Duas vacinas protegeram bebês camundongos ainda no útero contra a infecção do zika. O feito foi anunciado por pesquisadores brasileiros em estudo publicado na Cell, importante periódico científico norte-americano. O trabalho é o primeiro a comprovar que vacinar as futuras mães poderá impedir que o vírus entre na placenta e ameace o sistema nervoso dos embriões.
Foram dois experimentos. O primeiro, com a vacina desenvolvida pelo Instituto Evandro Chagas, no Pará, demonstrou os resultados mais animadores. “Com uma dose única, ela garantiu 100% de proteção em fêmeas que posteriormente engravidaram e nos seus fetos também”, explica o virologista Pedro Vasconcelos, diretor do instituto paraense e autor do trabalho.
Para chegar a esse resultado, os cientistas dividiram as 23 roedoras em dois grupos: metade foi vacinada e o restante recebeu um placebo. Cerca de um mês depois, todas as imunizadas tinham altos níveis dos anticorpos que protegem contra o zika no organismo.
Uma semana após o teste, elas foram fecundadas e, no primeiro terço da gestação, receberam doses de zika vírus no sangue. Nem elas nem os bebês ficaram doentes. “Recolhemos material da placenta e do cérebro sete dias depois disso e não observamos praticamente nenhuma carga viral”, conta Vasconcelos. Danos ao cérebro e as síndromes que causam malformações também não foram detectados.
“Isso mostra que os anticorpos que a mãe desenvolveu foram capazes de barrar a entrada do vírus na placenta”, destaca o virologista. O teste foi replicado com outro produto, da farmacêutica norte-americana Valera com partes do DNA do vírus, e obteve efeitos semelhantes. Mas nesse caso foram necessárias duas doses para garantir a imunização e, mesmo assim, um número pequeno de fêmeas acabou transmitindo a infecção pela placenta.
Uma esperança contra a microcefalia
Quando a epidemia do zika estourou há pouco mais de um ano, não parecia muito diferente da dengue ou chikungunya, também transmitidas pelo famigerado pernilongo Aedes aegypti. Até que se descobriu a pior faceta da doença: as malformações congênitas, como a microcefalia. Desde então, a ciência corre para encontrar maneiras efetivas de barrar a influência do vírus especialmente no sistema nervoso de bebês ainda na barriga.
O grupo liderado pelos paraenses já havia comprovado, em abril, que a vacina elaborada por eles protege de forma vitalícia ratos adultos contra o zika. Ela é feita com uma versão enfraquecida do vírus, que se multiplica por um período limitado de tempo sem causar danos ao organismo. Assim, treina melhor o corpo para se defender do inimigo quando ele aparecer de verdade.
Uma vez aprovada, a vacina com o vírus atenuado terá como principal alvo as mulheres em idade fértil e seus parceiros, mas também se prevê a imunização de crianças com dez anos ou menos. Para as gestantes a injeção está proibida, mas a instituição também trabalha hoje em uma versão que possa ser utilizada nas grávidas, feita partir do DNA recombinante do vírus.
Além do IEC, colabora no desenvolvimento a Universidade Texas Medical Branch (UTMB), nos Estados Unidos. Ainda há alguns trâmites burocráticos antes que a proteção em humanos seja comprovada, mas a expectativa é que os testes clínicos comecem até o final do ano, com coordenação do Ministério da Saúde e do Instituto Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz.