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A Voz de Um Pai Negro

Tadeu França (@otadeufranca) é escritor, ator, criador de conteúdo e pai do Augusto e do Hugo
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Tadeu França: Oração ao Tempo… de Qualidade

Vivemos num mundo em que o tempo se tornou luxo, e assim seguimos. Mas o que podemos fazer de diferente por nossas crianças?

Por Tadeu França
20 nov 2023, 10h30
vários relógios digitais dispostos em um fundo amarelo
 (Aleksandr Zubkov/Getty Images)
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O cantor e compositor Caetano Veloso, na música Oração ao Tempo, de 1979, escreveu: “Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos. Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. Num outro nível de vínculo. Tempo, Tempo, Tempo, Tempo”. Neste trecho, ele mostra a esperança e a crença na possibilidade de criação de vínculos positivos, apesar da imprevisibilidade do tempo. E assim também funciona na nossa parentalidade.

Não sabemos o que o futuro nos reserva, somos um resultado dos acontecimentos do passado, tentando no presente fazer a diferença na vida das nossas crianças. A gente só não contava que o mundo fosse tão cruel com a nossa existência, nos forçando a viver num modo de sobrevivência, em que o tempo é luxo e nós nos acostumamos com essa narrativa, levando tudo assim mesmo.

A gente sai para trabalhar, prover o sustento, pagar as contas, manter a casa em ordem e em bom funcionamento, manter os filhos vivos e saudáveis, e o ócio e o lazer são artigos raros e descartáveis – não porque não os queremos, mas porque a vida e o tempo não nos deixam acreditar que isso, na trajetória de um Pai e de uma Mãe, também é possível.

Eu paro para imaginar em quantas e quantas casas brasileiras Pais e Mães saem para trabalhar com os filhos dormindo, e chegam do trabalho com os filhos dormindo. Não porque querem, mas por falta de opção. E, nesse caso, é importantíssimo fazermos aqui um recorte de classe e de gênero.

A mulheres foi imposta a função de cuidar, a homens, a função de prover. E muitos pais acreditam fielmente que essa é a ordem natural das coisas, até porque as gerações anteriores funcionavam assim e vida que segue. Isso se agrava quando falamos de pessoas em situação de mais vulnerabilidade, sem rede de apoio (familiares, babá, creche), sem acesso à informação e financeiramente instáveis.

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Onde eu quero chegar? É um desafio muito complexo cobrarmos uma Paternidade presente de um Pai nessas situações, embora seja necessário, e todas essas dificuldades não podem servir de escudo para mais sobrecarga materna. Mas o que nós, enquanto pais, precisamos refletir e buscar são estratégias para que esse pouco tempo que temos para criar vínculos com os nossos filhos seja um tempo de qualidade.

Homem sentado no chão, próximos de dois garotinhos. Todos estão sorrindo
Tadeu França e os filhos (otadeufranca/Instagram)

Existem muitos pais com mais privilégios, que possuem mais tempo em quantidade, mas sequer se importam em criar esses vínculos de qualidade para o desenvolvimento de seus filhos. Muitas vezes, eles acham que vínculo se compra com presentes, quando, na verdade, é com presença.

Conheci um pai que vive exatamente nesse recorte que destaquei acima. O trabalho e o modo sobrevivência o deixavam praticamente o dia todo longe de seus filhos. Ele me relatou como, à sua maneira, fazia de seu pouco tempo um tempo de qualidade: toda vez que saía para trabalhar, bem cedo, enquanto os filhos dormiam, ele sempre dava um beijinho e deixava um bilhetinho na cabeceira da cama dizendo: “O Papai te ama muito!”. À noite, com os filhos já dormindo, ele pegava um livrinho e lia uma história para eles, mesmo com o sono mais pesado possível. Quando a situação estava um pouco melhor, o bilhetinho era acompanhado de um delicioso chocolate.

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Percebam, estamos falando de um pai presente na ausência, que quer paternar, não negligencia a responsabilidade afetiva que tem com seus filhos e criou um caminho para estabelecer esse vínculo tão importante. Infelizmente, muitos pais se escoram nessa situação, e escolhem não exercer e sequer demonstrar esse afeto para suas crianças. Isso é algo muito danoso na formação, no crescimento, no fortalecimento da autoestima e nos sentimentos de um filho.

Então, que nós, adultos cuidadores, sejamos responsáveis e tratemos o tempo com o devido valor que ele merece. No seu tempo livre, a história sem pé nem cabeça que a criança está inventando e contando é muito mais importante do que a notícia da separação da blogueira famosa que você estava vendo num perfil de fofoca aleatório no Instagram. Um beijo e um abraço do seu filho é muito mais importante do que a troca de figurinhas engraçadas e dos assuntos tóxicos do seu grupo de futebol do WhatsApp. O olho no olho e a troca genuína de afeto com aquele ser que te ama muito e implora por carinho e atenção são muito mais importantes do que a vitória ou a derrota do seu time do coração.

Se você chegou até o final da leitura desse artigo, entenda isso como um recado do tempo para você. Ele não para, e é sua responsabilidade e escolha aproveitar da melhor maneira possível o tempo de qualidade com sua criança, enquanto ela ainda cabe no seu colo. E eu sei que você sabe que, se você quiser, ela caberá para sempre.

Converse com Tadeu França no @otadeufranca.

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