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Maternar, trabalhar, respirar

Publicitária, diretora executiva na Maternativa, Vivian Abukater é mãe de dois meninos que ensinaram que a maternidade é a melhor escola de negócios que existe e que conciliar o cuidados dos filhos com o trabalho não é só papel das mães.
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A tristeza de se saber mulher… A potência de se descobrir mulher!

Eu só quero que você tenha certeza: você está correta. Essa sobrecarga é injusta e cruel. Se seu entorno ainda não reconhece, eles é que estão errados.

Por Vivian Abukater
1 abr 2021, 15h00

Tenho que avisar que talvez essa seja a coluna mais curta que eu já escrevi por aqui. Mas, preciso ser honesta comigo e com vocês: o tempo escorre pela mãos, se perde entre os cuidados com as crianças, com a casa, com o trabalho. Os dias começam cedo e terminam tarde, se interligam como algo contínuo. Falta tempo para tudo e não sobra tempo para quase nada.

Será que alguém no controle na Matrix executou algum comando errado? Já estamos em abril, 25% do ano já passou, e tenho me perguntado se o ano de 2021 vai ser um Ctrl+C e Ctrl+V de 2020. A exaustão virou rotina e vamos seguindo cansadas com nossos módulos de sobrevivência ativados.

O sentimento de que a sociedade virou as costas para as mulheres se multiplica na velocidade da exaustão materna. Mães têm sentido o peso da traição social, têm compartilhado um sentimento de raiva e indignação. No entanto, no meio de tudo isso, tenho lido em diferentes lugares e percebido através das conversas na comunidade da Maternativa, que está nascendo (ou renascendo) uma luta! Sinto que em muitas de nós existe um desejo de mudança que pulsa cada vez mais forte.

Uma mulher tem que ter…

A lista do que uma mulher, principalmente uma mãe tem que ter – como ela deve se comportar – nunca termina. Nós fomos colocadas em uma caixinha por muito tempo e leva tempo também para conseguir sair dela. E não vamos escapar sem luta, sem luto e sem dor. É triste escrever, mas é verdade. As maiores transformações vem depois de momentos de muita insatisfação.

Eu ando tão brava que andei nutrindo raiva até ao escutar música. Sério? Sim, muito sério. Vou contar aqui e quem sabe você poderá me entender.

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Pare para ler essa parte da letra do “Samba da benção“. Eu cantarolei ele milhares de vezes e me orgulhava se saber tocá-la – e muito bem! – no violão. Outro dia, porém, ele estava tocando em uma playlist, nos meus raros momentos de descanso, e eu tive um pequeno acesso de raiva.

“Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão”

Sério, gente? O que me deu raiva foi ter percebido que, por muito tempo, eu achei isso romântico. Uma coisa que eu tenho que concordar (em um contexto muito menos romantizado e um pouco mais revolucionário) é que existe sim uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher. E essa beleza é poder VER e se reconhecer como potência. Ver, reconhecer, nomear, sentir a dor, sentir o luto e depois mudar!

A tristeza de se saber mulher…

A pandemia tornou evidente a desigualdade de gênero para muitas mulheres. Com as crianças em casa e o trabalho doméstico se acumulando, muitas de nós sentiram o esgotamento que foi atravessar o ano de 2020 e sentindo tudo isso se prolongar por 2021.

Fiquei pensando sobre os diferentes processos que as mulheres percorrem até descobrirem o tamanho da sobrecarga de trabalho que elas vivem na nossa sociedade. O meu caminho foi longo, eu só senti o verdadeiro acúmulo depois que meus filhos chegaram. Mas sei que não são só as mulheres com filhos que tem essa sobrecarga. Mesmo quem não é mãe, sofre com uma falta de divisão justa dos trabalhos domésticos e de cuidado também.

A verdade é que quando a gente se dá conta, quando não é mais possível olhar para o outro lado e, enfim, somos capazes de reconhecer e nomear o tamanho da desigualdade que existe, acabamos enfrentando uma solidão e uma tristeza gigantesca. E acho que boa parte dela vem de acreditar que não podemos mudar isso, que não teremos apoio em nosso pensamento. Já falei sobre isso aqui. 

