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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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Afinal, qual é a qualidade do nosso encontro diário com os filhos?

“Mãe, você não fica comigo, só com o computador”. Criança é oráculo e por trás da reclamação pode haver uma reflexão.

Por Juliana Mariz
23 out 2020, 19h08

“Mãe, você não fica comigo, só com o computador”. Essa foi a frase que ouvi da minha filha mais nova, Elisa, de 8 anos, há duas semanas. Tomei um susto. Nos últimos oito meses fazemos tudo juntas, confinadas, grudadas. O que nos separa, eventualmente, é a distância de um cômodo e outro. Estamos nesse convívio intenso desde março, sem escola ou festa do pijama para nos afastar por um tempinho. Por isso, ao ouvir a frase, estranhei.

Mas não caí no conto da mãe injustiçada. Criança é oráculo e por trás da reclamação pode haver uma reflexão. Afinal, qual é a qualidade do nosso encontro diário, questionei? Estamos juntas, fazendo todas as refeições, conversando, ocupando a mesma sala para a escola e meu trabalho e, eventualmente, brincando, vendo filme, desenhando, cozinhando. Mas cadê a qualidade do encontro? Era isso que ela queria me dizer.

A pandemia nos tirou o limite tempo-espaço. Sinto muita falta de intervalos temporais não apenas para ficar sozinha, mas também para estabelecer novas conversas, renovar nossos diálogos e, por que não, nos fazer sentir saudade uma da outra. É a despedida (que seja por uma tarde na escola) e depois o reencontro como pêndulo dos nossos afetos.

Entendi ainda que a frase da minha filha carrega uma reclamação mais ampla sobre o grande vazio deixado pela pandemia, sobre tudo que tivemos de abrir mão nesse ano. Um vazio de outros convívios, amigos, conversas, experiências. Ela endereça essa carência a mim porque sou, naturalmente, seu elo de confiança. É uma falta, que, talvez, eu não consiga preencher totalmente. Mas tenho de tentar.

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É sobre a qualidade do encontro

Você deve estar se perguntando se eu me sinto culpada. Não, não me sinto. Desenvolvi uma certa autocompaixão e acho que nossa régua tem de ser bem mais baixa nesse tenebroso 2020. Já estamos fazendo muito, muitíssimo, não é? O que fiz foi conversar com ela, relembrá-la dos meus compromissos profissionais e programamos juntas algumas coisas gostosas que poderíamos fazer. Sem dramas.

Tinha uma época que eu pensava que meu dever era evitar o sofrimento das minhas filhas. Utopia pura. Sempre algum lado da relação mãe-filho vai se sentir entristecido, chateado, culpado. Ora eles, ora nós. Baixar as expectativas de que todos estarão felizes é coisa que nos ensinaram em comercial de margarina.

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A equação não será perfeita, a criança vai ficar chateada quando você sair para trabalhar, você vai se sentir culpada de ir naquele happy hour… Mas assim é a vida. Somos seres humanos com sonhos, desejos e necessidades.

Isso não quer dizer que não queira acolher a queixa de Elisa. Mais do que isso, quero tentar dar qualidade aos nosso tempo junto. Sempre bati na tecla de que precisamos ser menos “mãe checklist”, aquela que quer cumprir todas as regras de parentalidade, e mais “mãe intuição”, aquela que escuta o filho, observa, faz perguntas, se conecta e segue o que o coração manda e sente.

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Agora, meu coração está sugerindo para eu parar esse texto. Reservei meia hora do dia para ajudar minha filha fazer biscoitinhos de canela e prometo fazer isso no maior nível de presença possível. 😊

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