A pandemia de Coronavírus ainda não acabou, mas uma das maiores esperanças mundiais para que os avanços da doença sejam contidos em larga escala, com certeza, é uma política de vacinação global e eficaz. Pelo menos três vacinas têm alto potencial para serem distribuídas em um futuro próximo, o que depende da conclusão total de testes clínicos, em andamento há meses, e das regulamentações governamentais de cada país.
Porém, quando o assunto é a vacinação contra a Covid-19, pouco se fala sobre a imunização das crianças frente a doença, ou até mesmo sobre o fato da população infantil e adolescente fazer ou não parte dos grupos prioritários de testes. Não colocar as crianças como foco para conter a doença tem um motivo e, ao contrário do que alguns possam pensar, não é sinônimo de irresponsabilidade.
Muito pelo contrário. O que acontece é que a população pediátrica não tem sido estudada, porque não é o público-alvo num primeiro momento. “Todos os estudos recentes vêm apontando que as crianças não adoecem de forma grave, se infectam menos, transmitem menos e, consequentemente, elas não são os grupos prioritários a serem vacinados. Não há por que, em uma situação de emergência, você estudar e querer licenciar um produto justamente na população que não deve ser vacinada a princípio”, explica Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Flávia Bravo, pediatra e presidente Regional (RJ) da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), corrobora ao dizer que, caso a cobertura de vacinação entre os adultos seja suficiente e, por consequência, torne possível controlar o vírus nessas faixas etárias, isso já será satisfatório.
“A gente tem que lembrar que existe a possibilidade de os testes envolverem muitas pessoas e, quanto mais faixas etárias eu incluo, mais pessoas eu tenho que convocar para estudos. Isso não é só no Brasil, as demais vacinas que estão sendo estudadas no mundo inteiro não têm as crianças como foco, porque elas não são as principais vítimas”, explica a pediatra.
Segundo Dra. Flávia, esta é uma mensagem de tranquilidade, não de desleixo, e uma justificativa bastante coerente, pautada no que a gente já conhece sobre a Covid-19. “De um modo geral, quando é possível vacinar o público-alvo e controlar a doença no indivíduo em larga escala, é possível também controlar a circulação do vírus, o que faz com que os grupos de menor risco tenham a vantagem de serem indiretamente protegidos pela imunização dos grupos transmissores”, completa.
Quando as crianças serão vacinadas contra a Covid-19?
Na opinião de ambos os especialistas, portanto, a vacinação infantil contra a Covid-19 deve ser uma das últimas na fila de prioridade, já que elas adoecem menos, transmitem menos a doença, costumam ser infectadas pelos próprios adultos dentro de casa e, ainda, são um grupo com taxas de letalidade e internação bastante baixas.
Não se sabe quando as crianças serão de fato imunizadas contra o coronavírus, e é certo que isso não irá ocorrer a curto e médio prazo: quando dispusermos de um número de vacinas suficiente para cobrir crianças e adolescentes, há grandes chances de a pandemia já ter sido controlada.
É o que reforça o comunicado do Ministério da Saúde, na terça-feira (1). O órgão governamental anunciou um plano inicial de vacinação contra o coronavírus, em que há a previsão de quatro etapas de aplicações em dose dupla para 109,5 milhões de brasileiros.
A primeira fase será destinada a profissionais da saúde, idosos com mais de 75 anos ou aqueles que têm mais de 60 anos e vivem em asilos, além da população indígena no geral.
Já a segunda fase focará no grupo de 60 a 74 anos, sem distinções. A terceira será para pessoas que possuem comorbidades que podem vir a piorar um quadro de Covid-19, como doenças renais crônicas e cardiovasculares.
E, por fim, a última fase será destinada a professores, forças de segurança, trabalhadores do sistema prisional e também os que estão privados de liberdade.
O Ministério da Saúde ainda reforçou que, para dar início a este plano inicial desenhado, é preciso que a Anvisa aprove e cadastre um imunizante em território brasileiro. E avisou que ainda não se discutiu ou estipulou datas de vacinação para outros grupos da população, como as crianças.
A vacinação de crianças e adolescentes contra a Covid-19 será obrigatória?
A questão da obrigatoriedade ou não da vacina, pontua Flávia, é responsabilidade do governo, e não da comunidade médica. De qualquer forma, ela acredita que os imunizantes contra a Covid-19, eventualmente, farão parte da rotina de vacinação dos brasileiros:
“Mais importante do que obrigatoriedade é a comunicação de qualidade para que as pessoas sintam segurança. Elas já sabem da importância da vacina, não é à toa que a maior parte da população quer e está disposta a ser vacinada”, diz.
Para Renato, uma campanha de vacinação obrigatória, seja para crianças ou adultos, não faz muito sentido, já que é pouco provável que tenhamos sanções para quem escolher não se vacinar, além do fato de não termos vacinas suficientes para que toda a população seja imunizada. O médico assume que, provavelmente, o objetivo das campanhas de vacinação será minimizar a doença grave nos grupos vulneráveis, e não de erradicar a Covid-19.
Estão sendo feitos testes com crianças e adolescentes?
O Instituto Butantan, que coordena o estudo clínico de fase 3 da CoronaVac – produzida pela Sinovac em parceria com a China – informou que esta etapa do estudo, no Brasil, contempla apenas maiores de 18 anos.
Já em território chinês, crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos entraram nos grupos aprovados para ensaios clínicos, que devem começar em breve. Neles, dosagens baixas e médias da vacina, com duas doses programadas em intervalos de 28 dias, serão adaptadas. Com a aprovação da Anvisa, os testes envolvendo crianças e adolescentes também poderão ser feitos no Brasil, mas ainda não há uma data de previsão para que isso aconteça.
A farmacêutica Pfizer, que está desenvolvendo uma vacina em parceria com a empresa alemã de biotecnologia BioNTech, informou a ausência de um porta-voz para falar com a imprensa sobre o tema da imunização de crianças e adolescentes.
Em comunicado mais recente, a empresa disse que irá trabalhar em parceria com a Anvisa para fornecer todos os dados necessários para avaliação da vacina no Brasil, e garantiu que o pedido de aprovação do registro dependerá da submissão de dados de eficácia de segurança, que deverão ser considerados aceitáveis pela agência reguladora.
Robert Frank, diretor do Centro de Pesquisa de Vacinas do Hospital Infantil de Cincinatti (EUA), disse em outubro passado, em entrevista para a CNN Brasil, que naquele mês uma equipe do hospital começaria a testar o imunizante em adolescentes de 16 e 17 anos, além de inscrever jovens de 12 a 15 anos para testes posteriores.
Já a Unifesp, que coordena o estudo clínico da vacina elaborada pela universidade de Oxford e o conglomerado farmacêutico AstraZeneca no Brasil, informou que o recrutamento para a participação de voluntários brasileiros exigiu idade mínima de 18 anos.
É sabido que, em maio deste ano, idosos e crianças de 5 a 12 anos foram incluídos nos testes de fase 2 da vacina, apenas no Reino Unido. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que produzirá a vacina de Oxford a nível nacional, disse não estar envolvida nos testes da vacina.
Com o aumento dos casos no Brasil neste fim de ano, e como vimos, ainda poucos estudos relacionados às crianças, cabe aos pais estarem atentos a cada nova notícia e torcer para que a vacina seja logo realidade no mundo todo.