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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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De uma vez por todas, entendam: eu não sou mãe guerreira

Eu rejeito esse rótulo, que nos colocou num limbo entre o cansaço e a desvalorização.

Por Juliana Mariz
25 fev 2021, 20h52

Mães são guerreiras, eles disseram. Mães são santas, também falaram. Nessa dualidade utópica, nos vimos vestindo uma fantasia apertada, desconfortável, estranha. Muitas vezes, a vestimenta pode estar puída e rasgada, mas seguimos fazendo tudo aquilo que o mestre mandou.

A escolha por qualquer um desses polos – da santa ou da guerreira – é uma armadilha. Mães são cobradas como se tivessem superpoderes ou capacidade de operar milagres. O fato é que se esqueceram de nos entregar esses atributos especiais no pacote.

Me dei conta disso quando minhas filhas eram muito pequenas e eu tive um chilique daqueles. Veja, chilique toda mãe tem. Mas o meu significou jogar um computador para longe. Não me orgulho disso, claro. Mas me acolho. Ainda mais agora, quando passaram pelo menos sete anos do ocorrido e eu consegui entender o processo que vivia.

Sim, era a tal da exaustão materna… 

Minhas filhas me olharam assustadas. E como esse comportamento não era padrão, fui investigar internamente o que estava acontecendo. Percebi que queria dar conta de tudo, atender a todas as demandas, levantar ao primeiro “mãe” que ouvia, trabalhar, acompanhar a educação delas, me cuidar, ver as amigas, buscar na escola, perder alguns quilos… Só que faltou a tal da varinha mágica para me ajudar.

Então, eu resolvi rasgar a fantasia. Vesti uma roupa com cara de mãe real e rejeitei rótulos inalcançáveis. Sabe por quê? Por trás do mito da mãe guerreira, tem uma mulher exausta e descolada dela mesma.

Outro dia uma amiga que não tem filhos me falou que quer dar às mães o troféu dos seres mais resilientes do universo, principalmente por causa da pandemia. Entendi o que ela quis dizer. Palavrinha da moda, resiliência significa “saltar de novo”. É aquela habilidade que temos de nos adaptar a circunstâncias estressantes e se recuperar de desafios. Tipo entregar um projeto e acompanhar o ensino à distância dos filhos, enquanto a internet falha e o feijão está no fogo.

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Mas será que temos que nos orgulhar disso?

Como escreveu Pooja Lakshmin, em matéria para o The New York Times: “Isso não é burnout, é traição”. Nós fomos traídas pela sociedade e estamos num limbo entre a desvalorização e o cansaço. Porque nos imputaram os poderes da mulher-maravilha ou de outros seres ultra resilientes.

Mas, afinal, o que poderia dar errado em sermos flexíveis a situações difíceis? A verdade é que o exagero da resiliência traz consequências para todos, não só às mães. A ideia de que temos de suportar qualquer coisa, a qualquer preço, pode levar a problemas de saúde emocional ou mesmo física. Ou nos deixar vivendo apenas no piloto automático.

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Ser resiliente significa se moldar, mas retornar à forma original, e é isso que devemos fazer como mães. Abandonar qualquer fantasia de heroína, sermos fortes quando a situação exigir, mas voltar para a nossa própria pele quando a tormenta passar.

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