ou vice-versa, provavelmente não estamos diante de uma patologia. Além da constância, é preciso calcular o impacto negativo dos sintomas na vida da criança antes de ligar o sinal de alerta.
“É importante dizer isso pois crianças muito inteligentes, ou que realizam várias tarefas ao mesmo tempo, são associadas com o TDAH, porém se não há prejuízo, não há transtorno”, aponta Andrade.
Outros sinais ajudam a fazer a diferenciação. “Ela pode ter problemas no sono, alimentares ou mesmo atraso em etapas do desenvolvimento, seja a linguagem ou a demora para aprender a segurar cocô ou xixi”, elenca Brites.
Diagnóstico precoce é difícil, mas importante
Suspeitar logo cedo pode ajudar a criança a se desenvolver adequadamente e diminuir o risco dos sintomas perdurarem e se agravarem – até 70% das diagnosticadas serão adultos com o transtorno ativo. “Detectar o transtorno antes da alfabetização é o ideal, pois ele leva a grandes prejuízos no aprendizado”, destaca Brites.
“Quanto antes percebermos os sintomas, melhor conseguimos aproveitar a fase da plasticidade cerebral”, comenta Chaves. No início da vida, é possível modular o cérebro da criança, que tem alta capacidade adaptativa, de acordo com os estímulos que ela recebe. “Não estamos falando de cura, mas sim de uma remissão, que interfere positivamente no desenvolvimento cognitivo e comportamental dela”, completa o pediatra.
Não existem exames específicos ou marcadores biológicos para flagrar o TDAH, daí a importância de passar pela análise de profissionais especialista de verdade no transtorno. Inclusive para diferenciar de quadros com sinais parecidos, como alguns graus de autismo.
Geralmente, a criança passa por médicos, psicopedagogos e outras especialistas, que realizam testes cognitivos, além de avaliarem com a família a frequência e intensidade dos sintomas.
Quando o remédio é necessário
O TDAH pode ser leve, moderado ou grave. Teoricamente, em todos os casos o tratamento farmacológico deve ser feito. Uma revisão deste ano, publicada no renomado periódico The Lancet por pesquisadores da USP e dos Estados Unidos, reforça que os remédios são eficazes, mas que indivíduos com sintomas moderados e leves, especialmente as crianças pequenas, podem se beneficiar da psicoeducação e das intervenções comportamentais.
Os especialistas ouvidos pela reportagem recomendam a medicação como uma das estratégias mais eficazes para dar qualidade de vida à criança. “Ele funciona bem na maioria dos casos, mas uma boa parte das famílias interrompe por conta própria a medicação quando o filho apresenta efeitos adversos esperados e leves, como por exemplo, alterações de apetite”, diz Chaves.
Outra situação comum é a decisão de não dar um composto psiquiátrico ao filho. “Respeito a escolha dos pais, mas os estudos mostram que o ideal é fazer a medicação associada a outros tipos de tratamento, como a terapia cognitivo-comportamental”, aponta Andrade. Os fármacos ajudam a reequilibrar o funcionamento de neurotransmissores, moléculas responsáveis pela comunicação entre neurônios, e são prescritos idealmente só depois dos seis anos.
Para os pequenos, há a oportunidade de aproveitar a tal plasticidade neuronal para investir em medidas não-farmacológicas. Além da própria terapia cognitivo-comportamental, o treinamento parental é uma linha com benefícios já demonstrados em estudos. “Trata-se de um trabalho feito com os pais para que eles entendam os sintomas e trabalhem com as crianças no dia a dia, fazendo uma intervenção direta nesses comportamentos”, explica Chaves.