… A potência de se saber mulher e mãe!

Po.tên.cia é substantivo feminino. Na física, a potência é definida como uma grandeza usada para determinar a quantidade de trabalho que é realizada em um processo. Também é definida como a qualidade do que é forte ou poderoso, como a força física capaz de mover algo. Resta alguma dúvida de que ser mulher e mãe é ser potência?

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Não tem como uma mulher passar pela chegada de um filho sem ser impactada. Toda a vivência, toda a mudança corporal, emocional e psicológica causa uma explosão de transformações, todas elas muito potentes. Uma mulher mãe aprende a olhar o mundo com mais empatia, aprende a pensar não só no agora, mas também no futuro, porque ela se preocupa com filho e desenvolve capacidades multidisciplinares. Mesmo que a sociedade esteja demorando pra reconhecer tudo isso, é praticamente inevitável que ao longo do tempo algo tão maravilhoso e tão potente continue escondido ou invisível.

Mas antes de esperar que outros reconheçam isso, nós precisamos reconhecer todas as potencialidades que a maternidade nos trouxe. Precisamos incorporar esses ganhos na nossa vida, no nosso discurso e na forma como nos colocamos para o mundo. Precisamos ter, antes de mais nada, autoconfiança. A maternidade é locomotiva, mas ainda aprisiona muitas mulheres.

Precisamos colocar esse assunto na mesa de casa

Ilustração de família conversando
(ArdeaA/Getty Images)

Então, estamos aí, mais de 1 ano de pandemia no Brasil. O que manteve o isolamento possível e crianças em casa por mais de 1 ano? As mulheres! Nosso trabalho de cuidado está sendo fundamental, mas o reconhecimento e a vontade de dividir esse peso com a gente passam longe. Se já tínhamos pouco tempo, agora não temos quase nenhum: sobrecarregadas, exaustas, cuidando na casa, dos filhos e do que restou do nosso trabalho.

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Nós, mães, somos cidadãs e somos, sim, multiplicadoras de mudanças de comportamento. Precisamos sair da expectativa de esperar e passar a nos perceber como agentes de transformação. O empoderamento da mulher é sobre isso!

A pauta da sobrecarga, do acúmulo do trabalho do cuidado e da divisão injusta do trabalho precisa ser tratada. Este assunto precisa impactar toda sociedade, vir de políticas públicas, da iniciativa privada, mas, antes de tudo isso, ela precisa vir para a mesa da nossa casa.

Precisamos começar conversando com quem mora com a gente, com nossos companheiros, nossos filhos e quem mais habitar. Precisamos discutir com nossos familiares, nossas mães e também com amigas e amigos. Não dá para continuar adiando conversas que são fundamentais para mudarmos esse cenário e podermos, enfim, dividir a sobrecarga que carregamos.

Mudanças não vão acontecer rápido, mas precisam começar!

Agora, nesse momento estamos ocupadas demais, exaustas demais na tentativa de dar conta de tudo. Mas a luta por mudanças é certa e ela virá assim que conseguirmos respirar um pouco. E sim: ela vai começar primeiro na nossa casa.

É bem provável que pessoas que tem um relacionamento próximo com você se incomodem ou mesmo te desencorajem a promover mudanças como essas. Vivemos em uma sociedade machista, então muitas das mulheres que estão descobrindo toda sobrecarga de trabalho e que vão optar por promover mudanças fundamentais, vão escutar de todos os lados frases como: “é assim mesmo” e “é melhor você se conformar ou vai terminar sozinha”.

Eu só quero que você tenha certeza: você está correta. Essa sobrecarga é injusta e cruel. Se seu entorno e a sociedade ainda não reconhecem isso, eles é que estão errados.

Muitas vezes a jornada é longa, dolorida e precisamos simplesmente decidir que muitas das relações que tínhamos não vão nos apoiar ou nos acompanhar. E é por isso que precisamos construir novas relações, onde encontraremos afeto, acolhimento e incentivo para as mudanças que queremos para nós, para a sociedade e para o mundo.

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